“Não é um fenômeno recente a
decadência humana. Nunca concordei quando numa conversa qualquer,
escutei ‘o mundo está perdido’, ‘as coisas não são mais como antes’ e
todas as possíveis variáveis da mesma ideia raiz. O mundo sempre foi
decadente, e diria mais, já foi muito pior do que hoje. Para cada pessoa
que chega a conclusão de que as coisas estão decaindo, eu vejo mais uma
cabeça a se deparar, finalmente, com a realidade, e não a constatar um
evento novo.” (parágrafo de abertura do livro)
Luiz Fernando, a priori, já obtém êxito por escrever contos sobre o seu tempo. Aliás, sobre nosso tempo. O autor é jovem: tem apenas vinte e cinco anos e uma capacidade grande de nos proporcionar momentos de reflexão interna, como se fosse um ancião nos alertando sobre os desagrados da vida. Em todos os seus contos, as experiências relatadas resgatam no leitor questões do âmbito existencialista e se por acaso você não encontrar semelhanças entre os personagens e os seus próprios conflitos – no meu caso foi o motivo principal que originou a minha admiração pelo livro enquanto obra de arte (sim, arte) – é impossível não criar empatia com as tramas que são narradas intensamente em primeira pessoa.
Outro ponto positivo é que “Contos do rio Estige” é um livro fácil e
prazeroso de ler, elegantemente provocador, mesmo abordando assuntos
complexos. É fácil tornar difícil algo simples, mas simplificar algo
difícil é um feito cada vez mais raro entres os escritores. Você pode
correr o risco de considerar o livro simples até demais por causa dos
elementos rotineiros que o autor utiliza, como por exemplo a agitada Rua
Augusta, os maços de cigarro que embalam as noites de insônia e o
trânsito caótico dos grandes centros urbanos, como por exemplo no conto
inicial “Sol, sangue e metal”, mas naturalmente o incômodo do personagem
passa a ser o seu também.
Tenho a sensação de que o autor bebeu muito da mesma fonte que
Charles Bukowski, Sartre e da mitologia greco-romana. Certamente ele
deve ter lido a "Divina Comédia", não sei. A questão é que mesmo sendo
“novo demais”, Luiz nos aproxima também do mau cheiro da alma humana.
Com ou sem esforço – depende do leitor – é possível SE perceber e melhor ainda: é possível empiricamente vivenciar os tais contos no nosso cotidiano.
Quando analisado detalhadamente, fica perceptível que cada momento é
descrito com uma densa profundidade. Às vezes isso pode passar
despercebido, mas o autor insiste em nos despertar enquanto seres
humanos através de frases cortantes e por muitas vezes, perturbadoras.
Separei algumas passagens preferidas:
“Eles devem farejar meu medo.” (p. 53)
“A morte de uma criança é como a morte de um passarinho, silenciosa e inocente.” (p. 60)
“O sono como fuga da dor.” (p. 65)
“Porém, hoje a mão que treme, a minha mão, será aquela que castiga.” (p. 91)
“Tornei-me deserto e me batizei Nada”. (105)
“A morte de uma criança é como a morte de um passarinho, silenciosa e inocente.” (p. 60)
“O sono como fuga da dor.” (p. 65)
“Porém, hoje a mão que treme, a minha mão, será aquela que castiga.” (p. 91)
“Tornei-me deserto e me batizei Nada”. (105)
Os contos não seguem o mesmo roteiro, apesar dos elementos cotidianos
(que é a graça da empatia). Variam de cenário, de idade, de causa, mas
são sempre ligados pela decadência humana. Foram escritos de um jeito
que ao longo da leitura amplia a tensão, até mesmo quando deveríamos
relaxar como no conto “Sol de inverno” onde o autor monta um cenário com
crianças se divertindo e como pano de fundo, a reflexão melancólica de
quem se sente perto do fim.
Para encerrar, o maior feito definitivo do livro “Contos do rio
Estige” é que ele atormenta, felizmente! A morte é utilizada como ponto
central dos contos, de um modo nada vulgar ou explícito. Nos leva a
pensar o quão superficialmente somos capazes de levar a vida,
independente do tempo – que por sinal é um só para tudo. Luiz incomoda
com uma questão apenas: será que eu (você) sou capaz de me reconhecer
enquanto essencialmente humana submetida, na maioria das vezes, ao meu
próprio existencialismo decadente?
"Contos do rio Estige"
Luiz Fernando Pierotti - Editora Patuá
São Paulo, 2013
Luiz Fernando Pierotti - Editora Patuá
São Paulo, 2013
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Reportagem por Fernanda Pacheco em 15 de abr de 2013 às 21:28
Fonte: http://lounge.obviousmag.org/cafe_amargo/2013/04
Passando para agradecer e confessar que fico muito feliz de encontrar esse artigo no seu blog.
ResponderExcluirObrigado e abraço
Luiz F. Pierotti