Luiz Antonio de Assis Brasil em seu escritório, em Porto Alegre
Foto:
Adriana Franciosi / Agencia RBS
Escritor, autor de "Figura na Sombra" inaugura série de entrevistas críticas de Zero Hora
Entrevistas com escritores podem, muitas vezes, ser uma
apresentação mais aprofundada do que se pensa sobre a obra dos autores
entrevistados. Quando conduzidas com a intenção de estabelecer um
diálogo crítico de fato,elas têm o potencial de revelar não apenas a
visão de mundo de um artista, mas sua própria visão da literatura – que,
inevitavelmente, acabará plasmada na obra.
Um pouco a partir dessa ideia surgiu a série especial de entrevistas Obra Completa,que
Zero Hora passa a publicar no caderno Cultura. A cada mês, será
apresentada no caderno uma entrevista extensa e incisiva na qual um
autor já consolidado no Estado será convidado a reavaliar seu trabalho,
os temas e linhas de força que atravessam o conjunto de seus textos,
livro a livro. Para a primeira edição do projeto, que deve contar ainda
com nomes como Sergio Faraco, João Gilberto Noll, Charles Kiefer, entre
outros, conversamos com um dos mais prolíficos romancistas do Estado:
Luiz Antonio de Assis Brasil.
Atual secretário estadual de Cultura, ministrante de uma das
oficinas literárias maistradicionais do Estado, Assis Brasil é autor,
desde o início de sua carreira como escritor, com a publicação de Um Quarto de Légua em Quadro,
de 15 romances (um deles em três volumes) e duas coletâneas de
crônicas. Em uma literatura contemporânea na qual a multiciplicidade é a
regra, com autores transitando entre gêneros como conto, novelas e até
mesmo poesia, Assis Brasil é um incontestável adepto do romance – forma à
qual se dedicou integralmente.
Durante a conversa, realizada ao longo de uma manhã na residência
do escritor, na zona sul de Porto Alegre, Assis Brasil, aberto à
proposta da série, respondeu com sinceridade e clareza as perguntas
sobre sua obra pregressa. Fez uma avaliação crítica exigente e por vezes
dura de seus primeiros trabalhos, apresentou os motivos pelos quais
prefere ancorar seus livros no passado do Rio Grande do Sul, confessou
as deficiências que vê, hoje, no escritor mais jovem que já foi outrora.
Também apresentou sua própria ideia da arte como um ideal “sempre
insuficiente”. Confessou até mesmo algumas insatisfações com o último
livro que publicou, Figura na Sombra ,de 2012.
Assis Brasil também revelou para onde sua carreira pode seguir: o
presente. Depois de abdicar do estilo caudaloso pelo qual era conhecido
em nome de uma prosa mais concisa e sóbria, ele contou que está
escrevendo um livro ambientado em 2013. Leia a seguir a entrevista:
Zero Hora – Seu primeiro livro, Um Quarto de Légua em Quadro,
tem como protagonista um médico europeu, Gaspar de Fróis, que vem para o
Novo Mundo e encontra aqui um ambiente selvagem, no qual ele próprio
vai se dissolvendo até seu próprio desaparecimento físico. É uma espécie
de comentário acerca da dissolução da Europa na América?
Luiz Antonio de Assis Brasil – É isso. Me parece que nesse livro, Um Quarto de Légua em Quadro, já há uma espécie de programa literário do qual não me afastei, coisa que eu constatei só depois. Essa questão da oposição entre o que é culto e civilizado e um mundo inculto e não civilizado, pelo menos naquela altura, acabou correspondendo a uma espécie de caminho no qual vim trabalhando até hoje. Tinha também algumas questões de natureza pessoal que estão ali presentes, absolutamente cifradas. Como dizia o Borges: “Tem coisas que estão nos meus livros que só eu sei, quando eu morrer ninguém mais vai saber”.
Luiz Antonio de Assis Brasil – É isso. Me parece que nesse livro, Um Quarto de Légua em Quadro, já há uma espécie de programa literário do qual não me afastei, coisa que eu constatei só depois. Essa questão da oposição entre o que é culto e civilizado e um mundo inculto e não civilizado, pelo menos naquela altura, acabou correspondendo a uma espécie de caminho no qual vim trabalhando até hoje. Tinha também algumas questões de natureza pessoal que estão ali presentes, absolutamente cifradas. Como dizia o Borges: “Tem coisas que estão nos meus livros que só eu sei, quando eu morrer ninguém mais vai saber”.
ZH – O leitor muitas vezes confunde o que pensa e vive o
personagem com as opiniões e a vida do autor. O senhor ambienta seus
romances no passado. É um modo de evitar essa identificação?
Assis Brasil – Pode ser. De modo inconsciente, pode ser. O que eu sei de maneira, digamos, consciente é que o passado me dá maior liberdade ficcional. Há mais possibilidade de invenção.Eu penso assim: o passado está,na verdade, apenas distante de nós. Mas ele é trazido ao presente. É um pouco a reflexão do Umberto Eco: os historiadores trabalham com fantasmas. Ao passo que o ficcionista trabalha com personagens de hoje, ainda que possam estar situados no passado. Mas, ao lado disso, concordo, há uma espécie de disfarce de uma situação.
Assis Brasil – Pode ser. De modo inconsciente, pode ser. O que eu sei de maneira, digamos, consciente é que o passado me dá maior liberdade ficcional. Há mais possibilidade de invenção.Eu penso assim: o passado está,na verdade, apenas distante de nós. Mas ele é trazido ao presente. É um pouco a reflexão do Umberto Eco: os historiadores trabalham com fantasmas. Ao passo que o ficcionista trabalha com personagens de hoje, ainda que possam estar situados no passado. Mas, ao lado disso, concordo, há uma espécie de disfarce de uma situação.
ZH – Flora Süssekind tem um livro intitulado O Brasil Não é Longe Daqui,
no qual relaciona o surgimento da literatura de ficção no Brasil aos
relatos de viajantes do século 19. É um tipo de intuição semelhante que o
leva a estruturar tantos de seus romances, como Um Quarto de Légua em Quadro, Breviário das Terras do Brasil, A Margem Imóvel do Rio, Figura na Sombra, pelo ponto de vista de viajantes do passado?
Assis Brasil – Sim, sem dúvida. Mas está presente aí também a ideia de atualizar esse passado. Porque à medida que o viajante vê esse passado e não traz, na ficção, uma perspectiva do século 18 ou 19, pode dar uma visão de hoje para esse passado.As minhas personagens não se comportam como gente daqueles séculos. Isso só a ficção pode fazer. São pessoas que têm um sentir do mundo ligado à contemporaneidade. Se perguntarem: “é seu alter ego?”, respondo: “É sim.”. É a minha ideia daquele fato, daquilo que está sendo contado. É algo que é trazido para o presente e é discutido com os critérios de hoje. Talvez essa seja a minha questão principal.
Assis Brasil – Sim, sem dúvida. Mas está presente aí também a ideia de atualizar esse passado. Porque à medida que o viajante vê esse passado e não traz, na ficção, uma perspectiva do século 18 ou 19, pode dar uma visão de hoje para esse passado.As minhas personagens não se comportam como gente daqueles séculos. Isso só a ficção pode fazer. São pessoas que têm um sentir do mundo ligado à contemporaneidade. Se perguntarem: “é seu alter ego?”, respondo: “É sim.”. É a minha ideia daquele fato, daquilo que está sendo contado. É algo que é trazido para o presente e é discutido com os critérios de hoje. Talvez essa seja a minha questão principal.
ZH – Um dos grandes debates contemporâneos sobre a escrita do
romance histórico está no direito de apropriação da biografia alheia
usando uma forma totalizante. No seu caso, que escreve romances
ambientados em outros períodos históricos, como se dá esse
questionamento da forma, é nessa adoção de um olhar contemporâneo em uma
história de outro século?
Assis Brasil – Exatamente. Esse personagem com mentalidade de hoje tem condições de organizar o que está vendo em uma perspectiva meio desconfiada, meio cética, meio cínica, que é típica do período em que estamos vivendo. Acho uma pena que por vezes as pessoas não descobrem isso, ficam pensando: este é um romance histórico. Na verdade eu estou discutindo o próprio romance histórico. Essa cabeça organizadora obedece a critérios nossos, contemporâneos.
Assis Brasil – Exatamente. Esse personagem com mentalidade de hoje tem condições de organizar o que está vendo em uma perspectiva meio desconfiada, meio cética, meio cínica, que é típica do período em que estamos vivendo. Acho uma pena que por vezes as pessoas não descobrem isso, ficam pensando: este é um romance histórico. Na verdade eu estou discutindo o próprio romance histórico. Essa cabeça organizadora obedece a critérios nossos, contemporâneos.
ZH – Em As Virtudes da Casa, o senhor pega o mito
grego de Agamêmnon e o transplanta para o pampa. Foi uma tentativa de
lidar com a reivindicação épica que muitos fazem ao passado
rio-grandense?
Assis Brasil – Sim. Esse passado épico é uma construção intelectual. Pronto. É assim que é. O passado épico existe na medida em que alguém diz que ele é. E há todo um discurso – que não é apenas histórico nem literário, mas cultural em um sentido mais amplo – de construção desse passado. E eu faço uma espécie de jogo com essa história consolidada de um passado épico. Eu acho que esse passado não existe, ele é uma construção. Então eu vou em busca dessa construção e a discuto, na medida em que os personagens não são heroicos.
Assis Brasil – Sim. Esse passado épico é uma construção intelectual. Pronto. É assim que é. O passado épico existe na medida em que alguém diz que ele é. E há todo um discurso – que não é apenas histórico nem literário, mas cultural em um sentido mais amplo – de construção desse passado. E eu faço uma espécie de jogo com essa história consolidada de um passado épico. Eu acho que esse passado não existe, ele é uma construção. Então eu vou em busca dessa construção e a discuto, na medida em que os personagens não são heroicos.
ZH – O senhor falou do passado do Estado. A Prole do Corvo
provavelmente é um dos romances mais iconoclastas já escritos sobre a
Revolução Farroupilha, também um mito fundador da “gauchidade”. Mas é um
livro que não vem sendo reeditado. Por quê? Há algo nele que o
desagrada?
Assis Brasil – Isso acontece com todos os primeiros livros, de qualquer autor. Eles desagradam. Talvez seja isso. Acho que é um grande tema. Eu gostaria de ter tido na época a maturidade existencial, digamos, e literária que eu tenho hoje. Ele tem problemas de estrutura, de linguagem, uma série de defeitos. É claro que, se eu não escrevesse esses livros,não teria escrito Figura na Sombra.
Assis Brasil – Isso acontece com todos os primeiros livros, de qualquer autor. Eles desagradam. Talvez seja isso. Acho que é um grande tema. Eu gostaria de ter tido na época a maturidade existencial, digamos, e literária que eu tenho hoje. Ele tem problemas de estrutura, de linguagem, uma série de defeitos. É claro que, se eu não escrevesse esses livros,não teria escrito Figura na Sombra.
ZH – Em A Prole do Corvo há uma insinuação de
incesto entre o protagonista, Filhinho, e sua irmã. A resolução dessa
linha da história também o desagrada?
Assis Brasil – Sim, isso não me agradou. Eu poderia ter feito um tratamento melhor, mas era o que eu podia fazer na época.
Assis Brasil – Sim, isso não me agradou. Eu poderia ter feito um tratamento melhor, mas era o que eu podia fazer na época.
ZH – Seria um tratamento mais radical?
Assis Brasil – Creio que sim, com uma espécie de radicalidade que eu assumi em outros livros posteriores, como Bacia das Almas, e que eu depois abandonei. Então há uma linha de radicalidade na minha obra que eu passei a abreviar ou simplificar.
Assis Brasil – Creio que sim, com uma espécie de radicalidade que eu assumi em outros livros posteriores, como Bacia das Almas, e que eu depois abandonei. Então há uma linha de radicalidade na minha obra que eu passei a abreviar ou simplificar.
ZH – O senhor falou de A Bacia das Almas. É um livro
que começa como um romance realista e depois ele parece
gradativamente“enlouquecer”, torna-se um delírio alegórico, místico.Por
que essa fratura?
Assis Brasil – Acho que esse é um problema do livro. Hoje eu não o teria feito assim. Por quê? Porque esse livro é construído todo dentro de uma perspectiva realista, e assim ele deveria ter se mantido. Ali eu era um escritor ainda em busca de caminhos. Hoje,eu não o teria feito desse modo.
Assis Brasil – Acho que esse é um problema do livro. Hoje eu não o teria feito assim. Por quê? Porque esse livro é construído todo dentro de uma perspectiva realista, e assim ele deveria ter se mantido. Ali eu era um escritor ainda em busca de caminhos. Hoje,eu não o teria feito desse modo.
ZH – Manhã Transfigurada é a história de um
triângulo amoroso, e o vértice, e foco da narrativa, é a personagem
feminina, Camila. E me parece que é só ao assumir essa perspectiva
feminina que o senhor se permite ousar mais no erotismo. O senhor
concorda?
Assis Brasil – Concordo inteiramente. Isso correspondeu um pouco àquele radicalismo que faltava n’A Prole do Corvo,de que eu falava, que eu abordei e depois abandonei. Haja vista que nos últimos romances os personagens centrais são homens. Eu até tentei retomar essa coisa,mas não consegui.
Assis Brasil – Concordo inteiramente. Isso correspondeu um pouco àquele radicalismo que faltava n’A Prole do Corvo,de que eu falava, que eu abordei e depois abandonei. Haja vista que nos últimos romances os personagens centrais são homens. Eu até tentei retomar essa coisa,mas não consegui.
ZH – Cães da Província, seu romance sobre
Qorpo-Santo, foi apresentado como tese de doutorado. O senhor pretendia
discutir nesse romance a própria obra de Qorpo-Santo ou o alheamento do
indivíduo?
Assis Brasil – Em Cães da Província eu queria discutir os limites do intelectual perante o meio, e o que ele pode fazer a respeito. E junto a isso está a ideia de o quanto uma sociedade pode ser coletivamente repressora – o que acaba levando a uma discussão maior, que é a própria situação do indivíduo socialmente considerado, os limites da normalidade, da anormalidade. E, sem dúvida, a questão principal era o Qorpo-Santo. O caso dos crimes da rua do Arvoredo está no livro para conversar um pouco com a história da alienação do Qorpo-Santo. Os crimes são uma espécie de delírio coletivo, que correspondem ao delírio pessoal do Qorpo-Santo.
Assis Brasil – Em Cães da Província eu queria discutir os limites do intelectual perante o meio, e o que ele pode fazer a respeito. E junto a isso está a ideia de o quanto uma sociedade pode ser coletivamente repressora – o que acaba levando a uma discussão maior, que é a própria situação do indivíduo socialmente considerado, os limites da normalidade, da anormalidade. E, sem dúvida, a questão principal era o Qorpo-Santo. O caso dos crimes da rua do Arvoredo está no livro para conversar um pouco com a história da alienação do Qorpo-Santo. Os crimes são uma espécie de delírio coletivo, que correspondem ao delírio pessoal do Qorpo-Santo.
ZH – Um Castelo no Pampa é seu trabalho mais
extenso. Três livros, mil páginas, se somadas. Dado que hoje o senhor
adotou até mesmo um novo estilo, mais sintético e sucinto, como o senhor
vê essa longa narração de linguagem tão suntuosa?
Assis Brasil – Na verdade é um romance só. Saiu como trilogia por questões editoriais, um único volume seria impraticável. Creio que essa coisa caudalosa que está presente no Castelo no Pampa corresponde a uma certa onda estilística que estávamos vivendo naquele período. Tínhamos aqueles romances longos de García Márquez, do Vargas Llosa daquele período, do Antônio Callado, do Autran Dourado, no Brasil. Foi um momento de grande derrame estilístico, de uma expressão linguística tortuosa,até certo ponto barroca e tal. E depois, claro, eu me dei conta que aquilo era demais, poderia ter dito o mesmo com muito menos. A sensação é que é demasiado. E aí acontece o seguinte: são os livros que os meus 20 leitores mais gostam,e às vezes me dizem cruamente isso. Aí eu digo: “Obrigado pela sinceridade, mas eu não vou mudar”. Eu não tenho mais como retomar aquela perspectiva estilística. O fato é que eu gosto, e isso me deixa muito bem, de escrever nesta forma mais seca. Na qual nós temos predecessores muito importantes no Brasil. Graciliano já fazia isso no século 20.
Assis Brasil – Na verdade é um romance só. Saiu como trilogia por questões editoriais, um único volume seria impraticável. Creio que essa coisa caudalosa que está presente no Castelo no Pampa corresponde a uma certa onda estilística que estávamos vivendo naquele período. Tínhamos aqueles romances longos de García Márquez, do Vargas Llosa daquele período, do Antônio Callado, do Autran Dourado, no Brasil. Foi um momento de grande derrame estilístico, de uma expressão linguística tortuosa,até certo ponto barroca e tal. E depois, claro, eu me dei conta que aquilo era demais, poderia ter dito o mesmo com muito menos. A sensação é que é demasiado. E aí acontece o seguinte: são os livros que os meus 20 leitores mais gostam,e às vezes me dizem cruamente isso. Aí eu digo: “Obrigado pela sinceridade, mas eu não vou mudar”. Eu não tenho mais como retomar aquela perspectiva estilística. O fato é que eu gosto, e isso me deixa muito bem, de escrever nesta forma mais seca. Na qual nós temos predecessores muito importantes no Brasil. Graciliano já fazia isso no século 20.
ZH – Em Videiras de Cristal o senhor retoma um mote
que Josué Guimarães planejava para sua série de romances sobre a
imigração alemã: a revolta dos Muckers. E quando o senhor escreve sobre o
episódio o senhor utiliza uma linguagem muito mais direta e aproximada
com a do jornalismo do que em seus livros anteriores. Houve aí um
sentido de homenagem a Josué,que tinha atuação como jornalista?
Assis Brasil – Claro que houve.Alguns até discutem se é um romance ou se é uma reportagem ao estilo do que era o Novo Jornalismo. Eu próprio tenho dúvidas. Acho que
há algumas personagens que são ficcionais, mas as outras estão muito coladas a uma certa realidade. O Videiras... era o que o Josué ia escrever, não pôde, e por isso eu dedico o livro a ele,e era um jornalista... Talvez por aí esteja um pouco a compreensão dessa questão. Eu até hesitei, no início. Quando comecei a escrever coloquei o subtítulo: uma reportagem sobre os Muckers. Depois apaguei, deixei para o leitor decidir.
Assis Brasil – Claro que houve.Alguns até discutem se é um romance ou se é uma reportagem ao estilo do que era o Novo Jornalismo. Eu próprio tenho dúvidas. Acho que
há algumas personagens que são ficcionais, mas as outras estão muito coladas a uma certa realidade. O Videiras... era o que o Josué ia escrever, não pôde, e por isso eu dedico o livro a ele,e era um jornalista... Talvez por aí esteja um pouco a compreensão dessa questão. Eu até hesitei, no início. Quando comecei a escrever coloquei o subtítulo: uma reportagem sobre os Muckers. Depois apaguei, deixei para o leitor decidir.
ZH – No início dos anos 2000, o senhor muda radicalmente seu
estilo, como se “começasse do zero”, como o senhor mencionou em
entrevistas. Mas, ao mesmo tempo, O Pintor de Retratos volta ao
tema de um viajante estrangeiro chegando ao Rio Grande, algo que estava
em seu primeiro romance.Apegar-se a esse tema foi uma forma de se
sentir um pouco mais seguro?
Assis Brasil – Foi exatamente isso. Eu tinha meus temas, minhas obsessões literárias, todos têm, o seu mito pessoal, digamos assim, e o que houve foi uma alteração no plano formal, no plano estilístico, porque os temas estão todos por ali: a oposição entre o velho e o novo mundo, entre civilização e barbárie, etc. Eu comecei a escrever O Pintor de Retratos no meu estilo de sempre e fiquei muito insatisfeito, achei que estava me repetindo.Até que um dia, pegando a Canção de Rolando, me dei conta de como era possível um autor da Idade Média, no primeiro capítulo, dar um panorama em 15 linhas de toda a situação que ele vai tratar na canção. Acho que esse livro foi fundamental para a minha mudança estilística. E depois outros,como a Bíblia. Foi uma mudança muito radical. Essa ideia de que o texto deve também corresponder ao que está sendo dito, embora seja outra discussão, estava presente quando eu comecei. Eu tinha de dar uma abertura que indicasse ao leitor: “Olha, você está lendo outra coisa, agora as coisas mudaram”. O curioso é que o que vende são meus romances de períodos anteriores, especialmente Concerto Campestre. Mas comecei a ganhar prêmios literários, mais reconhecimento crítico, depois de O Pintor de Retratos. Isso não é problema, é uma mera circunstância. Já pensei, mas não penso mais sobre quantos vão ler meus livros. Hoje, estou mais preocupado que aquele livro corresponda ao que eu quero dizer.
Assis Brasil – Foi exatamente isso. Eu tinha meus temas, minhas obsessões literárias, todos têm, o seu mito pessoal, digamos assim, e o que houve foi uma alteração no plano formal, no plano estilístico, porque os temas estão todos por ali: a oposição entre o velho e o novo mundo, entre civilização e barbárie, etc. Eu comecei a escrever O Pintor de Retratos no meu estilo de sempre e fiquei muito insatisfeito, achei que estava me repetindo.Até que um dia, pegando a Canção de Rolando, me dei conta de como era possível um autor da Idade Média, no primeiro capítulo, dar um panorama em 15 linhas de toda a situação que ele vai tratar na canção. Acho que esse livro foi fundamental para a minha mudança estilística. E depois outros,como a Bíblia. Foi uma mudança muito radical. Essa ideia de que o texto deve também corresponder ao que está sendo dito, embora seja outra discussão, estava presente quando eu comecei. Eu tinha de dar uma abertura que indicasse ao leitor: “Olha, você está lendo outra coisa, agora as coisas mudaram”. O curioso é que o que vende são meus romances de períodos anteriores, especialmente Concerto Campestre. Mas comecei a ganhar prêmios literários, mais reconhecimento crítico, depois de O Pintor de Retratos. Isso não é problema, é uma mera circunstância. Já pensei, mas não penso mais sobre quantos vão ler meus livros. Hoje, estou mais preocupado que aquele livro corresponda ao que eu quero dizer.
ZH – À medida que sua obra evoluía, O Homem Amoroso
foi se tornando ainda mais peculiar. Ele narra uma história no presente
em que foi escrita, retoma diretamente elementos de sua biografia. Qual
foi o impulso que o levou a escrever aquele livro? E por que não voltou?
Assis Brasil – Não sei dizer. A minha experiência na orquestra sinfônica sempre esteve circulando na minha cabeça, mas eu acho que estava pensando que precisava ser fiel a mim mesmo, à minha obra e tratar só coisas do passado. E isso realmente era uma tolice. Aí fiz o livro, ele saiu, e sua recepção foi e segue sendo muito discreta com relação aos outros livros. E o curioso é que agora eu retomei essa ideia no livro que estou escrevendo neste momento. É uma história que se passa em 2013. Eu comecei a escrever, tenho um capítulo pronto, até agora.
Assis Brasil – Não sei dizer. A minha experiência na orquestra sinfônica sempre esteve circulando na minha cabeça, mas eu acho que estava pensando que precisava ser fiel a mim mesmo, à minha obra e tratar só coisas do passado. E isso realmente era uma tolice. Aí fiz o livro, ele saiu, e sua recepção foi e segue sendo muito discreta com relação aos outros livros. E o curioso é que agora eu retomei essa ideia no livro que estou escrevendo neste momento. É uma história que se passa em 2013. Eu comecei a escrever, tenho um capítulo pronto, até agora.
ZH – Suas narrativas, quando protagonizadas por artistas, os
mostram como pessoas que não encontram redenção na arte. É alguma
espécie de visão sua da arte, da insegurança natural do artista?
Assis Brasil – Perfeitamente. A questão toda da arte é que ela é insuficiente. Sempre foi. Não por nada um escritor publica um livro, depois publica outro, depois publica mais um. No fundo, ele quer escrever aquilo que seja o grande romance. Toda arte é insuficiente. A multiplicidade de uma produção artística, seja de que natureza for, é uma tentativa de superar essa impossibilidade da arte. A palavra é muito precária, é muito pobre, não consegue dizer tudo. É aquela questão de a pessoa dizer: está bom, mas não era o que eu queria ter feito. Eu mesmo, nesta entrevista, falando sobre meus primeiros livros, estou dizendo isso. E quando terminei meu último, Figura na Sombra, eu sabia que não era o livro que eu queria ter escrito. Acho que ele tem problemas.
Assis Brasil – Perfeitamente. A questão toda da arte é que ela é insuficiente. Sempre foi. Não por nada um escritor publica um livro, depois publica outro, depois publica mais um. No fundo, ele quer escrever aquilo que seja o grande romance. Toda arte é insuficiente. A multiplicidade de uma produção artística, seja de que natureza for, é uma tentativa de superar essa impossibilidade da arte. A palavra é muito precária, é muito pobre, não consegue dizer tudo. É aquela questão de a pessoa dizer: está bom, mas não era o que eu queria ter feito. Eu mesmo, nesta entrevista, falando sobre meus primeiros livros, estou dizendo isso. E quando terminei meu último, Figura na Sombra, eu sabia que não era o livro que eu queria ter escrito. Acho que ele tem problemas.
ZH – Quais problemas?
Assis Brasil – Uma certa assimetria de dedicação textual quanto ao conteúdo. A primeira parte, da narrativa da viagem do Humboldt e do Bonpland, ocupa um espaço muito grande na história. São coisas que não percebi ao entregar para a editora, mas fui me dando conta depois.
----------Assis Brasil – Uma certa assimetria de dedicação textual quanto ao conteúdo. A primeira parte, da narrativa da viagem do Humboldt e do Bonpland, ocupa um espaço muito grande na história. São coisas que não percebi ao entregar para a editora, mas fui me dando conta depois.
Reportagem por Carlos André Moreira
Fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-lazer/segundo-caderno/noticia/2013/04/luiz-antonio-de-assis-brasil-fala-sobre-os-temas-de-seus-livros-4111870.html
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