André Fernandes*
Durante os saudosos anos das arcadas da faculdade de Direito do Largo de
São Francisco, li uma obra que, na época, chamou-me muita atenção,
chamada “O Estado Espetáculo”, de Roger-Gérard Schwartzenberg, que
tratava da política no meio do debate sobre o poder do espetáculo no
mundo atual.
Para o autor, cujo livro vale mais pela exaustiva descrição histórica de inúmeros fenômenos midiáticos no campo político do que por sua profundidade teórica, o espetáculo está no poder e o Estado transformou-se numa grande empresa teatral, sempre preocupado em produções espetaculares para atingir o respeitável público eleitor. Em resumo, a política deixou o campo das ideias e resumiu-se à mera encenação de seus principais atores: os políticos profissionais.
Cícero, famoso político romano, se vivo fosse, ficaria intrigado. Seus belos e fundamentados discursos seriam deixados de lado, porque a retórica, hoje, também é “espetacular”: a retórica dos jingles e slogans. E, também, “especular”: reflete o baixo nível de motivação que boa parte do eleitorado exige do político na apresentação de sua plataforma eleitoral. Prefere colocar o cérebro para ficar repetindo o refrão do jingle o dia inteiro ao invés de estimulá-lo a refletir.
Mas o Estado, nessa via de espetacularização, não está mais só. Mário Vargas Llosa, o peruano mais universal que conheço e uma exceção intelectual num continente que justifica seu anacronismo político e econômico às “veias abertas” pelos estrangeiros, vai além e propõe que o fenômeno da espetacularização tomou conta não só do Estado. Assaltou toda a sociedade e transformou-se no principal atributo da civilização nos dias de hoje.
Em “A Civilização do Espetáculo”, nosso laureado escritor olha nossa realidade e afirma que a cultura está deixando de ser vista como uma experiência ética e estética, capaz de fornecer ferramentas para as respostas dos problemas que enfrentamos. Apenas há espaço para a frivolidade e aparência. Em suma, para o espetáculo.
De fato, nossa civilização parece não mais compreender o sentido e o alcance de muitas posturas. Por exemplo, se alguém defende em público o casamento monogâmico, alicerçado em argumentos de razões públicas, o sujeito corre o sério risco de ser rotulado de “fundamentalista”, porque, afinal, a moda atual é seguir à risca, sem pensar muito nas consequências, o estilo de vida poligâmico do tal Mr. Catra, cuja profundidade de algumas das letras de suas músicas faria uma ameba ser reclassificada como um animal racional...
Ou, então, podemos nos fartar de tanto assistir o BBB, onde o espetáculo televisivo desdobra-se em atuações performáticas, relacionamentos “light”, exposição de carne humana, siliconada ou malhada, para todos os gostos e muita conversa “pedagógica” sobre a participação do oponente.
Tudo com um único intuito: ganhar o apelo público com o melhor espetáculo e faturar o milhão de reais. Com o fim do programa e da alienação que carrega consigo, vem o dilúvio: o dilúvio dos problemas do cotidiano que, por terem sido condensados por muito tempo sem uma resposta, ficaram pesados e transformaram-se em tempestade...
Não estamos aqui a ficar enxergando superficialidade em tudo e nos julgarmos como testemunhas de um mundo em plena decadência moral. Nem tampouco pretender romantizar o passado, o imposto que normalmente se paga quando estamos descontentes com o presente que nos rodeia.
Alguns poetas rejeitados por Platão em sua época ou mesmo Shakespeare, tido como um dramaturgo popular no reinado elisabetano, hoje, são capítulos essenciais para quem pretende estudar a cultura ocidental. Quem sabe o legado musical do Mr. Catra entre para os anais da música popular brasileira pelo ineditismo e o BBB vire referencial cênico para o teatro para as próximas gerações...
Não sabemos. Entretanto, por ora, creio que convém buscar a essência — a experiência cultural que conduz à realização de nossa natureza — na aparência que o espetáculo proporciona, até porque a explosão desse fenômeno ao nível civilizacional deve-se, sobretudo, aos mecanismos de difusão midiáticos que nos permitem justamente assisti-los no conforto do lar.
Se a sensibilidade cultural atual anda um pouco enfraquecida, nem por isso devemos desistir daquela busca e afirmar, com um ar de pesar, o fim de nossa era nesse mundo. Nessa metamorfose política e civilizacional, um bom começo para iniciar aquela busca está em revalorizar o espetáculo que realmente merece nosso aplauso, quando bem-feito: o do palco do teatro ou da música, da arena de futebol ou da sala de cinema. Com respeito à divergência, é o que penso.
Para o autor, cujo livro vale mais pela exaustiva descrição histórica de inúmeros fenômenos midiáticos no campo político do que por sua profundidade teórica, o espetáculo está no poder e o Estado transformou-se numa grande empresa teatral, sempre preocupado em produções espetaculares para atingir o respeitável público eleitor. Em resumo, a política deixou o campo das ideias e resumiu-se à mera encenação de seus principais atores: os políticos profissionais.
Cícero, famoso político romano, se vivo fosse, ficaria intrigado. Seus belos e fundamentados discursos seriam deixados de lado, porque a retórica, hoje, também é “espetacular”: a retórica dos jingles e slogans. E, também, “especular”: reflete o baixo nível de motivação que boa parte do eleitorado exige do político na apresentação de sua plataforma eleitoral. Prefere colocar o cérebro para ficar repetindo o refrão do jingle o dia inteiro ao invés de estimulá-lo a refletir.
Mas o Estado, nessa via de espetacularização, não está mais só. Mário Vargas Llosa, o peruano mais universal que conheço e uma exceção intelectual num continente que justifica seu anacronismo político e econômico às “veias abertas” pelos estrangeiros, vai além e propõe que o fenômeno da espetacularização tomou conta não só do Estado. Assaltou toda a sociedade e transformou-se no principal atributo da civilização nos dias de hoje.
Em “A Civilização do Espetáculo”, nosso laureado escritor olha nossa realidade e afirma que a cultura está deixando de ser vista como uma experiência ética e estética, capaz de fornecer ferramentas para as respostas dos problemas que enfrentamos. Apenas há espaço para a frivolidade e aparência. Em suma, para o espetáculo.
De fato, nossa civilização parece não mais compreender o sentido e o alcance de muitas posturas. Por exemplo, se alguém defende em público o casamento monogâmico, alicerçado em argumentos de razões públicas, o sujeito corre o sério risco de ser rotulado de “fundamentalista”, porque, afinal, a moda atual é seguir à risca, sem pensar muito nas consequências, o estilo de vida poligâmico do tal Mr. Catra, cuja profundidade de algumas das letras de suas músicas faria uma ameba ser reclassificada como um animal racional...
Ou, então, podemos nos fartar de tanto assistir o BBB, onde o espetáculo televisivo desdobra-se em atuações performáticas, relacionamentos “light”, exposição de carne humana, siliconada ou malhada, para todos os gostos e muita conversa “pedagógica” sobre a participação do oponente.
Tudo com um único intuito: ganhar o apelo público com o melhor espetáculo e faturar o milhão de reais. Com o fim do programa e da alienação que carrega consigo, vem o dilúvio: o dilúvio dos problemas do cotidiano que, por terem sido condensados por muito tempo sem uma resposta, ficaram pesados e transformaram-se em tempestade...
Não estamos aqui a ficar enxergando superficialidade em tudo e nos julgarmos como testemunhas de um mundo em plena decadência moral. Nem tampouco pretender romantizar o passado, o imposto que normalmente se paga quando estamos descontentes com o presente que nos rodeia.
Alguns poetas rejeitados por Platão em sua época ou mesmo Shakespeare, tido como um dramaturgo popular no reinado elisabetano, hoje, são capítulos essenciais para quem pretende estudar a cultura ocidental. Quem sabe o legado musical do Mr. Catra entre para os anais da música popular brasileira pelo ineditismo e o BBB vire referencial cênico para o teatro para as próximas gerações...
Não sabemos. Entretanto, por ora, creio que convém buscar a essência — a experiência cultural que conduz à realização de nossa natureza — na aparência que o espetáculo proporciona, até porque a explosão desse fenômeno ao nível civilizacional deve-se, sobretudo, aos mecanismos de difusão midiáticos que nos permitem justamente assisti-los no conforto do lar.
Se a sensibilidade cultural atual anda um pouco enfraquecida, nem por isso devemos desistir daquela busca e afirmar, com um ar de pesar, o fim de nossa era nesse mundo. Nessa metamorfose política e civilizacional, um bom começo para iniciar aquela busca está em revalorizar o espetáculo que realmente merece nosso aplauso, quando bem-feito: o do palco do teatro ou da música, da arena de futebol ou da sala de cinema. Com respeito à divergência, é o que penso.
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* Colunista do Correio Popular
Fonte: http://correio.rac.com.br/_conteudo/2013/02/05
Imagem da Internet
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