terça-feira, 30 de abril de 2013

Homens que amam

Cláudio Moreno*

Dez anos os gregos mantiveram Troia sitiada; por dez anos, dia após dia, os portões da grande cidade se abriram para que os troianos saíssem ao encontro do inimigo, guiados pela coragem exemplar de Heitor. Heitor defende Troia, mas, acima de tudo, defende uma mulher e uma criança. Sabe que o dia virá em que seus passos vão cruzar os passos de Aquiles, seu implacável oponente – mas não pensa em outra coisa senão proteger Andrômaca, por quem está disposto a morrer. E vai ser assim, sob o olhar desesperado da mulher, do pai, da mãe e de todos os troianos, que ele vai, finalmente, receber de Aquiles os golpes que o matarão.

A História nos mostra que não há nada como o amor para nos tornar corajosos diante de um perigo mortal. Esse foi, sem dúvida, o segredo do extraordinário Batalhão Sagrado de Tebas, uma tropa de elite que, para a surpresa de toda a Antiguidade, enfrentou e derrotou o temível exército espartano na batalha de Tégira. Este batalhão, também conhecido como Batalhão dos Amantes, era formado por trezentos homens – na verdade, cento e cinquenta casais de namorados, decididos, como Heitor diante dos olhos de Andrômaca, a dar sua vida para salvar a de seu amado.

No combate daquela época, o homem via a morte de frente: no lugar da destruição anônima e impiedosa dos mísseis e dos canhões, a luta era sempre corpo a corpo, na distância máxima do comprimento da lança ou do braço armado com a espada. A solidariedade entre os combatentes era o fator decisivo entre a derrota e a vitória; um soldado sabia que o seu escudo devia proteger a si e parte do corpo do companheiro a seu lado. Um dependia do outro, e todos se moviam como se fossem um só. Com homens que se amavam, lutando lado a lado, isso chegava à perfeição, permitindo, como sugeria Platão, que “um simples punhado de bravos enfrentasse o mundo inteiro”.

O Batalhão dos Amantes encontrou seu fim na batalha de Queroneia, quando enfrentou os exércitos de Filipe da Macedônia e de seu filho, o futuro Alexandre Magno. Acossados por um número muito maior de combatentes, lutaram até o último homem. Conta a lenda que Filipe ficou emocionado ao ver todos aqueles corpos juntos, e, ao saber quem eram eles, para lhes prestar a justa homenagem de um guerreiro, enterrou-os todos no mesmo lugar, onde ergueu a estátua de um gigantesco leão de mármore.

Escavações modernas encontraram 254 esqueletos, lado a lado, arranjados em sete fileiras; presume-se que os demais tenham sido feridos e capturados pelos macedônios. O que nos serve de lição é que tanto aqueles que os mataram, quanto os que desenterraram seus despojos em momento algum duvidaram que ali estavam homens como eles, capazes de morrer pela pessoa – ela ou ele, não importa – que escolheram amar.
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* Colunista da ZH
Fonte: ZH on line, 30/04/2013
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