O programa Lectura Mundi (Unsam)
lança uma nova página na internet com material audiovisual inédito e de
livre acesso. Como antecipação, publica-se aqui parte de uma entrevista
de Alain Badiou, que reconstrói sua passagem pela universidade e a origem das suas ideias.
Gostaria que começasse por uma espécie de relato de seus anos
de formação na universidade, reconstruísse o clima, os debates dessa
época e a influência de seus mestres Sartre e Althusser.
Terminei meus estudos secundaristas em Provence. Nasci no Marrocos e
depois a minha infância transcorreu em Toulouse, no sul da França.
Quando estava terminando meus estudos houve dois acontecimentos
importantes na minha vida. O primeiro, efetivamente, foi ler Sartre desde
muito jovem, e o segundo foi o começo da guerra da Argélia. Creio que
há algo como o destino, pois desde o princípio houve uma relação entre o
problema político, muito grave, entre a luta anticolonialista e a
filosofia. Esta relação entre política e filosofia constituiu-se na minha vida quando ainda era jovem. Depois fui para Paris, à Escola Normal Superior, onde Althusser era
professor de filosofia. Ele reforçou esta relação natural entre a
filosofia e a política, já que se propunha, primeiro, a transformar o
marxismo de maneira filosófica, para depois influir na política do Partido Comunista Francês. Então, para as primeiras influências, está Sartre e depois Althusser; as duas se dirigiram para um compromisso, mas estreitamente vinculado com a filosofia.
Como irrompeu o acontecimento de 1968?
É preciso considerar também o período dos anos intermediários, pois durante todo o tempo que estive na Escola Normal Superior
acontecia a guerra da Argélia. Esta guerra foi algo terrível,
esquecemos isso um pouco. Foi de uma violência extrema, centenas de
milhares de jovens franceses participaram. Houve torturas e violência
nas próprias comissárias parisienses. (...) Foi um período em que
participei da política na sua forma violenta. Me comprometi a agir
contra tudo isso, ocupou muito do meu tempo. Nesses anos me tornei uma
espécie de rebelde, de militante. (...) Quando termino os estudos, me
nomeiam professor em uma cidade da Provence, e é quando acontece o Maio
de 68. E será uma mudança radical da minha vida, das minhas concepções e
da minha filosofia. Por duas razões: a primeira é que participava pela
primeira vez de um acontecimento positivo. Havia um vínculo que se
estabelecia entre os militantes populares e os militantes operários; e
havia ideias de libertação, de emancipação, que se discutiam em toda a
França. Não era como a luta contra a guerra da Argélia que era uma
resistência difícil e negativa. Ao contrário, neste caso, era como um
nascimento, como algo que surgia, era um pouco como uma primavera da
vida e da ação. A guerra da Argélia era como um inverno. Esta é então a
primeira razão, e me deu a convicção de que o que realmente muda a vida
das pessoas é quando se produz algo que é afirmativo, aquilo que propõe
realmente algo novo. Mais tarde chamarei a isso de acontecimento. Nessa
época o vivia, ainda não o havia nomeado. A segunda razão é que me dei
conta de que tudo isto tinha também uma ressonância mundial. (...) Então
tentei, filosoficamente, pensar a relação entre a ação local, Maio de 68,
parisiense e francês, e os grande processos históricos, o cenário
mundial. Me dei conta de que a filosofia é também um meio para pensar ao
mesmo tempo o que está à vista, o que se experimenta. Isto me deu uma
nova ideia da relação entre filosofia e política.
Então foi também uma experiência de internacionalismo.
Foi uma experiência concreta de duas coisas fundamentais. A primeira,
como você disse, a do internacionalismo, a necessidade de pensar as
coisas na maior escala possível; e a segunda, foi a relação muito
estreita entre pessoas de origem social muito diferente. Ou seja, a
barreira que existe entre os intelectuais e os trabalhadores manuais,
entre os operários e os empregados, os funcionários e o resto da
população. Tudo isso se apagou um pouco, se demoliu. (...)
Nesse mesmo período você começa também a discutir as ideias de Lacan?
Sim. Tudo isso começou no mesmo momento. Lacan é
muito importante por uma razão que segue sendo hoje fundamental.
Filosoficamente, tudo isso acontece no momento em que existe o que se
chama estruturalismo. O estruturalismo é uma visão do pensamento e da
filosofia muito vinculada com a ciência. É a afirmação de que é possível
analisar objetivamente a situação, descobrir as estruturas; e também é a
ideia de que nós somos o resultado de estruturas; que a vida humana
está estruturada, muitas vezes de maneira inconsciente, mas são as
estruturas que lhe dão seu senso de estabilidade. Lacan
intervém, no âmbito da psicanálise, desde esse ponto de vista, mas
mantém a categoria de sujeito. E isso é decisivo. Tenta fazer uma
espécie de síntese entre o pensamento das estruturas e a vida do
sujeito. Vai dizer: evidentemente, há estruturas, mas o sujeito não se
reduz às estruturas, há uma margem de liberdade, de desejo, que faz com
que não se possa reduzir tudo às estruturas. E me apaixonei por Lacan
porque tinha o mesmo problema em política. Acaso a economia, as
relações sociais, de classe, são estruturas que determinam a ação ou é
possível ser um sujeito ativo, prático, que não se reduz às estruturas
sociais e econômicas? Lacan nos dava ferramentas para lutar contra o economicismo na política, ou seja, a ideia de que a economia decide tudo.
Imagino que essa discussão era especialmente dramática nos anos 1980, no período da reação e da polêmica com os novos filósofos.
Evidentemente, eram os belos anos vermelhos, como os chamávamos.
Depois veio a grande reação dos anos 1980, e nessa reação o problema foi
organizar uma espécie de resistência, que era também intelectual,
filosófica, contra as ideias reacionárias que voltam com força. E esse é
um período de resistência, um período difícil, também de isolamento
porque muitos jovens intelectuais que se haviam comprometido com o
movimento posterior a Maio de 68 se retiraram com
posições totalmente reacionárias. (...) Foi necessário trabalhar muito
para mostrar que uma filosofia da emancipação, da criação da liberdade
humana era possível, inclusive no meio do surto reacionário.
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A entrevista é de Verónica Gago e publicada no jornal Página/12, 22-04-2013. A tradução é do Cepat.
Fonte: IHU on line, 25/04/2013
Imagem da Internet
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