Ao lançar um livro de poemas, o vice-presidente da República, Michel Temer, expõe face inspirada de políticos que escrevem
“Serei eu no espelho / Ou serei aquele / Que a minha mente exibe?”Os versos que abrem o poema Engano explicam um pouco as motivações do vice-presidente Michel Temer ao surpreender os brasileiros com um livro de poesia. Ao demonstrar que por trás daquele terno bate um coração, Temer toma a frente de colegas que também trocam o discurso pelo verso nas horas vagas.
Com o lançamento de Anônima Intimidade (Topbooks, 2012), Temer admite o desejo de desvencilhar-se da imagem “metálica” de sua persona pública. Os poemas – via de regra, breves e de temas leves – são um aparato de centenas de guardanapos e outros papeizinhos escritos na ponte aérea Brasília-São Paulo. “Cada escrito representava o meu interior se exteriorizando. E me davam a sensação de retorno aos meus 15, 16 anos, época em que sonhava ser escritor. A vida encaminhou-me para outros destinos”, diz o vice-presidente no prefácio.
Temer deixa clara a barreira entre o político e o poeta. “Qualquer semelhança comigo ou com terceiros é mera coincidência”, avisa na página 20. Distinção semelhante faz a deputada federal Manuela D’Ávila (PC do B), que desde 2008 declama no blog Bola de Meia, Bola de Gude. O espaço começou como um híbrido de reflexões e poesia. Hoje, é praticamente dedicado a poemas, escritos diretamente no teclado do iPhone de Manuela e publicados em tempo real no blog. O que explica algumas letras trocadas e o horário aleatório das postagens.
– Três da tarde, entra um poema e o pessoal diz: ‘Renan lá na tribuna e a Manuela em casa fazendo poesia’. Não é nada disso. Escrevo entre um compromisso e outro, viajando, deitada na cama. A hora que for... – explica a deputada.
É um hábito desde os oito anos. O primeiro deles, O Quadro (e que Manuela não declama nem sob intimação de CPI), está emoldurado na casa da mãe. Os temas “não necessariamente” têm relação com o momento da vida da deputada. Fica para o leitor interpretar, por exemplo, se os versos de Fantasmas (“Exorcizo fantasmas / Choro 2012. / Os vejo sair / Escolhas erradas / Caminhos tortos”) têm alguma relação com as eleições municipais. Manuela alerta que seguidamente a associação é descabida:
– Tem gente que lê e acha que é sobre mim. Ou sobre quem está lendo. Já estou acostumada. E dou graças a Deus de nunca ter tido vontade de escrever nada erótico – se diverte Manuela.
A referência é aos poemas do governador Tarso Genro, que, poeta na juventude, fez a festa de comentaristas irônicos com versos impróprios para qualquer tribuna.
Para Paim, poesia mudou eleição
Se até aqui política e poesia não se misturam, é o senador Paulo Paim (PT) quem une as duas coisas. Idosos, deficientes físicos, líderes do movimento negro, salário mínimo... Estas e outras bandeiras deram vazão a mais de 20 livros de poesia, publicados por meio da cota do Senado e distribuídos gratuitamente a cada Feira do Livro de Porto Alegre. Constantemente, ele os declama no plenário.
– Este que tu tens na mão (Cumplicidade, de 2004), já declamei quase todo na tribuna. Os autos do Senado já publicaram quase toda a minha obra – brinca Paim.
Pode parecer exagero, mas, para Paim, um poema teve papel fundamental na sua reeleição em 2010. Certo dia, amuado pela pesquisa que o apontava em quarto lugar para as duas vagas em disputa, Paim puxou um papel e começou a versar Onde eu errei.
– ‘Será que eu errei ao lutar pelo salário mínimo?’ E fui listando aquilo tudo, indignado. Ao final, vi o resultado, me emocionei, e achei que deveria ler no horário eleitoral. Um dia, o Pedro Simon me disse: ‘Sabe onde tu viraste aquela eleição? Foi naquele programa!’ – conta Paim, que terminaria em primeiro lugar.
-------
Fonte: ZH on line, 24/02/2013
caue.fonseca@gruporbs.com.brCAUE FONSECA | Brasília
TE LEVO COMIGO |
(de Manuela D’Ávila) |
Te levo comigo, |
Em silêncios maiores do que os habituais, |
No perfume que deixei de usar, |
no salto a inaugurar. |
Te levo comigo, |
Na sensação de que não basta fazer tudo. |
Se há quem prefira o nada. |
Te levo comigo |
Na coragem |
saltei de paraquedas: |
de minha vida para o chão, |
caí de cara. |
Te levo comigo na cicatriz. |
COMENTÁRIO DO PROFESSOR FISCHER |
“Parece um texto confessional, de desabafo, sem maior elaboração. Lembra aqueles poemas que qualquer um escreve aos 15 anos, com a mesma verdade e a mesma intranscendência do poema de 15 anos de qualquer um.” |
IDOSO |
(de Paulo Paim) |
O idoso vive no futuro de cada um de nós |
O idoso sorri, brinca, chora, respira e adormece, |
e, tal qual a natureza, desperta. |
O idoso sonha em cada novo amanhecer. |
Sonha com os frutos que plantou |
e com a realidade que vai colher. |
Sonha com o que pode ainda realizar |
pois está vivo, e a cada novo sol |
há um ideal a comunicar, |
uma experiência a espalhar. |
COMENTÁRIO DO PROFESSOR FISCHER |
“Faz crônica de tipo pensamentoso, edificante, moralista. As imagens são não apenas gastas, mas mecânicas mesmo. E o poema não faz qualquer força para tirar a linguagem de seus encaixes triviais, cotidianos.” |
ENGANO |
(de Michel Temer) |
Serei eu no espelho |
Ou serei aquele |
Que a minha mente exibe? |
Haverá coincidência |
Entre a imagem no espelho |
E eu próprio? |
Na foto, |
A desconformidade. |
Não sou, nela, |
Aquele que vejo |
No espelho. |
COMENTÁRIO DO PROFESSOR FISCHER |
“O tema aqui é ‘mal secreto’ que os parnasianos tanto abordaram, dando um depoimento da hipocrisia burguesa e tal. Mas sem força, sem capacidade de mover o leitor minimamente, porque não tem uma faísca sequer de linguagem viva.” |
O avaliador |
Convidado por ZH, o professor de Literatura da UFRGS Luís Augusto Fischer avaliou poemas dos três políticos sem saber quem eles eram. Fischer é categórico: |
– A julgar pela amostra, diria que, com toda a certeza, eu não teria o menor interesse de ler um livro desses poetas. |
No entanto, faz questão de salientar: |
– Não quer dizer que os poetas sejam más pessoas, ou que pessoalmente não possam ter atrativos intelectuais, mas sim que esses poemas são formas muito singelas, incapazes de ultrapassar a barreira do desabafo, legítimo pessoalmente, mas irrelevante socialmente. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário