ANNA VERONICA MAUTNER*
Queremos estar no meio de gente, nas academias ou em concertos de rock, mas não queremos interagir
Cada dia mais, a vida urbana vai se organizando em torno de características semelhantes às da ágora/ mercado da Antiguidade.
Nesses espaços públicos, todos os segmentos da população se encontravam,
livres para entrar, sair, falar, silenciar, ouvir, trocar. Não eram
restritos a segmentos, castas ou classes. O religioso procurava atrair
fiéis, o político procurava rodear-se de simpatizantes, os camponeses
traziam seus produtos para trocar e vender.
Espaço público. Espaço livre.
Hoje figuram entre as atividades da moda ir a concertos de rock,
frequentar academias de ginástica, fazer caminhadas, andar de bicicleta,
fazer sauna etc.
Todas essas modalidades são realizadas isoladamente, promovendo
encontros esporádicos. Será que existe algo em comum entre a velha ágora
e o mundo que estamos montando?
Parece-me que estamos voltando para uma época mais sensorial e oral. Em
todas essas atividades eu estou em contato comigo mesma, meu corpo, meu
aparato sensorial. Não estou me referindo apenas a prazeres solitários,
como ler ou ouvir música. Existe algo a mais.
Muitas dessas atividades são autônomas, porém realizadas em lugares
públicos, com a presença de outros. Todas dispensam organização e
planejamento. Todas são realizadas em lugares aonde você vai sem ter que
marcar horário. Você quer estar no meio de gente, mas sem interação um a
um. Estaremos voltando ao café parisiense, que tinha muitas dessas
características?
As redes sociais são novas aquisições da condição de ser humano, além de
vivente. Você conhece, mas não encontra. Procura ou não procura,
informa e se informa no seu ritmo e de acordo com sua necessidade.
Sentimos muita falta desse recurso de semianonimato, ainda mais que nos
últimos anos cresceu muito e ficou forte o mecanismo de inclusão e
exclusão. Nas redes sociais, o fenômeno de exclusão se dilui, como se
diluía nas praças da Antiguidade, primeiro refúgio da sociedade que veio
a se tornar a sociedade ocidental.
Isso tudo ocorre porque o homem dispõe de um aparato indispensável à
liberdade: a linguagem. Somos mais do que meros sobreviventes com
recursos. Somos o homem político, como diziam os gregos: aquele que, se
quiser, pensa, leva em conta o seu semelhante.
A caminhada silenciosa, a tranquilidade das academias, o isolamento na
multidão dos shows de rock são os campos de exercício do homem político
no século 21. Estamos aperfeiçoando a pertinência a esses espaços, onde
reasseguramos nossa condição de humanos.
P.S. Se eu não tivesse lido Agamben, Foucault e Hannah Arendt, talvez não entendesse o fenômeno dessa forma.
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