Carlos Heitor Cony*
Para nós, ocidentais, o livro-base continua
sendo a Bíblia, em seus dois Testamentos. A ela devemos o relato da
criação, escrito não se sabe por quem, apesar de os judeus atribuírem os
cinco primeiros livros a Moisés.
Nela está escrito que o espírito de Deus pairava sobre as águas, até que
ele deu uma ordem ou expressou um pedido: "Fiat lux". E a luz foi
feita. Primeira pergunta: a quem ele deu essa ordem ou expressou esse
desejo? A ele mesmo, ou havia alguém ou alguma coisa capaz de atendê-lo?
Ainda no processo da criação, Ele teria dito: "Façamos o homem à nossa
imagem e semelhança". Usou o plural. Haveria alguém ao lado ou acima
dele? Bem, a linguagem --qualquer linguagem-- é metafórica ou simbólica,
traduzindo em letras aleatórias uma realidade espiritual ou física para
a transmissão de um conhecimento.
Será que o Deus cultuado no Ocidente é um Deus menor, um demiurgo como
queria Platão, com jurisdição limitada ao que nós chamamos de Universo? A
mesma pergunta transcende ao Deus criado por judeus, árabes e cristãos
em oposição aos deuses do paganismo, responsáveis por civilizações
antigas, como a dos persas, a dos egípcios, a dos gregos e a dos
romanos. Paganismo que fez Abraão abandonar sua cidade natal --qualquer
entendido em palavras cruzadas sabe que ele saiu de Ur, na Mesopotâmia,
porque acreditava e fez seus descendentes acreditarem num único Deus.
Ele teria usado o plural para fazer o homem à sua imagem e semelhança.
Seria Ele o responsável pelo antropomorfismo, dando à sua criatura as
características ontológicas de seu Ser, sendo Ele "ens ut ens"? Daí o
nome de Deus em hebraico ser plural: Elohim.
São perguntas que não sei responder, como não sei se Lula tinha ou não domínio do fato que resultou no mensalão.
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* É membro da Academia Brasileira de Letras desde 2000. Sua carreira no
jornalismo começou em 1952 no "Jornal do Brasil". É autor de 15 romances
e diversas adaptações de clássicos. Cronista da Folha.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/26/02/2013
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