Por: Milena Ninck
O
título de primeira mulher negra a se tornar juíza no Brasil é apenas um
dos que a magistrada baiana Luislinda Dias de Valois Santos somou ao
longo de sua carreira no Judiciário. Consciente de que é parâmetro de
sucesso para a raça negra, já foi vítima de preconceito quando criança e
no exercício da magistratura, mas afirma que com "simplicidade e
altivez" sempre resolveu essas situações. Confira a entrevista com essa
mulher exemplar e de bela história.
Portal Mais Bahia – Quando
pensamos na senhora, o lado profissional vem à tona com bastante força,
por motivos óbvios e uma história grandiosa. Mas vamos começar pelo
lado pessoal e ainda na infância. Qual o impacto da morte de sua mãe,
aos 15 anos, e ficar com três irmãos e o pai? Assumiu o posto de ‘chefe
feminina’ dessa família? Isso ajudou e/ou prejudicou em que na sua
formação?
Luislinda Valois –
Foi muito difícil quando minha mãe faleceu porque ví-me na obrigação de
juntamente com meu pai dar continuidade ao trabalho implementado por
ela inclusive no que se referia ao padrão de vida da família que já não
era nada bom. Mas enfrentamos tudo com dedicação e o sucesso dos filhos,
em número de quatro, está aí provado e comprovado.
MB
– Pensei muito sobre o que impulsiona tanta personalidade, força de
vontade, busca e luta por um objetivo de vida que parece ter surgido tão
cedo. A religião é essencial em sua vida?
LV – Sou uma eterna lutadora.Levo muito a sério minha missão aqui na Terra. Creio que conto sempre com a força de Deus e dos Orixás.
MB – Antes de cursar Direito, foi eleita Miss-Mulata Bahia. O que motivou a participar da competição? Era vaidosa?
LV – O
estímulo para candidatar-me a aquele certame veio dos colegas do DNER.
Realmente, ainda hoje sou muito vaidosa, mas cuido muito bem do meu
dinheiro porque ganho sempre com o suor do meu rosto e o sofrimento do meu corpo e da minha alma. Gasto meu dinheiro com equilíbrio e parcimonia.
MB
– Agora vamos falar sobre essa história profissional. A senhora passou
em primeiro lugar em um concurso nacional para a Advocacia Geral da
União, foi a primeira mulher negra a ser tornar juíza no Brasil e a
primeira profissional da área a proferir uma sentença contra o racismo
no Brasil. Qual o impacto disso, de todo esse pioneirismo e importância,
na sua vida?
LV –
Não se cuida de pioneirismo. Creio que o Criador e meus Orixás sempre
me direcionaram para atuar no caminho e a favor daqueles que mais
necessitam de carinho, respeito, atenção e cuidados. O impacto é que
percebo que a toda ação que executo, aumenta mais a minha
responsabilidade para com o meu povo sofrido.
MB
– Em 20 de novembro foi celebrado o Dia da Consciência. Impossível não
pensar na senhora como um caso emblemático, mas, pessoalmente, se
considera um símbolo ou um exemplo para o movimento negro?
LV – Depois
da minha luta em busca do meu direito de alçar ao CARGO DE
DESEMBARGADOR, TORNEI-ME UM SÍMBOLO E UM EXEMPLO para todos aqueles que
se vêem ameaçados na busca do seu direito líquido e certo, em virtude de
trazerem no seu REGISTRO DE NASCIMENTO sobrenomes nobres, elitizados e
nobres. A lei é para todos. Diz a Constituição Federal. Na prática o que
se verifica é que existe uma legislação diferente para os PPPs: PRETOS,
POBRES E PERIFÉRICOS.
MB – Tem convicção de que a escolha do Direito foi impulsionada aos 9 anos, quando foi discriminada pelo professor?
LV – Sim,
aquele professor foi o mensageiro de Deus na minha vida. A atitude dele
foi a grande propulsora do meu sucesso profissional.
MB
– Como avalia o fato de que um professor, que tem um papel tão
importante na formação do ser humano, tenha agido dessa forma? O fato é
que seu ‘trauma’ fez com que uma motivação positiva surgisse, mas esse
profissional poderia ter transformado sua vida de uma forma totalmente
negativa....
LV – Relevo
as palavras dele porque naquele momento não era comum criança negra,
pobre estudar e muito menos ser como demonstrei ser. Outro ensinamento
que aprendi com aquela colocação é de que - DEVO AGRADECER A QUEM ME
AJUDA A IR EM BUSCA DOS MEUS DESIDERATOS, MAS DEVO AGRADECER MAIS AINDA A
AQUELES QUE LABORAM CONTRARIAMENTE. Esses são pequenos e necessitam de
preces, rezas e ajudas para que possam melhor a sua alma.
MB
– Enfrentou preconceito no exercício no judiciário por ser mulher,
negra, com cabelo rastafári e usando contas dos Orixás? A demora para
ser nomeada desembargadora foi reflexo desse preconceito?
LV – As
dificuldades para ser promovida ao CARGO DE DESEMBARGADOR foram as mais
variadas possíveis e impossíveis. Inicialmente porque os nossos
TRIBUNAIS PÁTRIOS não têem por tradição negros ocupando cargos de
MINISTROS DE TRIBUNAIS, GOVERNADORES, DESEMBARGADORES, MINISTROS DE
ESTADO, PROMOTORES E PROCURADORES DE JUSTIÇA,etc., valendo dizer que
mesmo no século XXI o que existem SÃO APENAS COTAS ATRAVÉS DAS QUAIS SE
PRETENDEM JUSTIFICAR A INCLUSÃO DO NEGRO NOS 3 PODERES DA REPÚBLICA.
Contudo, vale registrar que sempre laborei com esmero, com competência,
obedecendo aos ditames legais, sempre com pontualidade, com a
assiduidade indispensável ao exercício da magistratura e, mesmo , na
maioria das vezes sem os meios, com produtividade compatível com a minha
responsabilidade de magistrada, o que resultou em premiações diversas,
tanto na BAHIA, QUANTO NO BRASIL E NO EXTERIOR ( inclusive o título de
COMENDADORA e EMBAIXADORA DA PAZ, dentre dezenas de outros), valendo
dizer que em um determinado momento alcei ao PRIMEIRO LUGAR NA
AVALIAÇÃO DE PRODUTIVIDADE e à época da publicação do EDITAL PARA ACESSO
AO CARGO DE DESEMBARGADOR PELO CRITÉRIO DE ANTIGUIDADE EU OCUPAVA O
PRIMEIRO LUGAR NA LISTA DOS MAGISTRADOS MAIS ANTIGOS. Mas tudo passou e
graças ao SANTO CNJ - CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, ao meu JOVEM E
RENOMADO ADVOGADO DR. EPAMINONDAS TOURINHO NETO, AO DR. ANTONIO SBANO,
PRESIDENTE DA ANAMAGES, À IMPRENSA, AO POVO E Á HUMANIDADE, cheguei lá.
MB
– Seu trabalho sempre foi pautado pelo bem da humanidade, busca pela
facilitação do acesso à Justiça, inclusive, criando e desenvolvendo
projetos na Bahia e ganhando prêmios. Nos fale um pouco sobre esse
trabalho e se está realizada...
LV –
É como já disse: estou cumprindo a minha missão e pretendo fazer isso
com espero e respeito a tudo e a todos que existe no Universo.
MB – Qual a importância dos prêmios que recebeu?
LV – Todos
os prêmios, títulos, honrarias, etc., que recebi e ainda recebo não são
somente meus, divido-os com todos os seres humanos inclusive com
aqueles que me olham com olhar diferente porque sou rastafari, negra,
cabelo carapinha e vermelho, candomblecista, etc. etc. Agora -
acrescente-se ai a MINHA ETERNA INDEPENDÊNCIA E HONESTIDADE.
MB – Acredita que o sistema de cotas no ensino superior seja necessário ou discriminatório?
LV –
O sistema de cotas para o momento é indispensável. Ele não poderá e
eternizar-se para não tornar-se esmola. Os PPPs precisam de
oportunidades para demonstrar o seu potencial e não de esmolas. A
propósito depois de defender cotas para o ingresso nas Universidades,
agora estou a defender COTAS PARA OS CONCUEROS PUBLICOS, porque durante
as provas escritas os candidatos não são vistos, mas nas provas orais os
negros já entram com 50% de desvantagem até porque os examinadores
sempre não são negros.
MB
– Li que a senhora disse para quem duvidasse do preconceito existente:
"Quem quiser saber o que é ser negro, fique negro por apenas 24 horas".
Mas acredita que o Brasil esteja menos preconceituoso ou que existe um
caminho para que o preconceito diminua na sociedade?
LV –
O preconceito está ai de forma camuflada. É preconceito de tudo e de
todas as formas. As pessoas precisam ter vontade de mudança. Se não
acontecer esse desejo e o PRECONCEITO E O RACISMO persistirão.
MB – Estudou teatro com foco na desenvoltura para o judiciário ou tinha algum interesse em dramaturgia quando mais jovem?
LV –
O vestibular para teatro foi um momento de euforia, mas meu pai não
concordou e impediu-me de levar o curso adiante. Ele tinha razão, porque
à época, italianos já vinham para o Brasil em busca de jovens que,
envolvidas em ilusões, viam-se convidadas para viajarem para o exterior
para 'PARTICIPAR DE FILMES'. A NOVELA 'SALVE JORGE' retrata exatamente o
que já acontecia naquela época. Eu mesma recebi um desses convites, mas
meu pai disse ao postulante que eu só iria se toda a família fosse
também. Só de uma tia tenha 14 primos. O CINEASTA NUNCA MAIS APARECEU!
MB
– E por falar em dramaturgia, como foi gravar aquele emocionante
depoimento para a novela Viver a Vida, de Manoel Carlos, que só
apresentavas histórias vencedoras e belas? Qual a repercussão?
LV –
Os dois momentos de gravação da NOVELA VIVER A VIDA foram de uma
GRANDIOSIDADE MARCANTE NA MINHA VIDA, somente comparável ao dia 20 DE
JANEIRO, DATA DO MEU NASCIMENTO. Quando recebi o convite gritei: 'VIVA A
IMPRENSA BRASILEIRA. UM PAÍS SÓ É EMINENTEMENTE DEMOCRÁTICO COM UMA
IMPRENSA LIVRE'. Quem anda em conformidade com a lei não tem medo nem
da Imprensa, nem das instituições democráticas, acrescento. Se eu
tivesse poder, faria com que VIVER A VIDA fosse reproduzida na telinha
da GLOBO. SALVE E VIVA DEUS! SALVE E VIVA MANOEL CARLOS E TODO O SEU
MARAVILHOSO ELENCO. Guardo vocês como verdadeiras joias dentro do meu
coração.
MB
– Seu livro ‘O negro no século XXI’, publicado em maio deste ano pela
Juruá Editora, reúne artigos sobre temas variados, todos mediados pela
experiência negra no país pós-escravidão. Pretende continuar no caminho
da literatura?
LV –
A literatura faz parte do meu existir. Ontem mesmo escrevi um artigo
para o meu filho - F - O FILHO DAS MÃES, retratando quantas
Mulheres/Orixás, cuidaram e ainda cuidam dele.
MB – Sua biografia, que está sendo escrita pela jornalista paulista Lina de Albuquerque, será mesmo lançada até o final do ano?
LV – Estou aguardando a decisão da nossa competente jornalista LINA DE ALBUQUERQUE, que aliás, háalgum tempo não tenho contato.
MB – A senhora é um exemplo de luta e já construiu uma história de vida retilínea e linda. Quais sonhos almeja daqui pra frente?
LV – Tenho
planos de continuar servindo ao meu próximo. Como sonhos estou
aguardando que as coisas aconteçam e que o Brasil fique menos corrupto e
menos racista. Tomar um rumo agora, é temerário. Não quero decepcionar
ao meu povo que tanta força me deu no momento que mais precisei.
MB – Muito orgulho do único filho, o promotor de justiça Luis Fausto? E como é ser avó?
LV –
Não é apenas orgulho. Tenho sensação de dever cumprido, porque mesmo
divorciada criei meu filho com as dificuldades óbvias, mas com
disciplina, CORDA CURTA, e eis o homem que está ai. Divido também o
êxito com os COLÉGIOS MILITARES DO EXÉRCITO DA BAHIA E DE CURITIBA, com
meu pai que muito me ajudou e com minha irmã LINA a quem ele também cha
me MÃE. Mas, divido esse orgulho com ele, que colaborou bastante para o
sucesso do hoje HOMEM EXITOSO - LUIS FAUSTO DIAS DE VALOIS SANTOS. Ser
avó é maravilhoso, mas quem deve criar e orientar filhos são os pais,
por isso, não interfiro na vida deles. Não sou avó de achar que netos
sempre estão certos. Talvez seja a avó mais tradicional, mas quando
encontro com meu netos dou-lhes carinhos e afagos.
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Fonte: http://www.maisbahia.com.br/EntrevistaVIP.aspx?id=3107
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