domingo, 3 de fevereiro de 2013

Oração à beira da sepultura

Rubem Alves*

Quando o Horror acontece, as autoridades, por obrigação do o ofício, se põem a multiplicar palavras, fazendo declarações, prometendo investigações rigorosas e punição dos responsáveis. Mas suas promessas são inúteis. Não é possível fazer os mortos voltar das sepulturas.

Relata o livro de Jó que os três amigos que o visitaram por ocasião da sua desgraça “sentaram-se com ele na terra, sete dias e sete noites, e nenhum lhe dizia palavra alguma, pois viam que a dor era muito grande” ( Jó 2.13 ). Eles sabiam que, diante do trágico deve-se calar e chorar.

O Horror pede silêncio. Goethe disse que “poesia é a linguagem do que não pode ser dito”.

Assim, resta-nos não dar ouvidos ao falatório oco das autoridades, e rezar. Assim, rezemos...

“Ó tu, Senhor da eternidade, nós que estamos condenados a morrer 
elevamos nossas almas a ti à procura de forças, 
porque a Morte passou por nós na multidão dos homens e nos tocou, 
e sabemos que em alguma curva do nosso caminho
ela estará nos esperando para nos pegar pela mão e nos levar... 
 não sabemos para onde. 
Nós te louvamos porque para nós ela não é mais uma inimiga,
 e sim um grande anjo teu, o único a poder abrir, 
para alguns de nós, a prisão de dor e do sofrimento e 
nos levar para os espaços imensos de uma nova vida.
Mas nós somos como crianças, com medo do escuro e do desconhecido, 
e tememos deixar esta vida que é tão boa, 
e os nossos amados, que nos são tão queridos. 
Dá-nos um coração valente para que possamos caminhar 
por essa estrada com a cabeça levantada e um sorriso no rosto. 
Que possamos trabalhar alegremente até o fim, 
e amar os nossos queridos com ternura ainda maior, 
porque os dias do amor são curtos. 
Sobre ti lançamos a carga mais pesada que paralisa nossa alma: 
o medo que temos de deixar aqueles que amamos, 
os quais teremos de deixar desabrigados num mundo egoísta. 
Nós te agradecemos porque experimentamos o gosto bom da vida. 
Somos-te gratos por cada hora de nossas vidas, 
por tudo o que nos coube das alegrias e lutas dos nossos irmãos, 
pela sabedoria que ganhamos e será sempre nossa. 
Se nos sentirmos abatidos com a solidão, sustenta-nos com a tua companhia. 
Quando todas as vozes do amor ficarem distantes e se forem, 
teus braços eternos ainda estarão conosco. 
Tu és o Pai dos nossos espíritos. 
De ti viemos e para ti iremos. 
Regozijamo-nos porque, nas horas das nossas visões mais puras, 
quando o pulsar da tua eternidade é sentido forte dentro de nós, 
sabemos que nenhuma agonia da mortalidade 
poderá atingir nossa alma inconquistável e, para aqueles que em ti habitam, a morte é apenas a passagem para a vida eterna. 
Nas tuas mãos entregamos o nosso espírito” 
( Walter Rauschenbusch, Orações por um Mundo Melhor, Paulus).

O profeta e a morte

E pediram ao profeta: Fale-nos sobre a Morte. E ele disse:

 “A coruja, cujos olhos noturnos são cegos durante o dia, não pode revelar o mistério da luz. Se quereis realmente contemplar o espírito da morte, abri bem o vosso coração para a vida. Pois a vida e a morte são um, assim como o rio e o mar são um. Nas profundezas das vossas esperanças e desejos está vosso conhecimento silencioso do além. E como sementes sonhando embaixo da neve, vosso coração sonha com a Primavera.

Confiai em vossos sonhos, pois neles estão escondidas as portas para a eternidade. Pois o que é o morrer além de estar nu ao vento e derreter-se ao sol? E o que é cessar de respirar, senão livrar a respiração de suas incansáveis marés, que se elevam e expandem e buscam a Deus sem obstáculos? Só cantareis de verdade quando beberdes do rio do silêncio. E quando chegardes ao topo da montanha, só então começareis a subir. E quando a terra pedir os vossos membros, só então dançareis
” (Khalil Gibran, O Profeta).
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* Educador. Escritor. Teólogo.
Fonte:  http://correio.rac.com.br/_conteudo/2013/02/colunistas/rubem_alves/arquivos/27859-oracao-a-beira-da-sepultura.html
Imagem da Internet

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