Biografia romanceada narra a paixão da filósofa Simone de Beauvoir por um escritor americano, sob total aprovação do marido, Jean-Paul Sartre. ela queria apenas ser amada e submissa
Aina Pinto
Uma mulher pedante, preocupada com
esmaltes e batons, apavorada com o envelhecimento e ciumenta a ponto de
não suportar a simples menção do nome da amante de seu marido – assim é
pintada a musa do existencialismo, a francesa Simone de Beauvoir
(1908-1986), na biografia romanceada “Beauvoir Apaixonada” (Verus), de
autoria da jornalista e historiadora Irène Frain. O retrato surpreende
porque publicamente Simone sempre se mostrou uma feminista e escreveu
uma das bíblias do feminismo, “O Segundo Sexo”. O livro traz ainda mais
veneno para macular o mito. A relação amorosa que ela manteve com o
filósofo Jean-Paul Sartre (1905-1980), sempre apresentada como
revolucionária, na prática não era exatamente assim. Em tese era
permitido que um traísse o outro, na boa, desde que as traições fossem
reveladas mutuamente. Mas pelo menos um desses casos, a relação que
Simone manteve por 17 anos com o escritor americano Nelson Algren, foi
explosivo como conta o livro.
Simone conheceu Algren – e caiu de paixão. Algren era autor de “O
Homem do Braço de Ferro”, que virou filme de sucesso com Frank Sinatra.
Escreveu também “Um Passeio pelo Lado Selvagem”, que inspirou Lou Reed e
fez com que se tornasse ídolo de Barack Obama. Na mesma época que
Simone o conheceu, Sartre estava apaixonado também por uma americana, a
radialista Dolores Vanetti. Simone a odiava e numa crise de histeria a
apelidou de “Maldita”. Nas cartas da filósofa para Algren, Dolores é
tratada apenas pela inicial, M. Foi essa correspondência que Irène
utilizou como fonte, além de anotações pessoais e documentos inéditos.
Ela teve acesso a trechos cortados das cartas, publicadas em 1997, que
revelam pela primeira vez o lado fútil da filósofa e sua preocupação com
a aparência, além do teor do romance que estava experimentando. Como
não se conhece a correspondência de Algren, a autora preenche a lacuna
com a ficção – tudo mais é real e factual. O primeiro contato entre
Simone e Algren se deu em Chicago, em fevereiro de 1947, durante uma
turnê de conferências. Ela viajava só e estava irritada com a dedicação
de Sartre a Dolores. Nessa altura o par existencialista já mantinha o
que chamava de “casamento intelectual”: Simone e Sartre eram
companheiros e não faziam sexo havia oito anos. Ambos mentiam ao mundo
pregando que é possível ser traído sem brigas e ódios. Na verdade,
Simone via Dolores como uma ameaça: a radialista estava se tornando o
“amor essencial”, enquanto ela passava aos poucos à condição de “amor
contingente” – a classificação foi uma invenção do casal, nada que a MPB
já não tenha traduzido como “matriz e filial”.
O AMANTE
Nelson Algren, ídolo de Barack Obama, tinha fama de
sedutor e era frequentador do submundo de Chicago
Esse clima tempestuoso foi revelado à autora por outra fonte inédita:
uma caderneta de notas escritas em conjunto por Simone e Algren em suas
viagens. Das outras amantes, Simone dizia não ter medo ou
ressentimentos, mas de Dolores tinha raiva. Simone havia decidido
realizar, ela mesma, um projeto antigo de Sartre – escrever um livro
tratando do “lado apodrecido” do capitalismo. Para isso, precisava de um
guia que lhe apresentasse o “avesso da América”. Escolheu Chicago,
cidade símbolo da industrialização americana, e como parceiro de
pesquisa elegeu Algren, um anfitrião que conhecia cada espelunca da
região. Na mesma noite em que foram apresentados, ele a levou para casas
de strip-tease e bares imundos, frequentados por imigrantes e veteranos
da Segunda Guerra Mundial. O próprio escritor lutara na libertação de
Paris. Vivia em um bairro polonês e circulava entre prostitutas e
drogados que inspiravam seus livros.
RELAÇÃO ABERTA
Simone (acima) vivia uma “união intelectual” com Sartre (abaixo):
eles não compartilhavam o sexo, tinham amantes, não escondiam
um do outro as aventuras amorosas, mas morriam de ciúmes
Com fama de sedutor, Algren não tinha noção de quem era Simone,
conhecida pelos íntimos como “Castor”. Ele detestava a exibição erudita
das revistas literárias, mas o lado intelectual da francesa não o
incomodou – mesmo porque os dois mal podiam se entender, já que ela
ouvia com dificuldade o inglês e ele não a compreendia, por causa do
forte sotaque francês. O romance registra detalhes nada elegantes, como a
ausência de um banheiro na casa do amante. A mistura de aventura,
charme decadente e admiração por outra cultura – Simone logo reconheceu
em Algren um escritor de fibra – transformou a parisiense já
balzaquiana em uma adolescente apaixonada. Dizia, sem pudores
feministas, que queria ser apenas uma “mulherzinha” – como Sartre se
referia às mulheres submissas. Viram-se, espaçadamente, durante três
anos, e no auge do romance Algren a pediu em casamento, “instituição
burguesa” que ela detestava. Simone preferiu a assexualidade do
relacionamento com Sartre, com quem viveu até a morte dele, em 1980.
Seis anos depois ela faleceu e foi enterrada na mesma sepultura no
cemitério de Montparnasse, em Paris. No dedo médio da mão esquerda,
usava um grande anel de prata com motivos tribais, presente de Algren.
Agonizante, pediu para ser sepultada com ele.
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Font: http://www.istoe.com.br/reportagens/292175_A+TRAICAO+CONSENTIDA+DE+SIMONE 19/04/2013
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