"Estamos na era do luxo hipermoderno"
Em entrevista a Zero Hora, falou sobre hiperconsumo e hiperindividualização
Autor de O Império do Efêmero, A Era do Vazio e Os Tempos Hipermodernos,
o filósofo francês Gilles Lipovestky é convidado na quarta-feira (27),
em Porto Alegre, do evento The New World of Luxury. Lipovestky falará
sobre como o mercado de luxo passa por uma mundialização.
Terça-feira, antes de chegar à Capital, o professor da Universidade
de Grenoble, na França, falou a Zero Hora sobre os fenômenos atuais da
moda, o hiperconsumo e a hiperindividualização e sobre como essas
tendências se refletem em nossas vidas.
– Antes, os pobres tinham vergonha de ser pobres. Hoje os pobres têm vergonha de não poder viver na moda.
Quarta, ainda na Capital, ele deve visitar o POP Center, o camelódromo, para conhecer seu projeto de inclusão social.
O teórico da hipermodernidade conversou por telefone, do Rio de Janeiro, com ZH. A seguir, confira trechos da entrevista:
Zero Hora – O senhor diz que a moda pode ser
dividida em três momentos, e que o atual se caracteriza pela separação
entre o luxo supremo e a moda. Em que direção caminha a moda agora? Qual
seria a próxima etapa?
Gilles Lipovetsky – Não, porque a fase atual
ainda é muito recente. Estamos na era do que eu chamo de luxo
hipermoderno, marcada pela mundialização do luxo. Cada vez mais as
marcas de luxo investem em lojas no Brasil, na China e na Índia. Antes, o
luxo era para um grupo reduzido, para as pessoas extremamente ricas e
para os europeus e norte-americanos. Agora, se torna mais acessível.
Tenho certeza de que você, de quando em quando, compra, por exemplo, um
perfume Guerlain, Hermès, Jean Paul Gaultier. Mesmo se você não é
extremamente rico, pode fazer essas compras por preços nem tão elevados
uma vez ou outra. E o luxo está se diversificando, não está só na moda.
Está no café, como o Nespresso, nos carros, em sorvetes como
Häagen-Dazs.
ZH – Vivemos num período de incertezas, de medo, de riscos. Isso se reflete no consumo?
Lipovetsky – Sim, porque o consumo permite
esquecer. Se você tem problemas, muitos já não recorrem, como no
passado, às orações. O consumo é uma maneira de se dar prazer. É como se
dissessem: temos muitos problemas, mas temos direito a ter um pouco de
felicidade, de tranquilidade. Se você está com problemas no
relacionamento ou no trabalho, pode fazer uma viagem de final de semana,
ir ao cinema ou escutar música no smartphone. O consumo permite
respirar e se torna terapêutico. É por isso que há uma grande apetite
pelo consumo, porque permite completar, compensar o que você não tem.
Mas atenção: o mais importante é como você se sente em relação a você
mesmo, e não o consumo. É como se fosse um medicamento, que tá dá um
pouco de felicidade num momento de ansiedade.
ZH – Nós caminhamos cada vez mais rumo à hiperindividualização? O que contribui para esse fenômeno?
Lipovetsky – Quase tudo. O mercado, o consumo e o
trabalho, porque você é obrigado a gerir seu próprio trabalho e está em
uma competição permanente para garantir seu lugar. Por outro lado, a
cultura hedonista, de consumo, força as pessoas a quererem estar
felizes, reforçando o hiperindividualismo. Antes, as mulheres eram
controladas e comandadas pela Igreja, pela tradição, pela moral, pela
família. As instituições dirigiam a vida das pessoas, especialmente das
mulheres. Hoje, as mulheres não são obrigadas a se casar, nem ter
filhos, podem viver como quiserem porque as instituições coletivas não
têm mais força. Mas a liberdade gera também muita inquietude. O
hiperindividualismo está na decisão de ter um filho sozinha, fora do
casamento e até sem relação sexual. As novas técnicas de procriação são
um exemplo extremo desse fenômeno. Há mulheres de 60 anos que querem
fazer inseminação porque querem ter um filho, como se quisessem uma
bolsa Gucci.
ZH – No Brasil, o mercado está cada vez mais
atento ao consumidor da classe C, com shoppings voltados a esse público.
Foi noticiado a construção de um centro no Complexo do Alemão, no Rio.
Qual sua impressão sobre isso?
Lipovetsky – Há uma mudança. Antes, as pessoas
pobres queriam sobreviver. Hoje, com TV, internet, os pobres também
querem viver bem, com a moda, com as marcas. Economizam em certos gastos
para comprar coisas mais hedonistas. E os jovens pobres não querem
apenas um calçado. Querem um tênis Nike. Antigamente, os pobres tinham
vergonha de ser pobres. Hoje, os pobres tem vergonha de não poder viver
na moda. O consumo foi integrado ao comportamento de todas as classes
sociais.
ZH – Nós nos tornamos cada vez mais hiperconsumistas?
Lipovetsky – Quase a totalidade das experiências
da vida cotidiana passa pelo mercado, isto é, você deve comprá-las.
Antes, se ia ao mercado para comprar os produtos para uma salada. Hoje,
se compra uma salada pronta. Antigamente, para falar, você ia à igreja e
se confessava com um padre. Hoje, se vai ao psicanalista. Esse fenômeno
não tem freios. É irreversível.
-----------Reportagem por
Laura Schenkel
Fonte: ZH on line, 26/02/2013
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