segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Como a Igreja olha para os jovens: as conclusões da assembleia plenária do Pontifício Conselho da Cultura

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As conclusões da assembleia plenária do Pontifício Conselho da Cultura, que entre quarta-feira e sábado refletiu em Roma sobre as "culturas juvenis emergentes", apresentam um retrato das principais características da juventude, tal como é vista aos olhos da Igreja Católica.

Prolongamento da idade juvenil, instabilidade, mito da juventude, permanência na casa dos pais, analfabetismo comunicativo, vulnerabilidade, violência, droga, economia de mercado, tecnologia, ausência de perspetivas de futuro, redes sociais, relação com o corpo, vida sexual e comunicação com a Igreja são alguns dos pontos focados.

O Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura inicia hoje a transcrição, oficiosa e não integral, da primeira de três partes do documento assinado pelo bispo português D. Carlos Azevedo, delegado do Pontifício Conselho da Cultura. O texto original, em italiano, foi publicado no site do dicastério do Vaticano.

Introdução

Jesus inventou a parábola do semeador para explicar as razões pelas quais a semente da Palavra, da mensagem do Reino de Deus não entrava nos corações e não mudava a vida. Percebeu que era uma questão de cultura, isto é, dizia respeito ao terreno.
«Escutai: o semeador saiu a semear. Enquanto semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho e vieram as aves e comeram-na. Outra caiu em terreno pedregoso, onde não havia muita terra e logo brotou, por não ter profundidade de terra; mas, quando o sol se ergueu, foi queimada e, por não ter raiz, secou. Outra caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram, sufocaram-na, e não deu fruto. Outra caiu em terra boa e, crescendo e vicejando, deu fruto e produziu a trinta, a sessenta e a cem por um.» E dizia: «Quem tem ouvidos para ouvir, oiça.» (Marcos 4)

S. Gregório Magno, na passagem da Antiguidade para a Idade Média, escreve a "Regra Pastoral", onde indica o dever, para os anunciadores do Evangelho, de respeitar a diversidade dos destinatários da Palavra, da qual compila uma lista de 35 tipos.

Hoje, a realidade juvenil em si pede uma atenção particular, um discernimento crítico e uma conversão da linguagem e das atitudes.

1. Observação

Escutar as culturas juvenis é conhecer os vários "géneros de terreno".
É notório um prolongamento da idade juvenil, que hoje se mostra de maneira precoce porque fortemente estimulada e, simultaneamente, dilata-se exageradamente dado que a saída do meio parental ocorre após a estabilidade afetiva e profissional, esta última perturbada pelo desemprego crescente. A instabilidade, que atinge diversas dimensões essenciais da vida, da economia até à atividade profissional, da vertente educativa à política, faz dos jovens, neste tempo "líquido", a parte mais fraca e vulnerável da sociedade.
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A atitude do ser jovem tornou-se agora um mito ou um imperativo no horizonte social da eterna juventude, mesmo se a faixa juvenil está geralmente excluída da vida económica, forçada à privação social e acolhida com esforço nas comunidades cristãs. Por isto é ainda mais urgente uma aproximação respeitosa ao "multiverso" juvenil. 

Os jovens são caixa de ressonância da crise da sociedade, com conotações culturais diversificadas em função das condições, contextos e formações. Efetivamente, alguns jovens possuem enormes recursos de conhecimento e informação e outros jazem em condições de analfabetismo comunicativo; alguns jovens vivem uma situação de privilégio e dispõem de recursos económicos, enquanto outros gozam de garantias sociais e oportunidade de trabalho, mas muitos outros experimentam a precariedade, sem possibilidades, incapazes de sair do "ninho" familiar e obrigados a emigrar, a um deslocamento forçado, quase de fuga, com risco da própria vida, do falhanço total, expostos a uma vulnerabilidade extrema e sem os direitos fundamentais.
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Outros, ainda, aceitam o mecanismo do mercado e adotam o ciclo produtivo sem avaliação ética. Por outro lado há quem entre no narcotráfico, na violência, mesmo por pura sobrevivência ou como consequência do desencanto radical relativamente à sociedade e às instituições, ou adesão como opção criminal em oposição à sociedade, enquanto alguns escolhem o suicídio como renúncia a si próprios e sinal do vazio e da solidão.

No início do século XXI ocorre uma grande viragem nas culturas juvenis, fruto de processos ainda em marcha: a redução do papel do Estado nas políticas sociais; a aceleração das tecnologias e a digitalização das comunicações unida a uma globalização cultural, o poder crescente do mercado que extremou o consumo e ao qual muitos jovens se submetem.

O fenómeno do protesto, nos anos 2011 e 2012, designado de movimento de "indignados", exprime por um lado o desencanto e a exaustão das jovens gerações face ao sistema, as transformações radicais na maneira de conceber a liderança, a velocidade de circulação de informação; por outro, coloca em questão as velhas práticas políticas e a maneira habitual de transmitir a fé.
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O amadurecimento social não constitui uma aspiração determinante dos jovens. Eles vivem um "presentismo" sem futuro, onde a experiência tem valor em si mesma, passando-se de uma a outra sem finalidade e sem distinguir os limites entre objetivo e subjetivo, fazendo da experiência pessoal uma coisa pública, criando relações globais que confluem numa "ciberidentidade". com a possibilidade de aceder a outras visões do mundo e de produzir reflexões que vão para além de si próprio e dos seus horizontes.

A tecnologia é um traço central da identidade jovem, é uma força que dá centralidade à sua vida. O labirinto das redes oferece espaço para novas procuras. Apoderam-se do saber sem olhar para a autoridade. Os jovens tomam posição sem medo perante as informações, rompem os sistemas hierárquicos, escolhem os temas e problemas mais significativos segundo a própria subjetividade, guardam distância das lógicas das instituições e dos partidos.

A experiência da construção de si próprio assume contornos novos: as novas gerações tornam-se filhas de si próprias, distanciando-se dos adultos, desde que elas se tornem companheiros de uma vida partilhada e não obstáculos de autoridade de um processo de afirmação.
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A afirmação da identidade no corpo é vivida muitas vezes com forte tensão. O modo de vestir, o look, as tatuagens ou os piercings fazem parte da construção da própria personalidade, afirmações do domínio sobre o corpo. O modo como se apresentam é uma linguagem, um distintivo. A relação com o corpo é um meio para marcar a individualidade, expressão de autoestima.

O desconforto de ser si próprio, as dúvidas sobre a própria identidade vivem-se e resolvem-se no grupo que oferece modelos e suporte. O olhar de quem está próximo é essencial para a autoestima.

As culturas juvenis são uma visão que nos ajudam a decifrar a vida em perspetiva do futuro. As tecnologias intervém na experiência das pessoas e permitem a ampliação das potencialidades humanas. O ambiente digital faz parte do quotidiano, é uma extensão do espaço real da vida do nativo digital. Procuro, encontro, desfruto quando preciso. Implica seleção, possibilidade de comentário e interação. Os jovens estão mais prontos para a interação do que para a interiorização. Mas estas duas dimensões devem ser conjugadas.
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A pessoa humana, mais do que procurar sinais e sentido, é invadida por respostas que não procurou. O problema, hoje, consiste em descodificar os múltiplos dados recebidos.

Os jovens tornam-se narradores através da revolução da fotografia, que além de ser um suporte para a memória, torna-se um meio para fazer experiência da realidade.

É preciso salvaguardar espaços que permitam à interioridade desenvolver-se, acolher as perguntas radicais e a necessidade de silêncio e de meditação. 

O modo de pensar está em fase de mutação; o nativo digital vive a espiritualidade como algo que rompe o sistema, muda as regras, a perspetiva habitual, a lógica automática.
Queremos compreender a mentalidade juvenil, a cultura que a move, que orienta inteligências marcadas pela era digital e corações sujeitos a uma intensidade emotiva vivida numa cultura de relações centrada no eu.
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A dificuldade no desenvolvimento harmonioso das capacidades de relacionamento consigo próprio e com os outros, de gerir e interpretar as próprias emoções conduz à insatisfação e, por vezes, à depressão.

A ausência de uma conceção integrada do amor e a facilidade de paixões fortes, unida a uma vida sexual intensa constituem um desafio às comunidades educativas, a começar pela base familiar, tantas vezes inexistente.

O equilíbrio emotivo entre autonomia e dependência, entre escolha da felicidade e realidade sem saída, gera ansiedade e angústia. Esta cultura possui uma linguagem que é preciso entrar e que se exprime num género de música, de arte, com uma gramática própria.

Muitas vezes os jovens não compreendem a linguagem da Igreja e a Igreja não compreende a linguagem dos jovens. A comunicação fracassa por causa de um abismo de incompreensão cultural, dado que a transmissão da fé é transmitida com metodologias ultrapassadas e sem um testemunho credível e significativo.
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Cada comunidade cristã, da família á paróquia, da comunidade educativa ao movimento, é martelada com perguntas sobre a ineficácia dos processos de iniciação cristã, perante uma contracultura poderosa e eficaz.

Não obstante estes indicadores negativos da análise sociológica das culturas juvenis, abrem-se fascinantes motivos de esperança.
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Reportagem por Rui Jorge Martins
Fotografias: Jornada Mundial da Juventude 2011, Madrid
Fonte: © SNPC | 10.02.13

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