Luis Fernando Veríssimo*
Ovelha Dolly |
Você
talvez não se tenha dado conta, irmão. Em Edimburgo, onde fundiram a
célula mamária de uma ovelha com o óvulo de outra e criaram uma
terceira, ou repetiram a primeira, o homem começou a ficar obsoleto.Você
eu não sei, mas eu já estou me sentindo como um disco de vinil. A não
ser pelos cientistas que, impensadamente, decretaram seu próprio fim
fazendo a experiencia, nenhum macho participou do processo de reprodução
da ovelha. Teoricamente, o espermatozoide perdeu sua função no mundo.
Os
produtores de espermatozoides somos nós. Temos o monopólio. Ao
contrário dos fabricantes de lampiões a gás, que rapidamente
ajustaram-se à eletricidade, não podemos adaptar nossa produção mudando
um detalhe. Não temos nem o recurso de fraude, de fazer espermatozoide
se passar por óvulo para não perder o mercado. Não cola. Em pouco tempo
seremos o gênero supérfluo. Não dou até 2075,76, por aí, para
desaparecermos da face da Terra. Como o óvulo é imprescindível para o
novo método de procriação, é obvio que produzirão mais mulheres que
homens. E cedo ou tarde elas farão a pergunta: para o que mesmo é que
serve o homem? As profissões tipicamente masculinas - estivador, gigolô,
chefe de cozinha, motorista, drag queen, zagueiro central, etc. -
estarão dominadas pela automação ou pelas próprias mulheres. Com a nossa
crescente desmoralização, perderemos até o valor como objetos sexuais,
pois quem vai querer um acuado na cama? (Isso se ainda existir sexo como
conhecemos. Prevejo que os homens que restarão tentarão escapar do
aniquilamento reunindo-se em bandos renegados, nas florestas que
sobrarem. Fugirão das mulheres e, com ironia histórica, só farão sexo
com ovelhas.)
Cedo
ou tarde elas decidirão nos cancelar em definitivo. Estávamos no mundo
para fazer espermatozoides A Capela Sistina, a Nona Sinfonia, a Itaipu
Binacional - foi tudo produção secundária, tudo bico. Nossa missão era
fornecer espermatozoides. Nossa missão acabou.
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* VERISSIMO, L. F. Escritor. Cronista. In: Jornal do Brasil, 26 de fevereiro de 1997
Fonte: http://luzecalor.blogspot.fr/2013/04/28
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