quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Editorial: Bento 16, o Breve

Foi ainda como cardeal que Joseph Ratzinger deixou sua influência mais marcante sobre uma Igreja Católica em rápida transformação. Intelectual e teólogo de estatura, Ratzinger orientou com zelo a revalorização da doutrina no papado carismático de João Paulo 2º. 

De 1978 até 2005, o mundo viu a liberalização dos costumes tornar-se norma, o Muro de Berlim ruir e os computadores infiltrarem informação por todos os interstícios. Em paralelo, a igreja de João Paulo 2º e Ratzinger buscava revalorizar a vida espiritual e a fé individual.
Reverteu-se, assim, a ênfase anterior nos trabalhos sociais, após o Concílio Vaticano 2º (1962), que conduziria à derivação coletivista da Teologia da Libertação. 

Com a morte de João Paulo 2º, a eleição de Bento 16 emitiu um signo de continuísmo para a igreja e seus fiéis. Mais do mesmo: reafirmação das amargas prescrições católicas --abstinência, oração, penitência-- para as aflições da vida terrena, que Roma atribuía ao relativismo moral e ao culto secular do hedonismo consumista. 

Bento 16, contudo, nunca projetou sobre os católicos o magnetismo que emanava de João Paulo 2º, cujas exortações se revestiam de autoridade quase mística. Ratzinger foi o papa cerebral, mais aparelhado para debater doutrinas com o filósofo Jürgen Habermas do que para transportar multidões. 

Premido que tenha sido por limitações de saúde, por escândalos no recesso do Vaticano ou pela incontrolável torrente de denúncias de abuso sexual pelo clero, a desistência de Bento 16 soará a não poucos fiéis como admissão de incapacidade para liderar a igreja diante de seus enormes desafios. 

A recusa doutrinária a contraceptivos e camisinhas é cada vez mais difícil de sustentar, em tempos de Aids e sexo rotineiro. O anátema contra o aborto, mesmo em caso de estupro, põe a igreja em conflito com inúmeros seguidores. 

O mesmo se aplica ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e à própria homossexualidade --sobretudo quando esta se acha na raiz dos desvios dos sacerdotes, para os quais o Vaticano nunca deu resposta satisfatória aos olhos do público. A ordenação de mulheres constitui outro capítulo em que a Igreja Católica perde terreno. 

Bento 16 parece reservar energias para influenciar a escolha de um sucessor à altura de tamanhas dificuldades. O caminho inusual, a exemplo da eleição do polonês Karol Wojtyla, levaria a um papa jovem, talvez da América Latina. 

Nas sombras da Capela Sistina, porém, a bancada de cardeais italianos --que hoje detém 28 dos 118 votos-- pode entrever a oportunidade de reaver o controle que exerceu por séculos sobre a Santa Sé. 
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Fonte:  http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1229863-bento-16-o-breve.shtml
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