sábado, 20 de abril de 2013

Kiko e a política da celebridade

ENTREVISTA - GUNTER AXT HISTORIADOR


 Gunter Axt, historiador, professor Unilasalle/Canoas
Tinha que ser o Chaves! Ou melhor, desta vez foi o Kiko. O ator mexicano Carlos Villagrán, de passagem por Porto Alegre esta semana para uma série de apresentações, recebeu da Prefeitura o convite para ser um embaixador da Capital para a Copa do Mundo 2014. Nas redes sociais, a escolha provocou críticas e piadas por mais de um motivo: pelo aparente caráter arbitrário da escolha, pela falta de identificação de Villagrán com a cidade, pela própria personalidade manhosa e pedante de Kiko, personagem que tornou Villagrán célebre. Cultura ouviu sobre a polêmica o historiador Gunter Axt, autor do estudo Gênese do Estado Moderno no Rio Grande do Sul, 1889 – 1929 (Paiol, 2011) e professor do Centro Universitário La Salle/Canoas (Unilasalle):

Zero Hora – O episódio de Kiko provocou polêmica, mas não é a primeira vez que celebridades são escolhidas como representantes de eventos e atividades que também têm caráter político. A necessidade de associar um “rosto” célebre é uma tentativa de angariar simpatizantes para um evento que vem sendo alvo de contínuas críticas?

Gunter Axt – Independentemente das críticas, ou das manifestações de apoio, eventos de massa – sejam culturais, esportivos ou religiosos – compreendem, dentre os elementos que compõem a sua lógica funcional, um culto e um apelo às celebridades. Justamente pela capacidade delas de auxiliar na mobilização de multidões. Isso vale para eventos de massa promovidos por entes públicos ou privados, ou ambos. Mas polêmicas podem de fato surgir nesse âmbito quando uma celebridade qualquer tem sua imagem fortemente vinculada a algum aspecto que possa estar em descompasso com o que as pessoas tendem a imaginar sobre o evento. Um exemplo disso se deu no carnaval de 2010, quando um precipitado prefeito do Rio de Janeiro, embevecido com a presença da diva, convidou Madonna para abrir os Jogos Olímpicos no Brasil. Aqui o convite gerou polêmica pelo que a celebridade não representa. A abertura dos Jogos Olímpicos é tradicionalmente um momento de projeção da cultura do país sede para o mundo. Com tantos intérpretes e compositores de altíssima qualidade no Brasil, por que convidar uma superestrela estrangeira que nunca teve nada a ver com a nossa música?

ZH – Debord comentava, em A Sociedade do Espetáculo, que o capitalismo contemporâneo seguia a lógica da cultura da celebridade. Ter um personagem popular de TV como “representante da cidade” segue tal lógica?

Axt – Sim, a sociedade do espetáculo se estriba também nessa lógica do apelo à celebridade. Do mesmo jeito que artistas em evidência são convidados para figurar em festas – veja, por exemplo, Sharon Stone e Kate Moss, na festa de Dinho Diniz na semana passada em São Paulo –, associa-se a imagem de artistas a eventos esportivos. Guy Debord falava nessa banalização da cultura na sociedade ultramoderna. Além disso, sublinhava que a hegemonia econômica das sociedades detentoras do espetáculo tende a se afirmar sobre regiões subdesenvolvidas, o que explica que, estas, atribuam tanto valor a certas celebridades estrangeiras. Mas isso é fundamentalmente uma questão de atitude. Se nós vestirmos a identidade da mente hegemônica, convidaremos Madonna para abrir os jogos Olímpicos no Brasil. Se tivermos dignidade identitária, dialogaremos com o mundo em pé de igualdade, com aquilo que temos a oferecer, convidando, por exemplo, Gilberto Gil, Maria Gadú, Daniela Mercury, enfim.
 
Kiko

ZH – Algumas críticas em redes sociais levantam a objeção de que, no universo do Chaves, Kiko era a caricatura de alguns dos piores aspectos de uma infância mimada. Que representação a cidade pode estar passando, mesmo que inadvertidamente, com essa escolha?

Axt – Pessoalmente, acho o seriado do Chaves cult. O personagem do Kiko é tragicômico e me diverte. Não assisti a outros trabalhos de Carlos Villagrán. Penso, contudo, que a imagem dele está fortemente ligada ao Kiko, assim como a de Madonna não tem relação alguma com a cultura brasileira. Portanto, a primeira questão que tal convite suscita é em torno dos critérios para convidar tais representantes. O que Villagrán/Kiko agrega(m) à imagem da cidade? O que podem fazer em favor da cidade? Quem mais será convidado? Madonna, Lady Gaga, Tiririca? Dá a impressão de que o cara estava se apresentando em Porto Alegre, alguém foi assisti-lo e aproveitou para convidá-lo. Será que farão o mesmo com o Nobel de literatura JM Coetzee, que esteve no Salão de Atos da UFRGS?

ZH – Ao mesmo tempo, Carlos Villagrán foi um entre outros representantes da Copa escolhidos pela cidade. Por que tal escolha rendeu polêmica?

Axt – Pois é, com tanta coisa para debater, né? Mas isso é a cara da pós-modernidade. As pessoas identificam-se cada vez menos com a lógica de racionalidade do espaço público e cada vez mais com identidades subjetivas, afetivas e fugazes. As causas que mobilizam as pessoas são menos institucionais, menos voltadas para utopias de futuro, e mais focadas no bem-estar presente. E a bobagem movimenta multidões. Se há 30 anos alguém dissesse que esses reality shows fariam tanto sucesso, com aquele baixo nível de articulação dos protagonistas, seria tachado de louco. Há causas sem lastro que agitam redes sociais. Lembremos da campanha para salvar os Galvão Birds, que em junho de 2010 virou fenômeno na rede – teve gente fora do Brasil acreditando no trote. Porque as pessoas gostam de ver aquilo que todos comentam. Querem poder curtir, ou não curtir, sem maiores compromissos. Querem se sentir, ainda que por poucas horas, fazendo parte de algum grupo reunido em torno de um gosto qualquer, que represente umas férias de subjetividade, como, por exemplo, o são há muito tempo as torcidas de futebol – um período determinado em que os indivíduos se diluem, se aliviam da carga e da responsabilidade do individualismo moderno, para se tornarem um ente coletivo, oferecendo um tipo de torpor parecido ao dos nacionalismos do século 19, só que efêmero. Também não quero com isso dizer que há um império avassalador da bobajada. Ela está banalizada e é celebrada, mas também há muitos nichos de excelência surgindo por aí.

ZH – Como o senhor vê as relações entre o Estado e a cultura das celebridades – presente também nas eleições, nas quais figuras que se tornaram públicas em outros campos concorrem a cargos eletivos, e por vezes são eleitas?

Axt – Políticos tentam sensibilizar o eleitorado por todos os meios disponíveis e associar o seu nome ao de uma celebridade faz parte dessas estratégias. Para os artistas e celebridades em geral, por sua vez, é um tiro com grande chance de sair pela culatra. Quem não lembra da Regina Duarte aparecendo num horário político gratuito dizendo que “tinha medo” do que poderia acontecer se o Lula ganhasse as eleições. Tostou o filme dela. Porque o Lula ganhou, governou com erros e acertos, e o país não acabou. Essa transferência de carismas de outras áreas para a política é algo próprio da democracia de massas, mas nem sempre funciona, também. Não acho isso necessariamente ruim. Nos tempos de uma democracia elitista, oligárquica, era o prestígio familiar e o lustro bacharelesco que pesavam na hora de qualificar um candidato para a política.

ZH – Os protestos no caso do Kiko podem ser sintomas da insatisfação de uma camada da sociedade que não vê seriedade na política profissional?

Axt – Sim. Mas não é um fenômeno brasileiro. É mundial. Na França, por exemplo, a juventude está cada vez mais desinteressada pela política profissional. As causas que mobilizam os jovens têm muito mais a ver com problemas concretos ligados ao bem estar no presente – o preço dos aluguéis, da passagem de ônibus, o corte de árvores, a construção de ciclovias. A política profissional não apenas parece ser desinteressante como se torna muitas vezes caricata. Então, acredito que muitos interpretem a nomeação do Kiko no mesmo nível da eleição do Tiririca para uma vaga na Câmara dos Deputados. Mas é um fenômeno complexo. Também é verdade não ser incomum as pessoas de diversas épocas se reportarem aos períodos anteriores como momentos de ouro na política, agora em decadência. Esse espírito está em Platão (Grécia Antiga), em Suetônio (Roma Antiga), em Tocqueville (século 19) em Ortega y Gasset (século 20). E assim por diante. Acho que nosso tempo vive erosões de qualidade na ocupação do espaço público, mas também há avanços, conquistas e invenção de novos modos de participação.
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Reportagem porCARLOS ANDRÉ MOREIRA
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a4111936.xml&template=3898.dwt&edition=21811&section=1029

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