domingo, 17 de fevereiro de 2013

As sandálias do pescador

Fernando Altemeyer Junior*
O novo papa terá o imenso desafio de cambiar modos obsoletos de organizar a igreja, abrindo espaço para jovens, pobres e mulheres 
Ainda surpreso e comovido com a renúncia do papa. Ouvi, silencioso, ao bávaro Joseph Ratzinger dizer em latim que não tem mais as forças necessárias para governar a Igreja e exercer o ministério petrino. Fiquei a me perguntar: Quem será o novo sucessor de Pedro? Quem calçará as sandálias de Jesus? 

O perfil de um novo papa é a questão nevrálgica dos próximos 30 dias. Quem deve ser papa para receber a herança valiosa do Concílio Vaticano 2º e fecundá-la? Quem tem o rosto de pastor universal para essa hora decisiva? Seria um intelectual como Bento 16? Um ator, atleta e místico como João Paulo 2º? Um amigo dos pobres como João 23? Um homem do diálogo como Paulo 6º? 

Há questões emergentes na sociedade: o terrorismo e o crescimento dos fascismos em tantos países; o ateísmo militante e o agnosticismo desafiador; a luta da mulher e das culturas como expressões autênticas em um mundo globalizado; as crises éticas que desfiguram a política e as instituições; os pecados mortais na Igreja como o escândalo da pedofilia perpetrado por sacerdotes contra crianças; o reconhecimento dos direitos dos povos africanos na luta por liberdade e paz; e a candente questão ecológica. 

Há o imenso desafio de cambiar modos obsoletos de organizar a instituição eclesial, abrindo espaço para que os jovens participem plenamente; que os pobres digam suas palavras utópicas e que elas reverberem na alma de toda a Igreja; que as mulheres possam agir em novos ministérios eclesiais instituídos, reconhecidos e celebrados; que nossas igrejas e paróquias tornem-se vivas e participativas. 

Precisamos de um papa que confie nos teólogos, nos padres, nas religiosas e, sobretudo, nos leigos e leigas missionários. Um papa que canonize subitamente dom Romero, Enrique Angelelli e a irmã Dorothy Stang. Um papa maestro de orquestra e não virtuose solitário de um único instrumento. Um papa de sandálias, que caminhe como bom pastor. 

Um papa de sorriso fácil. Um papa que ame e defenda a família. Um papa profeta, que enfrente a violência contra homossexuais, crianças, negros, jovens, mulheres e povos indígenas. Um papa que não se submeta à mentira e proclame as bem-aventuranças do Evangelho. 

Quer seja italiano, africano, brasileiro (sim, poderemos viver essa alegria) ou até filipino, que assuma a causa ecumênica como prioridade pessoal e primordial: busque, plante, reze, cuide e construa a união plural entre as igrejas cristãs: ortodoxas, anglicanas, protestantes e pentecostais. 

Um papa capaz de caminhar com judeus, islâmicos e gente de todas as fés. Um papa capaz de dizer aos ateus que são muito amados porque creem no humano que, para nós,é divino. Precisamos de um papa paternal e, paradoxalmente, maternal. 

Um papa capaz de uma misericórdia uterina por ser fiel discípulo de Jesus. E com fé imensa capaz de um milagre: comover o coração da humanidade! Os novos rumos da Igreja estarão nas mãos e, sobretudo, no coração do novo bispo de Roma: que ele tenha como bússola a fé vivida e professada. 

O sonho de cada cristão será o de ouvir ressoar da janela vaticana uma voz firme e serena no dia da posse: "Coragem, irmãos e irmãs! Vamos de esperança em esperança! Encorajem os crucificados, propondo-lhes a ressurreição e a paz, em nome de Jesus, o Vivente!". O perfil de um novo bispo de Roma será, assim, o do bom samaritano. 
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FERNANDO ALTEMEYER JUNIOR, 56, mestre em teologia e doutor em ciências sociais, é professor de ciências da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 
Fonte: Folha on line, 17/02/2013
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