quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Nossa vã filosofia

Carlos Heitor Cony*

 

Para nós, ocidentais, o livro-base continua sendo a Bíblia, em seus dois Testamentos. A ela devemos o relato da criação, escrito não se sabe por quem, apesar de os judeus atribuírem os cinco primeiros livros a Moisés. 

Nela está escrito que o espírito de Deus pairava sobre as águas, até que ele deu uma ordem ou expressou um pedido: "Fiat lux". E a luz foi feita. Primeira pergunta: a quem ele deu essa ordem ou expressou esse desejo? A ele mesmo, ou havia alguém ou alguma coisa capaz de atendê-lo? 

Ainda no processo da criação, Ele teria dito: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança". Usou o plural. Haveria alguém ao lado ou acima dele? Bem, a linguagem --qualquer linguagem-- é metafórica ou simbólica, traduzindo em letras aleatórias uma realidade espiritual ou física para a transmissão de um conhecimento. 

Será que o Deus cultuado no Ocidente é um Deus menor, um demiurgo como queria Platão, com jurisdição limitada ao que nós chamamos de Universo? A mesma pergunta transcende ao Deus criado por judeus, árabes e cristãos em oposição aos deuses do paganismo, responsáveis por civilizações antigas, como a dos persas, a dos egípcios, a dos gregos e a dos romanos. Paganismo que fez Abraão abandonar sua cidade natal --qualquer entendido em palavras cruzadas sabe que ele saiu de Ur, na Mesopotâmia, porque acreditava e fez seus descendentes acreditarem num único Deus. 

Ele teria usado o plural para fazer o homem à sua imagem e semelhança. Seria Ele o responsável pelo antropomorfismo, dando à sua criatura as características ontológicas de seu Ser, sendo Ele "ens ut ens"? Daí o nome de Deus em hebraico ser plural: Elohim.
São perguntas que não sei responder, como não sei se Lula tinha ou não domínio do fato que resultou no mensalão. 
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* É membro da Academia Brasileira de Letras desde 2000. Sua carreira no jornalismo começou em 1952 no "Jornal do Brasil". É autor de 15 romances e diversas adaptações de clássicos. Cronista da Folha.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/26/02/2013
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