segunda-feira, 22 de abril de 2013

Dos chatos

Luis Fernando Versissimo*
 
 
Há chatos e chatos. Há o chato pegajoso, o chato que telefona muito, o chato que cutuca. Há o enochato, que faz questão de que você saiba que ele sabe tudo sobre vinhos, e o ecochato, assim chamado porque se preocupa demais com ecologia ou porque vive se repetindo, como um eco. Há o egochato, cujo único assunto é ele mesmo, e o chato hipocondríaco, uma especialização do egochato, cujo único assunto é sua própria saúde, ou falta dela. Há o chato invasivo, que fala a centímetros do seu nariz, e o chato hiperglota, que não para de falar. Mas também há – embora seja raro – o chato que se flagra, que tem consciência de que é chato e quer se regenerar, e que diz muito “Eu estou sendo chato? Hein? Hein?”, e portanto é o pior chato de todos.

Tem o caso daquele chato com autocrítica que decidiu pedir ajuda, mas não sabia quem procurar. Chatice não se cura com remédios ou com exercícios, muito menos com cirurgia. Não existem clínicas para a recuperação de chatos. O que fazer? Nosso chato resolveu consultar um psicanalista.

– É que eu sou chato, doutor, e sei que sou chato.

– Deve ter alguma coisa a ver com sua mãe.

– Minha mãe? Por que minha mãe?

– É que na psicanálise sempre partimos da hipótese de que, seja o que for, a culpada é a mãe. Facilita o tratamento. Mas me fale da sua infância.

– Bem, na escola meu apelido era “Sarna”. Também me chamavam de “Desmancha Bolinho”, porque, assim que eu chegava num grupo, o grupo se desfazia.

– Sua família também o achava chato?

– Não sei. Mas desconfiei quando, nos meus 18 anos, eles me deram as chaves da casa e em seguida mudaram todas as fechaduras.

– E sua vida amorosa?

– É normal, eu acho. Até me casei, embora minha mulher alegue que meu pedido de casamento a fez dormir e que só saiu do estado comatoso no altar, onde teve que dizer “sim” para não dar vexame. Hoje, vivemos bem, em casas separadas, apesar de eu só poder visitá-la nos dias 29 de fevereiro, se ela não mandar dizer que não está. Tivemos um filho que eu ninava quando era bebê, mas ele fingia que dormia para eu parar. É o efeito que eu tenho nas pessoas, doutor. Ser chato é uma fatalidade biológica ou a chatice é um produto do meio? É possível deixar de ser chato com algum programa de reorientação? É o meu tom de voz que chateia ou o que eu digo? Ou as duas coisas juntas? Hein, doutor? Doutor...? Doutor...? Acorde, doutor!
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* Escritor. Cronista da ZH. Trompetista.
Fonte: ZH on line, 22/04/2013
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