LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL*
O ser humano, ao lembrar-se de algo, lembra-se de uma
história. Não existe uma evocação abstrata, ou de um fato instantâneo,
congelado no tempo. Nesses casos, ocorre uma operação mental em que um
fato se sucede a outro, numa se-quência que, quando o contamos a outrem,
procuramos dar um andamento mais ou menos lógico. Contamos uma
história, enfim; e ao falarmos em histórias, caímos em cheio no terreno
da literatura, que, desde sempre, teve a função de imitar a vida – para
aceitarmos a ideia tão cara a Aristóteles. Isso é o trivial para alguém
quem costuma percorrer os caminhos da cultura. O problema, porém, é
quando a literatura abandona essa linearidade e põe-se a sugerir
transgressões que, levadas ao extremo, podem instaurar uma perturbadora
intransitividade. “Não entendo nada desse livro” – eis um discurso fácil
e totalizador, capaz de comprometer a própria existência da obra de
arte. Tal como se apresenta, esse raciocínio, embora raso, pode
corresponder a uma forma cartesiana de entender o mundo, e como tal, tem
seu valor. Nossa verdade interior, porém, em que pese a busca da
linearidade, não é lógica e, nas evocações, há avanços e recuos, há
desvios – hiperlinks involuntários – que, na maioria das vezes,
tornam-se mais importantes do que a história. Esse é um procedimento nem
sempre visível e consciente, e fascinamo-nos com os rumos de nossa
capacidade evocadora. A questão é quando isso vem representado numa obra
literária a qual “não deveria” enveredar por esses caminhos escuros da
mente. A literatura, nessa disputa sem quartel, acaba por ser a
responsável pela sua própria incongruência pois, em vez de organizar o
universo, acaba por desconstituí-lo e desautorizá-lo. Cabe ao leitor
aceitar sua perturbação pessoal e admitir que, fosse para representar
com fidelidade a vida, a literatura estaria incorrendo no erro julgar
que a vida toda é coerente, quando sabemos que não o é. Que o diga a
teoria do caos. Para arrematar essa conversa algo esotérica: a
literatura não é culpada de suas assimétricas construções; talvez
devêssemos indigitar a vida por não se comportar como nós desejamos. A
literatura, nesse patamar reflexivo, nem é tão inovadora; a vida, sim, é
inovadora. Queiramos ou não. Isso pode ser um anátema, sim, mas também
pode ser um imenso consolo. O resto, como diz jovem príncipe da
Dinamarca, é o silêncio.
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* Escritor.
Fonte: ZH on line, 11/02/2013
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