Marcelo Gleiser*
Como não pensar no que pode estar ocorrendo neste exato momento em outro canto do Universo?
Enquanto no Brasil a folia só cresce em meio ao calor e ao suor
tropical, aqui no norte da Nova Inglaterra (EUA) acabamos de passar por
uma gigantesca tempestade de neve que soterrou carros e plantas sob um
espesso manto branco.
"Coitados", dizem vocês, bebendo cerveja, seminus na praia ou na
avenida, festejando esse hedonismo tão nosso. Ledo engano, digo eu e
diriam muitos aqui se soubessem desse outro mundo que existe ao sul do
Equador. Não sabem mesmo. São mundos paralelos, separados por uma enorme
barreira cultural e outra, maior ainda, geográfica.
A internet vai longe, mas não deixa ninguém tocar na neve. "Coitados"
não, pois a beleza e o jeito de viver adotam várias formas, e supor que
uma é melhor do que outra é, no mínimo, presunção.
As aulas aqui foram canceladas porque os ônibus escolares não conseguem
atravessar as ruas já cobertas de neve. Para as crianças, nada mais
paradisíaco do que passar o dia construindo bonecos de neve com os
amigos da vizinhança e inventando batalhas contra monstros invisíveis.
Depois, é se aconchegar em frente à lareira tomando chocolate quente com
marshmallow. Os risos são os mesmos lá e cá. Qual criança ou adulto não
gosta disso?
E do outro lado da galáxia, o que anda acontecendo? Será que as crianças
estão no baile, fantasiadas de alienígenas? Ou na neve, fazendo
monstros com dois braços, duas pernas e uma cabeça? Imagine que horror,
seres bípedes em vez de rastejantes feito elas. Os monstros de uns são
os ídolos de outros.
São cerca de 200 bilhões de estrelas na Via Láctea, dos quais pelo menos
20% têm planetas girando à sua volta, feito o nosso Sol. Se existem
planetas, existem também luas, provavelmente em número ainda maior.
Pense que só Júpiter tem mais de 60. Imagine a noite por lá, com um
monte de luas no céu.
Quando vemos a diversidade da vida na Terra e a diversidade cultural da
nossa própria espécie, adaptada a climas e situações geográficas tão
diferentes, como não pensar no que pode estar ocorrendo neste momento em
outro canto do Cosmo? Vendo tudo isso aqui, como imaginar que a vida é
rara e, a vida inteligente, mais rara ainda?
O mais razoável é imaginar o oposto, que a vida, tal como ocorre por
aqui, está por toda parte: no fundo do mar, sob quilômetros de gelo, no
alto das montanhas, no ar. Junte-se a isso o fato de as leis da física e
da química serem as mesmas pelo Universo afora e fica difícil achar que
somos exceção e não a regra. No entanto, muito provavelmente, somos,
sim, a exceção.
Ao contrário do que muitos de meus colegas pregam, mais por preconceito
do que por evidência, o Universo não abriga a vida de braços abertos.
Basta olhar para os outros planetas e luas à nossa volta para constatar
que são mundos inóspitos, onde a vida não tem chance.
Se houver alguma forma de vida, quem sabe no subsolo marciano ou nos
oceanos gelados de Europa, será primitiva, longe da sofisticação que
vemos aqui. Se existem outros seres inteligentes na galáxia, nada
sabemos deles. Ficamos nós aqui neste oásis, quente no sul e gelado no
norte, com crianças pulando nos bailes ou na neve, celebrando nossa
raridade. No calor ou no frio, a festa é de todos nós.
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