quarta-feira, 17 de abril de 2013

Serial killer: uma face da maldade humana

 Luiz Carlos Illafont Coronel*
 
Estarrece, assusta, impacta qualquer pessoa quando acontecem episódios como o do “matador de taxistas”, porque a razão humana não consegue entender tamanha crueldade e agressividade nem encontrar um sentido, mais ou menos racional, para tais atos criminais. Ao mesmo tempo, logo vem a interrogação: por quê? Não existiam vínculos pessoais, familiares, negociais, até se pensou em tráfico de drogas e outros, sem sucesso. Neste caso e no de tantos outros, nada existe de concreto e capaz de ser motivação ou causa para tanta destrutividade.

Assim como esse tipo de criminalidade não é recente, muito pelo contrário, também é muito antiga a tendência de associá-la com as “doenças mentais”. Pelo menos, desde a antiguidade. Nesta, Aristóteles achava que eles – os crimes violentos – eram devidos “às loucuras” dos homicidas. Nessa linha de pensamento, sabemos por estudos de variadas origens que, em todas as culturas civilizadas e conhecidas, a violência está associada à loucura. Por isto, é tão forte o estigma contra quem sofre alguma forma de transtorno mental e de comportamento, pois são considerados, por definição, “perigosos”. Muita discussão já sucedeu tentando equacionar esta relação do crime com o transtorno mental, e creio que muita ainda acontecerá.

No estudo dessas questões, entre outras, a psiquiatria moderna utiliza algumas noções e conceitos novos, sempre na tentativa de compreender o fenômeno. Esta compreensão constitui base inarredável para qualquer medida racional, seja em que dimensão for – tratamento, punitiva, preventiva. E a primeira dessas noções científicas é de que as pessoas não “são violentas”, elas “se tornam”, em função de vários fatores, chamados, em medicina, de “risco”. Aliás, como dizia, Albert Camus, “não conheço crime que não poderia ter cometido”, evidentemente, dentro de certas circunstâncias. O cotidiano é pródigo em exemplos dessa natureza. Basta acompanhar o noticiário das páginas criminais dos jornais – pacato cidadão mata assassino de sua filha em plena audiência, sogro mata genro na missa, e assim por diante.

Pouco sabemos, mas alguns desses fatores de risco, capazes de transformar um “pacato cidadão” em assassino, já foram identificados. Dentre eles, pela destacada importância social, as drogas que liberam mentes e comportamentos devem ser as primeiras a serem mencionadas. As principais são álcool, cocaína/crack e maconha. Liberam emoções, impulsos e condutas, com bastante frequência, agressivas. Não é por outra razão que os jovens do crack, quando sob o efeito da droga, autodenominam-se “paranoicos, noia, vigiados”. Sentindo-se dessa maneira, facilmente são levados à violência, talvez até como defesa das ameaças, reais e imaginárias. Neste caso, dos taxistas, parece que não havia este componente, embora com toda razão tenha sido aventado pela polícia.

Outro fator de risco são os chamados transtornos antissociais de personalidade. Entre os serial killers, a frequência é elevada desse transtorno. Trata-se daquelas personalidades adoecidas e com alto poder deletério em seu funcionamento, pois são “frias”, incapazes de sentir culpa ou remorso, frequentemente sedutoras e manipuladoras, inteligentes e de relacionamentos instrumentais (as pessoas são usadas conforme suas necessidades e depois descartadas). Pela instabilidade em suas vidas, dificilmente profissionalizam-se e têm sérias alterações em sua afetividade. Muitos criminosos de repetição estão nessa categoria diagnóstica. Infelizmente, pouco sabemos de sua etiologia.

Finalmente, embora a lista de fatores de risco para comportamento violento estenda-se bastante, vamos neste artigo, mencionar, por último, um outro fator que tem sido desprezado pela mídia e pelos que atuam nessa área. Trata-se dos transtornos mentais e de comportamento sem tratamento adequado ou, simplesmente, sem tratamento. O doente tratado tem um risco para violência menor que a população geral. No entanto, essa pessoa, em crise aguda, torna-se quase 10 vezes mais capaz de cometer violências. Portanto, se conseguirmos diminuir os fatores de risco para violência através de um atendimento orientado pelas melhores evidências científicas, seguramente ajudaremos a que a qualidade de vida do cidadão comum seja ampliada e possamos, daqui a algum tempo, termos um Porto, verdadeiramente, menos violento e mais Alegre.
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*Médico psiquiatra, diretor-secretário da Associação Brasileira de Psiquiatria
Fonte: ZH on line, 17/04/2013
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