sábado, 16 de fevereiro de 2013

Amor Humano e Religioso


Entre os seus mais reconhecidos trabalhos, há cerca de 2 anos, Cantalamessa manifestou-se sobre o perigo de “amar sem o coração”.

Reflitamos sobre alguns pontos desse discurso.

Ele acha que muitos correm o risco de amar a Deus “só com a cabeça”, sem implicar o amor afetivo humano. E que o amor dos homens oposto ao de Deus pode ser obstáculo às novas evangelizações: “um dos âmbitos nos quais a secularização atua de modo particularmente difuso e nefasto é o amor”.

O pregador, hoje com 79 anos, sustenta que o amor laico separa o amor humano de Deus, em todas as suas formas, reduzindo-o a algo meramente “profano”, onde “Deus sobra e até incomoda”.

Também diz que o tema do amor extrapola as fronteiras da evangelização, implica as relações com o mundo, decidindo, antes de qualquer coisa, “sobre a própria vida interna da Igreja e a santificação dos seus membros”.

Ele analisa a distinção que certos teólogos tentaram construir entre o “eros”, o amor humano e passional, e o “ágape”, o amor de oblação, baseado na encíclica “Deus caritas est”, de Bento XVI.

Aponta que o amor sofre separação nefasta não só na mentalidade do mundo secularizado, mas também dos crentes e, em particular, entre as almas consagradas. Simplificando: “no mundo secular, um eros sem ágape; e, entre os crentes, ágape sem eros”.

E prossegue: “eros sem ágape é amor romântico, mas comumente passional, até violento – amor de conquista, que reduz fatalmente o outro a objeto do próprio prazer e ignora toda dimensão de sacrifício, de fidelidade e de doação de si”.

Em contrapartida: “o ágape sem eros é um amor frio, um amar parcial, sem a participação do ser inteiro, mais por imposição da vontade do que por ímpeto íntimo do coração, em que atos de amor voltados para Deus parecem aqueles de namorados desinspirados, que escrevem à amada cartas copiadas de modelos prontos. Se o amor mundano é um corpo sem alma, o amor religioso praticado assim é uma alma sem corpo - o ser humano não é um anjo, um espírito puro; é alma e corpo substancialmente unidos: tudo o que ele faz, amar inclusive, tem que refletir essa estrutura.”

E propõe: “Se o componente humano ligado ao tempo e à corporeidade é sistematicamente negado ou reprimido, a saída será...: seguir adiante aos arrastos, por senso de dever, por defesa da própria imagem, ou ir atrás de compensações mais ou menos lícitas, chegando até os dolorosíssimos casos que estão afligindo atualmente a Igreja.”

“No fundo de muitos desvios morais de almas consagradas, não é possível ignorá-lo: há uma concepção distorcida e retorcida do amor”, advertiu.

Por isso – acrescentou – a redenção do eros “ajuda acima de tudo os enamorados humanos e os esposos cristãos, mostrando a beleza e a dignidade do amor que os une. Ajuda os jovens a experimentar o fascínio do outro sexo não como coisa turva, a ser vivida às costas de Deus, mas, ao contrário, como um dom do Criador para a sua alegria, desde que vivido na ordem querida por Ele”. Mas também ajudaria os consagrados, homens e mulheres, para evitar esse “amor frio, que não desce da mente para o coração. Um sol de inverno, que ilumina, mas não aquece”.

A chave – explica – é o apaixonar-se pessoalmente por Cristo. “A beleza e a plenitude da vida consagrada depende da qualidade do nosso amor por Cristo... Jesus é o homem perfeito; nele se encontram, em grau infinitamente superior, todas aquelas qualidades e atenções que um homem procura numa mulher e uma mulher no homem”.

“O amor dele não nos elimina necessariamente a sedução das criaturas e, em particular, a atração do outro sexo (ela faz parte da nossa natureza, que Ele criou e não quer destruir). Mas nos dá a força para vencer essas atrações com uma atração mais forte. ‘Casto é quem afasta o eros com o eros’ escreve São João Clímaco”.

Todo e qualquer esforço para explicar o amor é muito válido e benvindo. Mas a dificuldade com os modelos religiosos começa nas características dos objetos amados. Como disse o pregador, Cristo tem a somatória das virtudes humanas e é “perfeito”.

Aí o problema emperra: o amor dos humanos não pode se direcionar ao ser perfeito. Isso deturpa a nossa natureza. Temos que amar imperfeitamente os imperfeitos, aperfeiçoando os amados e os que amam.
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*Psiquiatra, psicoterapeuta e sexólogo. Palestrante e congressista de vários eventos nacionais e internacionais. Email: jzmmota@uol.com.br 
Fonte: Correio Popular, 14/02/2013.
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