“Ela aproxima-se mais da Terra
agora do que de hábito
e deixa os homens loucos.”
(Otelo, de William Shakespeare)
Ao longo dos séculos, muitos já disseram: “Deve ser noite de lua cheia”,
numa tentativa de explicar acontecimentos estranhos. E até hoje, o nome
da deusa romana da Lua continua sendo familiar: Luna, prefixo da palavra lunático (um dos sinônimos para louco).
O filósofo grego Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) e o historiador
romano Plínio (23 – 79 d.C.), o Velho, sugeriram que o cérebro era o
órgão mais úmido do corpo e, desse modo, mais suscetível às influências
perniciosas da Lua, responsável também pelas marés. A crença no efeito
lunar persistiu na Europa durante a Idade Média: se acreditava que
alguns seres humanos se transformavam em lobisomens ou vampiros durante
madrugadas de lua cheia.
Ainda hoje, muitas pessoas acreditam que os poderes místicos do satélite
da Terra induzem comportamentos erráticos, surtos psicóticos e
suicídios; crêem que, por deflagrar a agressividade, fazem aumentar o
número de homicídios, de acidentes de trânsito, de violência por parte
de torcedores e jogadores profissionais durante as partidas e até de
mordidas de cachorro. Um levantamento realizado nos Estados Unidos
revelou que 45% dos estudantes universitários acreditavam que as pessoas
afetadas pela Lua são propensas a comportamentos estranhos. Outras
pesquisas sugerem que profissionais que trabalham com saúde mental podem
estar mais inclinados do que as pessoas em geral a aceitar essa ideia.
Em 2007, diversos departamentos de polícia do Reino Unido aumentaram o
número de policiais em noites de lua cheia, num esforço para lidar com
índices de criminalidade presumidamente mais altos.
Seguindo Aristóteles e Plínio, o Velho, alguns autores contemporâneos,
como o psiquiatra Arnold Lieber, de Miami, presumiram que os efeitos
comportamentais da Lua cheia ocorreriam por influência lunar na água. O
corpo humano, ao todo, é composto de cerca de 80% de líquido e, deste
modo, a Lua pode agir, de maneira misteriosa, alterando o alinhamento
das moléculas do sistema nervoso central.
Mas, por pelo menos três motivos, essa teoria pode “ir por água
abaixo”.
Primeiro, os efeitos gravitacionais da Lua são muito pequenos para
causar qualquer alteração significativa na atividade cerebral, que dirá,
então, no comportamento. Como notou o astrônomo George Abell, da
Universidade da Califórnia, em Los Angeles, um mosquito pousado em nosso
braço exerce uma força gravitacional mais potente sobre nós do que o
satélite. Em segundo lugar, a força gravitacional da Lua afeta apenas
corpos de água abertos, como oceanos e lagos, mas não fontes contidas,
como o cérebro humano. E, por último, o efeito gravitacional é tão forte
durante a lua nova – quando ela é invisível para nós – quanto durante a
fase cheia (quando se acredita que seu poder místico esteja mais
intenso).
E, ainda, o problema mais grave para os crentes fervorosos no efeito
lunar: não há nenhuma evidência de que ele exista.
O psicólogo James Rotton, da Universidade Internacional da Flórida, o
psicólogo Ivan W. Kelly, da Universidade de Saskatchewan, e o astrônomo
Roger Culver pesquisaram ampla e profundamente a existência de efeitos
comportamentais consistentes causados pela lua cheia. Em todos os casos,
eles saíram de mãos vazias. Esses pesquisadores combinaram resultados
de múltiplas investigações, tratando-os como um único grande estudo –
procedimento estatístico chamado meta-análise – e descobriram que a lua
cheia não tem correlação alguma com eventos hostis, incluindo crimes,
suicídios, problemas psiquiátricos e aumento das chamadas dos serviços
de emergência. No artigo “Muito tumulto por causa da lua cheia”,
publicado no periódico Boletim de Psicologia, Rotton e Kelly, com bom
humor, deram adeus às pesquisas sobre o efeito da lua cheia e concluíram
que não eram necessários estudos mais profundos.
Críticos persistentes, porém, discordam dessa conclusão e apontam
algumas descobertas positivas que surgiram em estudos dispersos. Ainda
assim, um punhado de pesquisas, que parecem apoiar a existência desse
efeito, não se sustenta após uma investigação mais detalhada. Em um
trabalho publicado em 1982, um time de autores relatou que acidentes de
trânsito eram mais freqüentes nos períodos de lua cheia. Mas um erro
fatal estragou essa descoberta: no período estudado, as luas cheias
foram mais comuns em finais de semana, quando pessoas dirigem mais e,
não raro, também se excedem no consumo de álcool. Quando os autores
retomaram a análise dos dados, eliminando esse fator, o “efeito lunar”
desapareceu.
Mas fica uma questão: se a influência da Lua é meramente uma lenda
psicológica e astronômica, por que é tão disseminada? Existem diversas
razões prováveis. A cobertura da mídia, quase certamente, tem papel
importante. Os filmes de Hollywood mostram noites de lua cheia como um
pico de ocorrências assustadoras: esfaqueamentos, tiroteios e
comportamentos psicóticos.
Talvez mais importante: um estudo mostra um fenômeno, que os
pesquisadores Loren e Jean Chapman, da Universidade de
Wisconsin-Madison, chamaram de correlação ilusória: a percepção de uma
associação que, de fato, não existe. Por exemplo, muitas pessoas com
dores nas articulações afirmam que seu incômodo aumenta quando o tempo
está chuvoso, embora pesquisas desmintam essas afirmações. Muito
parecidas com miragens de água vistas em estradas durante os dias
quentes de verão, essa impressão equivocada pode nos enganar e nos fazer
perceber um fenômeno, mesmo na sua ausência. Ela resulta, em parte, da
propensão de nossas mentes para prestar atenção – e lembrar – da
presença de eventos, mais do que de sua falta (é mais comum nos
recordarmos de quando tivemos dor do que de quando não tivemos).
Quando há lua cheia e algo inusitado ocorre, normalmente notamos,
falamos para os outros e relembramos o fato.
Fazemos isso porque tais ocorrências se encaixam em nossas
pré-concepções. Um estudo já mostrou, por exemplo, que, de fato,
enfermeiras psiquiátricas que acreditam no efeito lunar sobre os
pacientes escreveram mais notas acerca do comportamento peculiar dos
internos do que aquelas que não creem. Em contrapartida, quando há lua
cheia e nada estranho ocorre, o “não evento” escapa da memória. Como
resultado da lembrança seletiva, percebemos erroneamente uma vinculação
entre as fases lunares e uma miríade de eventos bizarros.
Ainda, a explicação da correlação ilusória, embora seja uma parte
crucial do quebra-cabeça, não indica como essa noção da lua cheia
começou. Uma ideia intrigante de sua origem chegou até nós por meio de
uma cortesia do psiquiatra C. L. Raison, agora na Universidade de Emory,
e de vários colegas seus. De acordo com o pesquisador, o efeito lunar
pode ter uma pequena semente de verdade, por, algum dia, ter sido
genuíno. Ele supõe que antes do advento moderno da iluminação exterior, a
claridade da lua cheia privava do sono as pessoas que viviam nas ruas –
incluindo doentes mentais. A insônia, frequentemente, funciona como
gatilho para a desorganização psíquica de pessoas com algum distúrbio,
como transtorno bipolar. Sendo assim, a lua cheia pode ter sido ligada,
há muito tempo, aos comportamentos extremados. Segundo Raison, esse
efeito seria uma espécie de “fóssil cultural”. Talvez nunca saibamos se a
engenhosa explicação está correta. Mas, pelo menos no mundo de hoje,
esse efeito parece não ser mais confirmado do que a ideia de que a Lua é
feita de queijo...
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Artigo de Scott O. Lilienfeld e Hal Arkowitz
Artigo de Scott O. Lilienfeld e Hal Arkowitz
Fonte: http://luzecalor.blogspot.fr/
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