Rubem Alves*
Rubem Alves é psicanalista e teólogo |
Quero contar para vocês a estória que mais tenho contado - não aconteceu nunca, acontece sempre.
Um
homem muito rico, ao morrer, deixou suas terras para os seus filhos.
Todos eles receberam terras férteis e belas, com a exceção do mais novo,
para quem sobrou um charco inútil para a agricultura. Seus amigos se
entristeceram com isso e o visitaram, lamentando a injustiça que lhe
havia sido feita. Mas ele só lhes disse uma coisa: "Se é bom ou se é
mau, só o futuro dirá."
No
ano seguinte, uma seca terrível se abateu sobre o país, e as terras dos
seus irmãos foram devastadas: as fontes secaram, os pastos ficaram
esturricados, o gado morreu. Mas o charco do irmão mais novo se
transformou num oásis fértil e belo. Ele ficou rico e comprou um lindo
cavalo branco por um preço altíssimo. Seus amigos organizaram uma festa
porque coisa tão maravilhosa lhe tinha acontecido. Mas dele só ouviram
uma coisa: "Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá."
No
dia seguinte seu cavalo de raça fugiu e foi grande a tristeza. Seus
amigos vieram e lamentaram o acontecido. Mas o que o homem lhes disse
foi: "Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá." Passados sete dias o
cavalo voltou trazendo consigo dez lindos cavalos selvagens. Vieram os
amigos para celebrar esta nova riqueza, mas o que ouviram foram as
palavras de sempre: "Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá."
No
dia seguinte o seu filho, sem juízo, montou um cavalo selvagem. O
cavalo corcoveou e o lançou longe. O moço quebrou uma perna. Voltaram os
amigos para lamentar a desgraça. "Se é bom ou se é mau, só o futuro
dirá", o pai repetiu.
Passados
poucos dias vieram os soldados do rei para levar os jovens para a
guerra. Todos os moços tiveram de partir, menos o seu filho de perna
quebrada. Os amigos se alegraram e vieram festejar. O pai viu tudo e só
disse uma coisa: "Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá..."
Assim termina a estória, sem um fim, com reticências...
Ela poderá ser continuada, indefinidamente.
E
ao contá-la é como se contasse a estória de minha vida. Tanto os meus
fracassos quanto as minhas vitórias duraram pouco. Não há nenhuma
vitória profissional ou amorosa que garanta que a vida finalmente se
arranjou e nenhuma derrota que seja uma condenação final.
As
vitórias se desfazem como castelos de areia atingidos pelas ondas, e as
derrotas se transformam em momentos que prenunciam um começo novo.
Enquanto
a morte não nos tocar, pois só ela é definitiva, a sabedoria nos diz
que vivemos sempre à mercê do imprevisível dos acidentes. "Se é bom ou se é mau, só o futuro dirá."
------------
Fonte: http://luzecalor.blogspot.fr/2013/02/07
Nenhum comentário:
Postar um comentário