quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O chato missivista

 PAULO SANT’ANA*


Quando topo com um sujeito muito chato, insuportavelmente chato, sempre penso no seguinte: pobre coitada da mulher dele.

Se eu me encontro com um chato uma vez por semana ou por quinzena – e ele sistematicamente me chateia –, calculem então o que deve chatear à sua mulher, com quem ele mora, com quem ele dorme, almoça e janta todos os dias há muitos anos!

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Toda mulher de chato é uma heroína. O que devem sofrer os filhos de um chato...

Esses dias, entrevistei a mulher de um chato. E perguntei a ela: “Como é que tu aguentas?”.

Ela me disse que em casa o chato se amansa, é tranquilo, não chateia.

Então, eu disse para ela: “Quer dizer que em casa ele não chateia? Já sei: em casa ele é quieto, silencioso, fica se concentrando para nos chatear na rua!”.

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Eu ando às voltas com um chato missivista. É que ele me chateou tanto durante 15 dias, que, para me livrar dele, eu lhe disse: “Está bem, escreve-me explicando tudo isso”.

E já há 30 dias que ele não se cansa de me escrever, escreve-me todos os dias, eu já estou com uma pilha de e-mails dele. E, o pior, em cada dia que me escreve ocupa mais de 80 linhas!

Já estou decidido: vou mandar dizer-lhe que não me escreva mais, que venha ao meu encontro.

Pois ele é muito mais chato escrevendo do que já é falando.

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Não é só falando ou escrevendo que um chato é chato. Já repararam que chato é chato até quando está silencioso?

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O chato me escreveu, entre tanta coisa, o seguinte: “Sant’Ana: como é bom escrever para ti, nem imaginas. É bom escrever para ti porque sei que me lês, me dás atenção desmedida. Melhor escrever para ti, Sant’Ana, do que falar contigo. É que escreveste na coluna que estás surdo. Então, quando eu te encontro em qualquer lugar e falo contigo, não tenho certeza de que estás me ouvindo. Enquanto tenho certeza absoluta, quando te escrevo, de que estás me lendo. E o assunto de hoje é o seguinte...” (seguem-se não menos do que 80 linhas).

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Toda vez que uma pessoa abordá-lo da forma seguinte, “desculpe, eu não queria ser chato, mas...”, pode crer que aí vem chatice das grandes.

A pior ameaça que um chato faz é a seguinte: “Pode ser que eu seja chato, mas vou te dizer o seguinte...”. É uma catástrofe.

Esses dois tipos de chato que cataloguei agora são os piores chatos, isto é, os que confessam que são chatos.

Embora o chato que não confesse que é chato e até não saiba que é chato constitua também um flagelo singular.

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Tem também o chato consciencioso, aquele que começa assim: “Tenho certeza de que vou te chatear, mas sou obrigado a te dizer...”.

E por aí se vai a coletânea de chatos, encontrada principalmente nos bares, reuniões e coquetéis.

É muito difícil defrontar-se com um ajuntamento sem a presença de algum chato.

Se houver aglomeração em algum lugar, é certo que ali se encontra um chato.
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* Jornalista. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 07/02/2013
Imagem da Internet

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