A notável escritora americana Cynthia Ozick diz que sua par
canadense Alice Munro é a Tchekhov da América. Talvez não exatamente o
russo, um dos pais do conto moderno, mas a autora de “A Fugitiva”
(Companhia das Letras, 392 páginas, tradução de Sergio Flaksman), “Ódio,
Amizade, Namoro, Amor, Casamento” (Globo, 359 páginas, tradução de
Cássio de Arantes Leite), “Felicidade Demais” (Companhia das Letras, 341
páginas, tradução de Alexandre Barbosa de Souza) é uma artífice do
conto “longo”. O belo e doloroso conto “The bear came over the
mountain”, filmado com o título de “Longe Dela”, é mais do que uma
história de uma mulher com Alzheimer e um marido “compreensivo”. É sobre
a vida em si, sobre as diferenças entre os seres, sobre sua face
sombria. O conto é de uma sutileza especial
e, portanto, rara. “Felicidade Demais” é um conto sobre uma mulher real,
a matemática russa Sophia Kovalevsky, que morreu em 1891, aos 41 anos.
Sophia, professora de matemática da Universidade de Estocolmo, era
também escritora e crítica de teatro. Uma mulher de gênio num tempo
pouco afeito ao sucesso feminino. Mas aquilo que em mãos imperitas
poderia se transformar numa mera biografia, talvez até feminista, se
torna literatura de qualidade, o que prova que a boa literatura, quando
não quer ser tão-somente registro do real, pode iluminar o lado “escuro”
da vida.
Pois, apesar de todo o seu brilhantismo literário, de sua prosa ser
elogiada efusivamente por John Updike (“ela é vital”, escreveu), Cynthia
Ozick e Jonathan Franze, que a considera a melhor escritora da América
do Norte, Alice Munro, de 81 anos, volta e meia anuncia a sua
aposentadoria literária. Em 2006, quando tinha 75 anos, disse que “The
View From Castle Rock” seria seu último livro. Na época, o “Estadão”
publicou um texto (muito bom), “Alice Munro vai deixar de escrever”.
Na última semana de março, Nuria Azancot, do “El Mundo”, publicou o
texto “‘Mi Vida Querida’ puede ser mi último libro”. A base da
informação do jornal espanhol é uma entrevista da Alice Munro a Deborah
Treisman, da revista “New Yorker”, publicada no final de 2012. A autora —
da qual o “Times” de Londres disse que, “depois de ler seus contos,
fica difícil lembrar por que alguém inventou a novela” — disse que os
contos de “Minha Vida Querida” são autobiográficos. Um deles, “Vozes”
(intensamente autobiográfico), é publicado por “El Mundo” e é transcrito
na edição online do Jornal Opção (em espanhol, sem tradução). Em alguns
contos, “narra como algumas mulheres se liberam do peso de sua educação
e fazem algo pouco convencional, sem importarem-se com as consequências
inevitáveis”, como a “dor” e a “decepção”. “Me educaram para acreditar
que o pior que podia fazer era chamar atenção para mim, ou pensar que
era inteligente ou brilhante”, frisou.
Entre as influências literárias de Alice Munro estão Eudora Welty
(“adoro-a; jamais tentaria copiá-la, é muito boa”), Flannery O’Connor,
Katherine Ann Porter e Carson McCullers. Aprecia William Maxwell e
William Trevor. Não se interessa muito por William Faulkner e admira
García Márquez. A escritora nota que é “impossível imitar ‘Cem Anos de
Solidão’”. Sobretudo contista, a autora canadense relatou que, durante
anos, acreditou que escreveria um “grande romance”. Os contos seriam
“tentativas”, preparatórios, para escrevê-lo. Mas acabou aceitando que o
conto é seu elemento.
“New Yorker” pergunta qual a razão de frequentemente Alice Munro
anunciar que dará adeus à literatura. A escritora diz que, apesar do
“estranho desejo de ser ‘mais normal’” e “de fazer as coisas com mais
calma, logo vem a inspiração”. Mas acrescenta: “No entanto, desta vez
creio que é de verdade. Tenho 81 anos e me esqueço de alguns nomes ou
palavras comuns…”. Falta-lhe mais vitalidade física do que literária.
Como escreve muito sobre mulheres, há uma tendência de vê-la como
feminista, mas Alice Munro não aceita o rótulo. “Nunca penso se sou ou
não” (feminista). Destaca que as mulheres que descreve não são vítimas.
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Fonte: http://www.revistabula.com/300-alice-munro-a-tchekhov-da-america-da-adeus-a-literatura/
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