Mino Carta*
Pergunto aos meus reflexivos botões o que vem a ser o mercado. Ou seria o caso de dizer MERCADO? Segue-se este diálogo.
“Trata-se, ao que tudo indica, de uma entidade sobrenatural,
incontrastável na sua onipotência”, proclamam os inquiridos com certa
ênfase.
“Deus, portanto, não é mesmo?”, apresso-me a anotar.
“Deixemos Deus no lugar que lhe compete, de alguma forma o MERCADO assemelha-se mais aos fados gregos…”
Interrompo. “Donde, agente do destino…”
“Não, não, algo maior e mais exato, de alguma forma o MERCADO é o próprio destino.”
“Quer dizer, o que determina é definitivo e irretorquível. É porque é, digo, filosoficamente…”
“Eis aí, é na condição indiscutível de manifestação do real, não nos
atiraríamos a discutir o fato de que a Terra gira em torno do Sol.”
Pareceu-me entender a razão da diferença entre MERCADO e Deus.
O Altíssimo, embora nem sempre usado para os melhores fins, é o
primeiro motor da religião, na qual se entrelaçam fé e emoção. Já me
referi inúmeras vezes à religião do deus mercado, e agora me arrependo, e
a quem me leu peço perdão. Não se exige fé para acreditar no MERCADO.
Ele existe, na qualidade de suprema verdade factual, igual à vida e à
morte.
O inelutável suscita algum espanto, como as ideias de eternidade e do
infinito propostas a quem é irremediavelmente condicionado por tempo e
espaço. Entendo, porém, que os botões riem. Ouço distintamente o
marulhar de sua peculiar risada, de cachorro maldoso, mostra os dentes,
mas vem do fundo da garganta, e como se o som passasse sobre lixa. Estou
perplexo, o comportamento dos botões contradiz agora tudo o que foi
dito antes.
Encaro-os atônito. No tom de quem chama à ordem o desavisado,
esclarecem: “Ora, ora, o que dissemos é como o mundo encara o mercado, o
mundo cada vez mais crédulo, intelectualmente indigente, negado à
frequentação do espírito crítico. Donde, pronto a engolir o que
interessa às oligarquias financeiras criadas pelo neoliberalismo,
enquanto prejudicam gravemente o resto da humanidade”.
A sociedade, à qual Margaret Thatcher negava existência em benefício
do indivíduo, assiste impávida, ao menos por enquanto, ao esforço dos
países do ex-Primeiro Mundo para combater a crise ao favorecer quem a
provocou. De sorte que as coisas pioram. Na Europa, de 2008 a 2012, 10
milhões de empregos foram perdidos. Um milhão e pouco só na Itália no
ano passado, e ali, no mesmo período, 5 mil empresas morreram. Oitenta
multinacionais, e entre elas o narcotráfico, comandam a economia global e
impõem sua vontade aos governos nacionais.
O mundo, ah, o mundo dá sinais inequívocos de senectude, em
meio a delírios que incluem as ameaças atômicas do ditador
norte-coreano. Incluem também situações aparentemente mais comezinhas e
menos arriscadas. Refiro-me, a escolher uma entre tantas, à reação da
mídia mundial ao falecimento de Margaret Thatcher. Salvo algumas
exceções, fala-se de uma Mary Poppins revolucionária capaz de devolver o
Reino Unido às glórias pregressas. E haja glória. A Dama de Ferro, que
se presumia destinada a uma vida doméstica, ao se instalar no número 10
de Downing Street tornou-se fundadora do neoliberalismo, entrave
aparentemente ineludível dos dias de hoje. Antes de Ronald Reagan, ela
merece a primazia.
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* Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas
Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas
Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S.
Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde. redacao@cartacapital.com.br
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/economia/o-inelutavel-mercado/?autor=42
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