Ivan Martins*
Quem fica feliz com as relações estáveis entre adolescentes?
Quando eu era garoto, nos anos 70, não tinha essa de dormir com a
namorada ou com o namorado na casa dos pais. O sexo entre os
adolescentes era menos comum, e, quando acontecia, era na forma de
transgressão, longe dos olhos da família.
Desde então as coisas mudaram. Muito. Os pais abriram espaço em casa para que os filhos recebam seus parceiros. As relações sexuais entre os jovens deixaram de ser clandestinas e eventuais para se tornarem corriqueiras e aceitas. A cena foi parar até em propaganda de TV: no café da manhã, os pais, inteiramente constrangidos, deparam com um adolescente cabeludo e sem jeito que acabou de dormir com a filhinha deles...
Eu não tenho a menor dúvida de que essa foi uma mudança positiva.
Desde então as coisas mudaram. Muito. Os pais abriram espaço em casa para que os filhos recebam seus parceiros. As relações sexuais entre os jovens deixaram de ser clandestinas e eventuais para se tornarem corriqueiras e aceitas. A cena foi parar até em propaganda de TV: no café da manhã, os pais, inteiramente constrangidos, deparam com um adolescente cabeludo e sem jeito que acabou de dormir com a filhinha deles...
Eu não tenho a menor dúvida de que essa foi uma mudança positiva.
É mais seguro e mais gostoso ser adolescente dessa forma do que viver
em privação, ou em constante temor de ser descoberto, como acontecia no
passado. Do ponto de vista dos pais, é melhor saber com quem os filhos
estão transando (mesmo que eles não aprovem totalmente as escolhas de
parceiros...) do que forçá-los a se esconder por aí, sabe-se lá com
quem. Para os filhos, compensa. Submeter-se a essa camada de controle
dos pais ainda é mais legal do que meter-se em situações potencialmente
perigosas. Quando você leva alguém para casa dos pais, se obriga a fazer
controle de qualidade. Isso é bom.
Como muitas novidades positivas, essa também teve uns resultados meio imprevistos.
Outro dia, conversando com uma moça de 22 anos, ela me contou como
havia sido difícil romper com o rapaz que ela namorava desde os 17 anos.
Eles haviam crescido juntos, compartilharam muitas experiências, e os
pais de ambos estavam acostumados a vê-los grudados, para lá e para cá.
“Minha mãe chorou quando soube que a gente tinha acabado”, ela me disse.
A moça, que acaba de terminar a faculdade, e já está engatando outro
namoro, parecia bem incomodada com “a seriedade” que aquela relação de
adolescentes havia tomado.
De um arranjo espontâneo e natural entre ela e o rapaz, o namoro havia
evoluído para uma espécie precoce e fundamentalmente indesejada de
compromisso. É provável que a relação tenha durado mais do que deveria
por ter se tornado maior do que eles. Era uma noivadinho.
Parece que esse tipo de situação tornou-se bastante comum.
Em troca da aprovação dos pais e das facilidades que isso proporciona,
os jovens e adolescentes oferecem estabilidade. Eles não vão aparecer na
cozinha com uma companhia diferente a cada manhã. Isso deixaria os pais
alarmados e poderia provocar represálias. Então, meio porque é bom,
meio porque é mais fácil, os adolescentes vão ficando em relações
estáveis (e talvez um tanto artificiais) que deixam todo mundo em volta
mais tranquilo. É o noivadinho. Eles duram até que a vida mude tão
radicalmente que obrigue um dos jovens a erguer a mão e pedir tempo. E
aí se percebe como aquele arranjo havia ficado pesado e cheio de amarras
externas.
No mundo ideal, não deveria ser assim.
A adolescência é, por definição, um período de experimentação. Tudo
nessa época é apaixonado e transitório. Isso não combina com o
noivadinho. Em vez de testar seu gosto e a sua capacidade de sedução, em
vez de explorar seus sentimentos, os noivinhos ensaiam para o casamento
em relações estáveis que mimetizam as dos pais. A estabilidade precoce
oferece segurança e aconchego emocional para crescer, – o que é bom –
mas priva da independência e da experimentação, que também são
essenciais. É uma forma moderna e esclarecida de conservadorismo.
Amores da adolescência são arrebatadores, não necessariamente
duradouros. Romeu e Julieta eram adolescentes. O amor deles é oceânico,
único, tem o gosto de um sentimento que apenas acaba de ser descoberto.
Por isso é desesperado. Para quem já se esqueceu do que é amar na
adolescência, eu recomendo um filme de 1971 chamado Melody – em português, Quando brota o amor. Existe em DVD e nos serviços de internet. Mais leve que Romeu e Julieta,
ele não é menos apaixonado. Sugere que o amor, nessa fase da vida,
nasce em oposição à família e aos costumes, não sob a proteção deles. Os
tempos mudaram, mas talvez isso permaneça verdadeiro.
Nós estamos ficando modernos, vivemos numa sociedade gradualmente mais
civilizada, e pagamos um preço por isso. A tolerância social com a vida
sexual dos jovens vem acompanhada de perda de autonomia da parte deles. É
compreensível, mas não deveria ser exagerado. Adolescentes têm o tempo
deles e as emoções deles. Relações com cara de casamento são para
adultos. Quem ainda está crescendo e descobrindo não deveria ser
empurrado a assumir noivadinhos. Como muitas coisas boas, essa também
pode se tornar opressiva.
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* IVAN MARTINS É editor-executivo de ÉPOCA (Foto: ÉPOCA)
Fonte: Site da Revista Época 23/04/2013
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