José Pastore*
Peço ao leitor a devida vênia para apresentar informações geradas não
por pesquisas, como sempre faço, mas por relatos de pessoas atentas e
que acompanham a evolução da crise nos países ricos. Há desdobramentos
inusitados.
Os jornalistas Guilherme Serôdio e Marta Nogueira informam, por
exemplo, que a crise pode reduzir o afluxo de estrangeiros para o
próximo carnaval do Rio de Janeiro. A diminuição da presença de
empresários europeus e americanos já fora percebida no carnaval de 2012 e
deve se agravar em 2013 (“Crise na Europa muda o perfil de turista no
Rio”, Valor, 17/1/2013).
Os dados que chegam da Europa mostram, de fato, que os europeus estão
bem mais cautelosos no gastar. Para a maioria das famílias, a troca do
carro vem sendo anualmente adiada. A indústria sente isso e seus lucros
encolhem. No geral, o consumo de bens e serviços caiu 1% no ano passado e
a confiança dos consumidores chegou ao seu nível mais baixo desde 2009.
Estes passaram a se servir de lojas e marcas mais baratas em
substituição às que sempre compraram (Sam Schechner, “Consumidores
europeus não querem saber de gastar”, Wall Street Journal, 6/8/2012).
Relatos da imprensa europeia indicam que o lazer doméstico também foi
afetado. As salas de cinema estão mais vazias, os restaurantes já não
têm fila de espera e muitas famílias adiaram as férias – sine die. Em
alguns países há registros de cortes de gastos até mesmo de telefone
celular. Só em 2012, mais de 1 milhão de linhas foram abandonadas
(Álvaro Fagundes, “Com crise, europeu corta celular, cinema e academia”,
Folha, 12/8/2012).
A escalada do desemprego afeta não apenas os desempregados, mas
também os que continuam trabalhando e temem ficar sem o emprego a
qualquer momento. A própria capacidade de as pessoas socorrerem
familiares em dificuldade está diminuindo. Até italianos estão sendo
forçados a viver sem a “nonna”, pois os idosos foram forçados a
trabalhar fora de casa e não podem cuidar das crianças. Os que já
trabalhavam tiveram de “convidar” filhos, genros e noras a saírem do
abrigo familiar por causa da insolvência dos idosos (Nadia S. Cohen,
“Italianos aprendem a viver sem a nonna”, Wall Street Journal,
22/6/2012).
Os mais velhos estão sendo forçados a trabalhar mais tempo também em
razão das mudanças nas regras da aposentadoria. Muitos países já fixaram
a idade mínima em 62 anos, outros já chegaram a 65 e um bom número
chegará a 67 anos em pouco tempo. Na Dinamarca, a idade será de 69 anos
em 2020.
Também nos Estados Unidos a crise levou as famílias a gastarem menos e
poupar mais. O consumo sofreu uma redução porque, em menos de cinco
anos, a taxa de poupança passou de zero para 5%. Vários hábitos
gastadores vêm se modificando. Os shows da Broadway sofreram um baque em
2009-2011, tendo se recuperado parcialmente em 2012. As férias
perdulárias foram cortadas na maioria das famílias. As que perderam suas
casas eliminaram não só férias, como também a troca de carro, a
renovação do guarda-roupa e a alimentação fora de casa. Nas grandes
cidades, o café levado de casa substituiu o comprado nos bares (Marcos
de Moura e Souza, “Crise forçou uma ampla mudança comportamental”,
Valor, 3/10/2011).
Será que as mudanças vieram para ficar? Estaria aí o fim da vie en rose, da dolce vità, do nice way of life?
As observações resenhadas indicam que, com o aprofundamento da crise,
há o avanço das mudanças. Mas ninguém garante que os hábitos perdulários
dos europeus e, principalmente, dos americanos foram apagados para
sempre naquelas sociedades. No Brasil, tivemos uma mudança radical de
comportamento dos consumidores no grande apagão de 2001. O povo entendeu
que era preciso economizar energia. Ao que tudo indica, porém, a
gastança voltou, a ponto de preocupar os responsáveis pelo
abastecimento. E o barateamento das tarifas, vai ajudar ou dificultar o
uso da sensatez?
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* José Pastore é professor de Relações do Trabalho da FEA-USP e membro da Academia Paulista de Letras.
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