quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Lipovetsky vem à Capital falar sobre a mundialização do mercado de luxo

Lipovetsky vem à Capital falar sobre a mundialização do mercado de luxo Graziela Gillioli/Divulgação 
 "Estamos na era do luxo hipermoderno"

Em entrevista a Zero Hora, falou sobre hiperconsumo e hiperindividualização

Autor de O Império do Efêmero, A Era do Vazio e Os Tempos Hipermodernos, o filósofo francês Gilles Lipovestky é convidado na quarta-feira (27), em Porto Alegre, do evento The New World of Luxury. Lipovestky falará sobre como o mercado de luxo passa por uma mundialização. 

Terça-feira, antes de chegar à Capital, o professor da Universidade de Grenoble, na França, falou a Zero Hora sobre os fenômenos atuais da moda, o hiperconsumo e a hiperindividualização e sobre como essas tendências se refletem em nossas vidas.
– Antes, os pobres tinham vergonha de ser pobres. Hoje os pobres têm vergonha de não poder viver na moda. 

Quarta, ainda na Capital, ele deve visitar o POP Center, o camelódromo, para conhecer seu projeto de inclusão social. 

O teórico da hipermodernidade conversou por telefone, do Rio de Janeiro, com ZH. A seguir, confira trechos da entrevista: 

Zero Hora –  O senhor diz que a moda pode ser dividida em três momentos, e que o atual se caracteriza pela separação entre o luxo supremo e a moda. Em que direção caminha a moda agora? Qual seria a próxima etapa?
Gilles Lipovetsky – Não, porque a fase atual ainda é muito recente. Estamos na era do que eu chamo de luxo hipermoderno, marcada pela mundialização do luxo. Cada vez mais as marcas de luxo investem em lojas no Brasil, na China e na Índia. Antes, o luxo era para um grupo reduzido, para as pessoas extremamente ricas e para os europeus e norte-americanos. Agora, se torna mais acessível. Tenho certeza de que você, de quando em quando, compra, por exemplo, um perfume Guerlain, Hermès, Jean Paul Gaultier. Mesmo se você não é extremamente rico, pode fazer essas compras por preços nem tão elevados uma vez ou outra. E o luxo está se diversificando, não está só na moda. Está no café, como o Nespresso, nos carros, em sorvetes como Häagen-Dazs. 

ZH – Vivemos num período de incertezas, de medo, de riscos. Isso se reflete no consumo?
Lipovetsky – Sim, porque o consumo permite esquecer. Se você tem problemas, muitos já não recorrem, como no passado, às orações. O consumo é uma maneira de se dar prazer. É como se dissessem: temos muitos problemas, mas temos direito a ter um pouco de felicidade, de tranquilidade. Se você está com problemas no relacionamento ou no trabalho, pode fazer uma viagem de final de semana, ir ao cinema ou escutar música no smartphone. O consumo permite respirar e se torna terapêutico. É por isso que há uma grande apetite pelo consumo, porque permite completar, compensar o que você não tem. Mas atenção: o mais importante é como você se sente em relação a você mesmo, e não o consumo. É como se fosse um medicamento, que tá dá um pouco de felicidade num momento de ansiedade. 

ZH – Nós caminhamos cada vez mais rumo à hiperindividualização? O que contribui para esse fenômeno?
Lipovetsky – Quase tudo. O mercado, o consumo e o trabalho, porque você é obrigado a gerir seu próprio trabalho e está em uma competição permanente para garantir seu lugar. Por outro lado, a cultura hedonista, de consumo, força as pessoas a quererem estar felizes, reforçando o hiperindividualismo. Antes, as mulheres eram controladas e comandadas pela Igreja, pela tradição, pela moral, pela família. As instituições dirigiam a vida das pessoas, especialmente das mulheres. Hoje, as mulheres não são obrigadas a se casar, nem ter filhos, podem viver como quiserem porque as instituições coletivas não têm mais força. Mas a liberdade gera também muita inquietude. O hiperindividualismo está na decisão de ter um filho sozinha, fora do casamento e até sem relação sexual. As novas técnicas de procriação são um exemplo extremo desse fenômeno. Há mulheres de 60 anos que querem fazer inseminação porque querem ter um filho, como se quisessem uma bolsa Gucci. 

ZH – No Brasil, o mercado está cada vez mais atento ao consumidor da classe C, com shoppings voltados a esse público. Foi noticiado a construção de um centro no Complexo do Alemão, no Rio. Qual sua impressão sobre isso?
Lipovetsky – Há uma mudança. Antes, as pessoas pobres queriam sobreviver. Hoje, com TV, internet, os pobres também querem viver bem, com a moda, com as marcas. Economizam em certos gastos para comprar coisas mais hedonistas. E os jovens pobres não querem apenas um calçado. Querem um tênis Nike. Antigamente, os pobres tinham vergonha de ser pobres. Hoje, os pobres tem vergonha de não poder viver na moda. O consumo foi integrado ao comportamento de todas as classes sociais. 

ZH – Nós nos tornamos cada vez mais hiperconsumistas?
Lipovetsky – Quase a totalidade das experiências da vida cotidiana passa pelo mercado, isto é, você deve comprá-las. Antes, se ia ao mercado para comprar os produtos para uma salada. Hoje, se compra uma salada pronta. Antigamente, para falar, você ia à igreja e se confessava com um padre. Hoje, se vai ao psicanalista. Esse fenômeno não tem freios. É irreversível. 
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Reportagem por 
Laura Schenkel
Fonte: ZH on line, 26/02/2013

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