"Certamente muitos fiéis lutam com comportamentos que gostariam
de mudar, mas, em média, os frequentadores regulares de igrejas bebem
menos, fumam menos, usam menos drogas recreativas e são menos
sexualmente promíscuos
do que os outros",
afirma T. M. Luhrmann, professor de antropologia na Universidade de Stanford e autor do livro When God Talks Back: Understanding the American Evangelical Relationship with God
("Quando Deus responde: Entendendo a relação dos evangélicos
norte-americanos com Deus", em tradução livre), em artigo publicado no The New York Times e reproduzido pelo Portal Uol, 28-04-2013.
Eis o artigo.
Uma das descobertas científicas
mais impressionantes sobre religião nos últimos anos é que ir à igreja
uma vez por semana faz bem. Frequentar a igreja – e no mínimo, a
religiosidade – melhora o sistema imunológico e diminui a pressão
arterial. Isso pode acrescentar até dois ou três anos de vida. A razão
para isso não está inteiramente clara.
O apoio social é sem dúvida uma parte da história. Nas igrejas evangélicas
que estudei como antropólogo, as pessoas realmente parecem cuidar umas
das outras. Elas apareciam com o jantar quando os amigos estavam doentes
e se sentavam com eles quando estavam tristes. A ajuda às vezes era
surpreendentemente concreta. Talvez um terço dos membros da igreja
pertencia a pequenos grupos que se encontravam semanalmente para falar
sobre a Bíblia e suas vidas. Uma noite, uma jovem de um
grupo no qual eu tinha entrado começou a chorar. Seu dentista tinha
dito que ela precisava de um procedimento de US$ 1.500, e ela não tinha o
dinheiro. Para meu espanto, nosso pequeno grupo – cuja maioria era de
estudantes – simplesmente cobriu os custos, com doações anônimas. Um
estudo realizado na Carolina do Norte descobriu que fiéis frequentes
tinham redes sociais maiores, com mais contatos, mais afeição e mais
tipos de apoio social do que as pessoas que não frequentavam igrejas. E
nós sabemos que o apoio social está diretamente ligado a uma saúde
melhor.
O comportamento saudável é, sem dúvida, outra parte. Certamente
muitos fiéis lutam com comportamentos que gostariam de mudar, mas, em
média, os frequentadores regulares de igrejas bebem menos, fumam menos,
usar menos drogas recreativas e são menos sexualmente promíscuos do que
os outros.
Isso corresponde às minhas próprias observações. Numa igreja que eu
estudei no sul da Califórnia, a história de conversão mais comum parecia
ser ter encontrado Deus
e nunca mais ter tomado metanfetaminas. (Uma mulher me disse que ao
esquentar sua dose, ela desencadeou uma explosão no apartamento de seu
pai que estourou as portas de vidro. Ela me disse: "Eu sabia que Deus
estava tentando me dizer que eu estava indo pelo caminho errado.") Na
igreja seguinte, lembro-me de ter ido a um grupo que ouvia uma mulher
falar sobre um vício que ela não conseguia largar. Assumi que ela estava
falando sobre sua própria batalha contra a metanfetamina. No fim, ela
achava que lia romances demais.
No entanto, acho que pode haver outro fator. Qualquer religião
demanda que você vivencie o mundo como algo mais do que é apenas
material e observável. Isso não significa que Deus é imaginário, mas
que, como Deus é imaterial, os que creem nele precisam usar sua
imaginação para representar Deus. Para conhecer Deus numa igreja
evangélica, você deve experimentar o que só pode ser imaginado como
real, e você deve experimentar isso como algo bom.
Quero sugerir que esta é uma habilidade e que pode ser aprendida.
Podemos chamá-la de absorção: a capacidade de se envolver em sua
imaginação, de uma maneira que você goste. O que eu vi na igreja como um
observador antropológico foi que as pessoas eram incentivadas a ouvir a
Deus em suas mentes, mas apenas para prestar atenção às experiências
mentais que estavam de acordo com o que elas considerassem ser o caráter
de Deus, que elas consideram bom. Vi que as pessoas eram capazes de
aprender a vivenciar Deus dessa forma, e que aquelas que eram capazes de
vivenciar um Deus amoroso de forma vívida, eram mais saudáveis – pelo
menos, julgando por uma escala psiquiátrica padronizada. Cada vez mais,
outros estudos confirmam esta observação de que a capacidade de imaginar
um Deus amoroso vividamente leva a uma saúde melhor.
Por exemplo, num estudo, quando Deus era experimentado como algo mais
remoto não amoroso, quanto mais alguém rezava, mais sofrimento
psiquiátrico parecia ter; quando Deus era experimentado como próximo e
íntimo, quanto mais alguém orava, menos doente ficava. Em outro estudo,
numa faculdade cristã particular no sul da Califórnia, a qualidade
positiva de um apego a Deus diminuiu significativamente o estresse e fez
isso de forma mais eficaz do que a qualidade das relações da pessoa com
outras pessoas.
Eventualmente, isso pode nos ensinar como aproveitar o efeito
"placebo" – uma palavra terrível, porque sugere uma ausência de
intervenção em vez da presença de um mecanismo de cura que não depende
de produtos farmacêuticos nem de cirurgia. Nós não entendemos o efeito
placebo, mas sabemos que é real. Ou seja, temos cada vez mais provas de
que o que os antropólogos chamariam de "curas simbólicas" têm efeitos
físicos reais sobre o corpo. No cerne de alguns destes efeitos
misteriosos pode estar a capacidade de confiar que aquilo que só pode
ser imaginado seja real, e seja bom.
Mas nem todos se beneficiam da cura simbólica. No início deste mês, o filho mais novo do famoso pastor Rick Warren
se suicidou. Sabemos poucos detalhes, mas a perda nos lembra que sentir
desespero quando você quer sentir o amor de Deus pode piorar a sensação
de alienação. Necessitamos com urgência de mais pesquisas sobre a
relação entre doença mental e religião, não só para que possamos
compreender mais intimamente essa relação – as formas pelas quais elas
estão ligadas e são diferentes –, mas para reduzir a vergonha daqueles
que são religiosos e, no entanto, precisam buscar outros cuidados.
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Fonte: IHU on line, 30/04/2013
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