Foi ainda como cardeal que Joseph Ratzinger deixou sua influência mais
marcante sobre uma Igreja Católica em rápida transformação. Intelectual e
teólogo de estatura, Ratzinger orientou com zelo a revalorização da
doutrina no papado carismático de João Paulo 2º.
De 1978 até 2005, o mundo viu a liberalização dos costumes tornar-se
norma, o Muro de Berlim ruir e os computadores infiltrarem informação
por todos os interstícios. Em paralelo, a igreja de João Paulo 2º e
Ratzinger buscava revalorizar a vida espiritual e a fé individual.
Reverteu-se, assim, a ênfase anterior nos trabalhos sociais, após o
Concílio Vaticano 2º (1962), que conduziria à derivação coletivista da
Teologia da Libertação.
Com a morte de João Paulo 2º, a eleição de Bento 16 emitiu um signo de
continuísmo para a igreja e seus fiéis. Mais do mesmo: reafirmação das
amargas prescrições católicas --abstinência, oração, penitência-- para
as aflições da vida terrena, que Roma atribuía ao relativismo moral e ao
culto secular do hedonismo consumista.
Bento 16, contudo, nunca projetou sobre os católicos o magnetismo que
emanava de João Paulo 2º, cujas exortações se revestiam de autoridade
quase mística. Ratzinger foi o papa cerebral, mais aparelhado para
debater doutrinas com o filósofo Jürgen Habermas do que para transportar
multidões.
Premido que tenha sido por limitações de saúde, por escândalos no
recesso do Vaticano ou pela incontrolável torrente de denúncias de abuso
sexual pelo clero, a desistência de Bento 16 soará a não poucos fiéis
como admissão de incapacidade para liderar a igreja diante de seus
enormes desafios.
A recusa doutrinária a contraceptivos e camisinhas é cada vez mais
difícil de sustentar, em tempos de Aids e sexo rotineiro. O anátema
contra o aborto, mesmo em caso de estupro, põe a igreja em conflito com
inúmeros seguidores.
O mesmo se aplica ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e à própria
homossexualidade --sobretudo quando esta se acha na raiz dos desvios dos
sacerdotes, para os quais o Vaticano nunca deu resposta satisfatória
aos olhos do público. A ordenação de mulheres constitui outro capítulo
em que a Igreja Católica perde terreno.
Bento 16 parece reservar energias para influenciar a escolha de um
sucessor à altura de tamanhas dificuldades. O caminho inusual, a exemplo
da eleição do polonês Karol Wojtyla, levaria a um papa jovem, talvez da
América Latina.
Nas sombras da Capela Sistina, porém, a bancada de cardeais italianos
--que hoje detém 28 dos 118 votos-- pode entrever a oportunidade de
reaver o controle que exerceu por séculos sobre a Santa Sé.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1229863-bento-16-o-breve.shtml
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