Luiz Felipe Pondé*
Pinker confundiu a felicidade de um circo
com ar-condicionado com evolução da paz
O otimismo está na moda com o novo livro do psicólogo cognitivista
Steven Pinker, "Os Anjos Bons de Nossa Natureza", da Cia. das Letras.
Sou um admirador do seu já clássico "Tábula Rasa" (o título do livro
remete a conhecida tese empirista segundo a qual somos inteiramente
frutos do meio).
No "Tábula Rasa", gosto em especial da parte denominada "Vespeiros",
dedicada às polêmicas contra as ciências humanas e sua defesa ideológica
da "tábula rasa" a ser preenchida pelas modas ideológicas do momento,
do tipo meninos e meninas não existem a não ser como construção social.
Risadas?
Considero o evolucionismo e a ciência cognitiva ganhos enormes para a
compreensão do comportamento humano. Mas, me pergunto se ele, com este
novo livro, não está fazendo mais um panfleto de marketing moral do que
um livro "científico".
Não aceito plenamente suas conclusões a partir daquilo que ele oferece
como uma "ciência cognitiva do otimismo". E, infelizmente, suspeito que
Pinker tenha sucumbido a pressão para ser legal, pressão esta que todo
mundo que atua como agente do pensamento público sente hoje em dia.
Essa é a praga do politicamente correto: tão invisível como um pó que
cai sobre nosso cérebro e não percebemos até nos tornarmos zumbis
intelectuais com medo de pensar o impensável.
Temo que assumir que melhoramos porque os americanos passaram de Bush a
Obama, e porque existe a ONU e os shopping centers, é mais ideologia (o
que Pinker normalmente critica) do que "ciência". Mesmo a "estatística
do bem" só convence quem crê em estatística aplicada a seres humanos.
Dá até a impressão de que o autor se convenceu que o mundo é mesmo igual
às regiões mais ricas dos Estados Unidos, onde ele vive.
O conforto e a segurança podem ser mesmo um grande viés a entortar
nossas conclusões. Pinker confundiu a felicidade de um circo com
ar-condicionado, lanchonetes e ONGs com evolução da paz.
A tese de Pinker em seu novo livro é que a humanidade está, desde o
século 19, ficando menos violenta fisicamente. Não é de todo absurdo
dizer isso se levarmos em conta que grande parte da humanidade hoje em
dia se ocupa com ganhar dinheiro, comprar casas e carros, comer uma
alimentação saudável e combater as rugas, afora se conectar às redes
sociais e falar besteiras quase o tempo todo.
Trata-se da paz como resultado da banalidade do pequeno sucesso e das
horas vazias preenchidas com imposto de renda, divórcios e faturas do
cartão de crédito.
Mas, suspeito que esse sucesso da paz se dá antes de tudo porque, além
dessa ocupação com um cotidiano que vai da TV a cabo às angústias com a
previdência privada, as instituições da democracia representativa e da
sociedade de livre mercado (que os comunistas gostam de chamar de
capitalismo) representam de fato um ganho, contendo nossa vocação para
violência, que agora adormece, cândida, babando nos bares, restaurantes,
free shops e ONGs para pandas.
Estamos em paz porque compramos muito, comemos muito e somos muito
narcisistas. Estamos muito próximos dos personagens felizes e idiotas do
"Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley.
O otimismo "científico" de Pinker me lembra outro otimista, Francis
Fukuyama, e seu "fim da história", porque segundo este, não há
possibilidade de retrocedermos para uma sociedade sem democracia
liberal. Será?
Esses dois autores, Pinker e Fukuyama, parecem não levar em conta que
estamos votando em candidatos duvidosos, comprando computadores, pílulas
e Viagra há pouquíssimo tempo e que assumir "200 anos de história da
paz do consumo" contra 1 milhão de anos (grosso modo) de sofrimentos
intermináveis é como julgar a vida de um homem de mil anos pelos dois
últimos segundos passados.
Por último, retornaria ao clássico freudiano "Mal-Estar na Civilização"
(recusado pela moda cognitivista). Mesmo Norbert Elias, referência
essencial para um dos "bons anjos" de Pinker, sabia bem que o processo
civilizador cobra um preço alto pela repressão da "besta em nós".
Resta saber qual seria o "retorno do reprimido" deste mundo de bons anjinhos.
---------------
* Filósofo. Prof. Universitário. Escritor. Colunista da Folha
ponde.folha@uol.com.brFonte: Folha on line, 15/04/2013
Imagem da Interneet
Nenhum comentário:
Postar um comentário