José Tolentino Mendonça*
Sei os riscos que corro ao propor um tema como este: o
elogio da inutilidade. Por um lado, estamos claramente perante um termo
ambíguo. A inutilidade parece à primeira vista um valor negativo ou um
contravalor. Quando é que a inutilidade é boa e libertadora? Por outro
lado, a nossa cultura, que idolatra a produção e o consumo, assumiu o
útil como um dos critérios máximos para avaliar as nossas vidas. Se é
útil, é bom. Quando nos sabemos úteis, sentimo-nos compensados. A vida
tornou-se uma espécie de grande maratona da utilidade. Contudo, o
termómetro que assinala a nossa vitalidade interior não pode dispensar a
pergunta pelo lugar que saudavelmente damos ao inútil.
Porque é que o inútil é importante? Porque o inútil
subtrai-nos à ditadura das finalidades que acabam por ser desviantes em
relação a um viver autêntico. Condicionados por esta finalidade, e
aquela, e aquela acabamos simplesmente por não viver, por perder o
sentido da gratuidade, a disponibilidade para o espanto e para a
fruição. Recorrendo a uma expressão do teólogo Dietrich Bonhoeffer, a
inutilidade é que nos dá o acesso à “polifonia da vida”, na sua
variedade, nos seus contrastes, e na sua realidade escondida e densa. E
a polifonia da vida outra coisa não é que a sua inteireza, tantas
vezes sacrificada à prevalência contínua do que nos é vendido por útil.
Neste sentido, Jesus de Nazaré é verdadeiramente o
Mestre do inútil! Quando lemos os Evangelhos a partir desta chave,
encontramos esta preocupação contínua nas palavras de Jesus: a
recondução de cada um, não àquelas finalidades subjetivas que se
interpõem como obstáculos, mesmo que a gente as veja como grandes
oportunidades, mas à abertura fundamental a uma vida segundo o próprio
ser. A isso Jesus desafia os discípulos: “Não vos preocupeis quanto à
vossa vida, com o que haveis de comer, nem quanto ao vosso corpo como
que haveis de vestir, pois a vida é mais que o alimento, e o corpo é
mais que o vestuário. Reparai nos corvos… Reparai nos lírios, como
crescem. Não trabalham nem fiam… Pois eu digo-vos: nem Salomão em toda
a sua glória se vestiu como um deles” (Lc 12, 22).
Num tempo de aperto, em que o útil nos constringe ao
máximo empenho, é importante não esquecer o lugar que, precisamente
nestes dias difíceis, temos de conceder ao inútil.
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* Teólogo português. Escritor. Poeta.
Fonte: http://www.snpcultura.org/paisagens_porque_e_que_o_inutil_e_importante.html 24.02.13
Fonte: http://www.snpcultura.org/paisagens_porque_e_que_o_inutil_e_importante.html 24.02.13
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