terça-feira, 16 de abril de 2013

Contos do rio Estige e a decadência humana

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                                        "Rio Estige" - Gustave Doré, 1861
O livro “Contos do rio Estige”, lançado recentemente pela editora Patuá, causa impacto logo no início. Os mais inflados dirão que não há nada de excepcional, enquanto outros muitos dirão que faz mais do que sentido a obra do autor Luiz Fernando Pierotti.
 
“Não é um fenômeno recente a decadência humana. Nunca concordei quando numa conversa qualquer, escutei ‘o mundo está perdido’, ‘as coisas não são mais como antes’ e todas as possíveis variáveis da mesma ideia raiz. O mundo sempre foi decadente, e diria mais, já foi muito pior do que hoje. Para cada pessoa que chega a conclusão de que as coisas estão decaindo, eu vejo mais uma cabeça a se deparar, finalmente, com a realidade, e não a constatar um evento novo.” (parágrafo de abertura do livro)

Luiz Fernando, a priori, já obtém êxito por escrever contos sobre o seu tempo. Aliás, sobre nosso tempo. O autor é jovem: tem apenas vinte e cinco anos e uma capacidade grande de nos proporcionar momentos de reflexão interna, como se fosse um ancião nos alertando sobre os desagrados da vida. Em todos os seus contos, as experiências relatadas resgatam no leitor questões do âmbito existencialista e se por acaso você não encontrar semelhanças entre os personagens e os seus próprios conflitos – no meu caso foi o motivo principal que originou a minha admiração pelo livro enquanto obra de arte (sim, arte) – é impossível não criar empatia com as tramas que são narradas intensamente em primeira pessoa.
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Outro ponto positivo é que “Contos do rio Estige” é um livro fácil e prazeroso de ler, elegantemente provocador, mesmo abordando assuntos complexos. É fácil tornar difícil algo simples, mas simplificar algo difícil é um feito cada vez mais raro entres os escritores. Você pode correr o risco de considerar o livro simples até demais por causa dos elementos rotineiros que o autor utiliza, como por exemplo a agitada Rua Augusta, os maços de cigarro que embalam as noites de insônia e o trânsito caótico dos grandes centros urbanos, como por exemplo no conto inicial “Sol, sangue e metal”, mas naturalmente o incômodo do personagem passa a ser o seu também. 

Tenho a sensação de que o autor bebeu muito da mesma fonte que Charles Bukowski, Sartre e da mitologia greco-romana. Certamente ele deve ter lido a "Divina Comédia", não sei. A questão é que mesmo sendo “novo demais”, Luiz nos aproxima também do mau cheiro da alma humana. Com ou sem esforço – depende do leitor – é possível SE perceber e melhor ainda: é possível empiricamente vivenciar os tais contos no nosso cotidiano. 

Quando analisado detalhadamente, fica perceptível que cada momento é descrito com uma densa profundidade. Às vezes isso pode passar despercebido, mas o autor insiste em nos despertar enquanto seres humanos através de frases cortantes e por muitas vezes, perturbadoras. Separei algumas passagens preferidas:

“Eles devem farejar meu medo.” (p. 53)
“A morte de uma criança é como a morte de um passarinho, silenciosa e inocente.” (p. 60)
“O sono como fuga da dor.” (p. 65)
“Porém, hoje a mão que treme, a minha mão, será aquela que castiga.” (p. 91)
“Tornei-me deserto e me batizei Nada”. (105)

Os contos não seguem o mesmo roteiro, apesar dos elementos cotidianos (que é a graça da empatia). Variam de cenário, de idade, de causa, mas são sempre ligados pela decadência humana. Foram escritos de um jeito que ao longo da leitura amplia a tensão, até mesmo quando deveríamos relaxar como no conto “Sol de inverno” onde o autor monta um cenário com crianças se divertindo e como pano de fundo, a reflexão melancólica de quem se sente perto do fim. 

Para encerrar, o maior feito definitivo do livro “Contos do rio Estige” é que ele atormenta, felizmente! A morte é utilizada como ponto central dos contos, de um modo nada vulgar ou explícito. Nos leva a pensar o quão superficialmente somos capazes de levar a vida, independente do tempo – que por sinal é um só para tudo. Luiz incomoda com uma questão apenas: será que eu (você) sou capaz de me reconhecer enquanto essencialmente humana submetida, na maioria das vezes, ao meu próprio existencialismo decadente? 

"Contos do rio Estige"
Luiz Fernando Pierotti - Editora Patuá
São Paulo, 2013 
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Reportagem por  em 15 de abr de 2013 às 21:28 
Fonte: http://lounge.obviousmag.org/cafe_amargo/2013/04

Um comentário:

  1. Passando para agradecer e confessar que fico muito feliz de encontrar esse artigo no seu blog.

    Obrigado e abraço

    Luiz F. Pierotti

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