A "leveza" autêntica é um elevar-se da alma e até mesmo do
corpo para o alto, é um ascender para além do pó rumo a um horizonte
mais límpido e puro.
"Eu tinha 15 anos e, com os meus pais, estava voltando para os Estados Unidos.
Antes do voo, eu estava buscando um livro para acompanhar as longas
horas da viagem para casa. Na banca, cheia de jornais, romances
policiais e românticos, eu encontrei o livro que mudaria a minha vida
definitivamente. O caixa sorriu quando eu lhe apresentei Os Irmãos Karamazov. Não é coisa de alguém de 15 anos, nem para uma leitura distraída em voos intercontinentais...".
Muitos, como eu, escancararam os olhos diante dessa confissão
autobiográfica: um rapaz de 15 anos, além do mais norte-americano, que,
não há um século, mas sim em 1993, faz uma viagem inteira entre a
Inglaterra e os Estados Unidos fascinado por uma obra tão difícil e elevada.
Porém, foi desde então que Jonah Lynch, o rapaz em
questão, iniciou um percurso de "desconstrução e reconstrução" que o
levou não só a encontrar Deus de modo autêntico, mas também a se tornar
sacerdote (atualmente, ele tem 35 anos e é reitor do seminário da Fraternidade de São Carlos, em Roma).
O livro que ele está escrevendo agora, acompanhado por um prefácio atrevido mas partícipe do comediante Paolo Cevoli, é, por um lado, um tipo de releitura pessoal dessa história que começou na banca do aeroporto de Heathrow
e que chegou à meta romano e, por outro lado, é um diálogo com todos
aqueles rapazes que se encontram no ponto de partida ou já se
encaminharam, com resultados duvidosos e talvez negativos, pelo caminho
estreito das perguntas últimas sobre o sentido com relação ao ser e ao
existir.
Lá, naturalmente, o tema da fé se cruza com muitas outras questões
que, nesse livro, são desvendadas, no esforço de impedir qualquer
dicotomia repulsiva sua, evitando, assim, "a tentação de dividir o mundo
em dois: de um lado, o mundo da ciência e da racionalidade, de outro o
mundo da criação e da fé". Por isso, o subtítulo traz esta nota
explicativa: "Improvisação livre sobre Deus, a música, a ciência e o
amor", mas também sobre a dor, sobre a crise, sobre a morte, sobre a
Igreja, sobre Cristo, sempre tocando a própria história pessoal de jovem
perturbado e depois transformado, com a semente das perguntas e com
muitas flores de respostas.
Depois daquele texto capital dostoievskiano, Lynch leu muitas outras coisas e, nas suas páginas, acenam as palavras de Solženicyn e Claudel, de Tolkien e de Hugo, de Eliot e de Esopo, e até mesmo de Heráclito e dos nossos Pirandello e Buzzati. Há também a doce e intensa história do barbeiro Jayber Crow do romance homônimo de Wendell Berry e do seu amor impossível e supremo por Mattie. Há a música, certamente, dos Doors, dos Moody Blues e dos Beatles, mas também Dvorvák com a sua célebre Nona Sinfonia Do Novo Mundo.
Mas tudo isso incrustado de referências, se colore com a experiência
pessoal ou, melhor, uma aventura possível, segundo o autor, desejável
para todos, porque leva a não renunciar a nada, mas a transfigurar tudo,
a "cantar todas as coisas", como diz o título.
E também é justamente intitulado Il Canto della Vita o outro livrinho que colocamos ao lado do de Lynch. Aqui nos deparamos, ao invés, com um velho filósofo, teólogo, psicanalista e poeta brasileiro, o octogenário Rubem A. Alves, o inventor do termo "teologia da libertação", duramente perseguido pelo regime militar que incumbia sobre aquele grande país na década de 1960.
De confissão protestante, Alves celebra nessas
páginas, mesmo que a partir de um ângulo diferente, a alegria de crer.
Ela transpira por todos os poros da pele da sua existência e pode-se
entrevê-la em filigrana em cada linha sua: não é à toa que as citações
são exclusivamente bíblicas, e cada pequeno capítulo termina com uma
oração doce e apaixonante.
Aqui também desfilam os grandes temas do existir, do desejo à
nostalgia, da ausência ao amor, da dor ao sorriso, do corpo à morte e ao
além, mas eles são apresentados de um modo contemplativo por um ancião
sábio que quer ser sobretudo "pastor de esperança". As poucas evocações
pessoais, como a do alecrim do jardim cuja muda foi plantada pelo pai do
poeta, se dissolvem no halo da fé, assim como os sinais concretos da
paisagem brasileira – as mangas, as cerejas tropicais, o vermelho dos
papagaios, os cantos populares, os berimbaus, instrumentos musicais que
acompanham as danças, e assim por diante – se tornam símbolos do divino e
sinais de confiança.
Certamente, não se silencia o ininterrupto sopro de sofrimento que
sobe da terra ao céu, nem se ignora que "os militares possuem bombas
para destruir dez vezes o nosso mundo", mas o apelo é para manter fixo o
olhar no bem da humanidade, na beleza do cosmos, na força da
ressurreição.
E, então, a invocação se torna: "Ajuda-me a exultar em tristeza da
qual nasce a nostalgia pelo reino de Deus e a detestar a tristeza
daqueles que só têm olhos para contemplar a si mesmos. E que nunca falte
aos tristes do teu reino o doce sacramento do sorriso de Deus".
Quisemos, assim, propor desta vez dois textos "leves". Em italiano, também temos o sinônimo, que nasce da mesma etimologia, de leggero:
no entanto, este último também pode remeter a algo frívolo,
superficial, bobo, vão. A "leveza" autêntica, ao invés, é um elevar-se
da alma e até mesmo do corpo para o alto, é um ascender para além do pó
rumo a um horizonte mais límpido e puro.
Os dois livretos que apresentamos são dotados dessa leveza que, no fim, também é leggiadria [graça, beleza, elegância] (termo que tem a mesma raiz de leggero e de lieve). É aquela "sustentável leveza do ser", bem diferente da "insustentável" e atormentada "leveza" do médico Tomáš e da sua amada Tereza do célebre romance de Kundera.
Em tempos tão pesados e materialistas, como os que estamos vivendo, o canto de Lynch e de Alves pode se tornar um antídoto benéfico tanto para os jovens quanto para os adulto
- Jonah Lynch. Egli canta ogni cosa. Turim: Lindau, 128 páginas.
- Rubem A. Alves. Il canto della vita. Bose (Biella): Qiqajon, 102 páginas.
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* A opinião é de Gianfranco Ravasi, cardeal presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 28-04-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 30/04/2013
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