segunda-feira, 29 de abril de 2013

Missão Cumprida

Luis Fernando Veríssimo*

Ovelha Dolly
Você talvez não se tenha dado conta, irmão. Em Edimburgo, onde fundiram a célula mamária de uma ovelha com o óvulo de outra e criaram uma terceira, ou repetiram a primeira, o homem começou a ficar obsoleto.Você eu não sei, mas eu já estou me sentindo como um disco de vinil. A não ser pelos cientistas que, impensadamente, decretaram seu próprio fim fazendo a experiencia, nenhum macho participou do processo de reprodução da ovelha. Teoricamente, o espermatozoide perdeu sua função no mundo. 

Os produtores de espermatozoides somos nós. Temos o monopólio. Ao contrário dos fabricantes de lampiões a gás, que rapidamente ajustaram-se à eletricidade, não podemos adaptar nossa produção mudando um detalhe. Não temos nem o recurso de fraude, de fazer espermatozoide se passar por óvulo para não perder o mercado. Não cola. Em pouco tempo seremos o gênero supérfluo. Não dou até 2075,76, por aí, para desaparecermos da face da Terra. Como o óvulo é imprescindível para o novo método de procriação, é obvio que produzirão mais mulheres que homens. E cedo ou tarde elas farão a pergunta: para o que mesmo é que serve o homem? As profissões tipicamente masculinas - estivador, gigolô, chefe de cozinha, motorista, drag queen, zagueiro central, etc. - estarão dominadas pela automação ou pelas próprias mulheres. Com a nossa crescente desmoralização, perderemos até o valor como objetos sexuais, pois quem vai querer um acuado na cama? (Isso se ainda existir sexo como conhecemos. Prevejo que os homens que restarão tentarão escapar do aniquilamento reunindo-se em bandos renegados, nas florestas que sobrarem. Fugirão das mulheres e, com ironia histórica, só farão sexo com ovelhas.) 

Cedo ou tarde elas decidirão nos cancelar em definitivo. Estávamos no mundo para fazer espermatozoides  A Capela Sistina, a Nona Sinfonia, a Itaipu Binacional - foi tudo produção secundária, tudo bico. Nossa missão era fornecer espermatozoides. Nossa missão acabou.
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* VERISSIMO, L. F. Escritor. Cronista. In: Jornal do Brasil, 26 de fevereiro de 1997
Fonte:  http://luzecalor.blogspot.fr/2013/04/28

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