A
consciência da necessidade de praticar exercícios físicos é recente.
“No começo, era o pé”, diz o antropólogo Marvin Harris. O pé, não a mão.
A mão nos fez humanos – mas antes de sermos humanos somos parte do
reino animal, e o nosso corpo precisa atender às necessidades que os
animais enfrentam, entre elas a do deslocamento. O ser humano evoluiu,
tornou-se bípede, mas continuou caminhando. E passou a usar a caminhada
para outros fins que não o de chegar a um lugar específico: o de buscar
determinada coisa.
Praticar
exercícios físicos é algo relativamente recente, mesmo porque, no
passado, o sedentarismo era a exceção antes que a regra; caçadores,
agricultores, trabalhadores em geral jamais pensariam nisso.
Mas
muito cedo o ato de caminhar adquiriu um significado psicológico,
simbólico. O protesto político muitas vezes se fez, e ainda se faz, sob a
forma de marchas, de caminhadas; foi o caso da Marcha dos 100 Mil
(1968), um dos primeiros protestos organizados contra a ditadura no
Brasil.
Os
filósofos gregos muitas vezes ensinavam a seus discípulos caminhando.
“Levanta-te, toma teu leito e anda”, diz o Evangelho (João, 5:8), ou
seja, vá em busca de seu destino, de seus objetivos. E Santo Agostinho
cunhou uma expressão famosa: Solvitur ambulando, caminhar resolve (os problemas, as dúvidas).
Por quê? No livro Wanderlust: a history of walking (A
ânsia de vagar: uma história da caminhada), de 2000, Rebecca Solnit diz
que andar permite “conhecer o mundo através do corpo”, ou, nas palavras
do poeta modernista Wallace Stevens (1879-1955): “Eu sou o mundo no
qual caminho”. Trata-se, pois, de uma experiência cognitiva, muito
necessária nesses tempos em que as pessoas se deslocam sobretudo
utilizando carros, trens, aviões.
Mas
caminhar também envolve um processo de autoconhecimento, quando não de
inspiração. “Os grandes pensamentos resultam da caminhada”, diz o
filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), uma ideia que Raymond Inmon
expressa de forma mais poética: “Os anjos sussurram para aqueles que
caminham”.
O
escritor francês Anatole France (1844-1924) faz uma comparação
interessante: “ É bom colecionar coisas, diz ele, mas é melhor caminhar.
Porque caminhar também é uma forma de colecionar coisas: as coisas que a
gente vê, as coisas que a gente pensa”. Esse processo é facilitado pela
renovação da paisagem, seja ela rural ou urbana, e pelo próprio
automatismo do ato de caminhar.
Não
é de admirar, portanto, que muitos escritores tenham abordado o tema da
caminhada. Foi o caso do filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778),
figura marcante do Iluminismo francês e precursor do Romantismo – os
românticos, sobretudo os alemães, eram grandes andarilhos. Em suas Confissões,
disse Rousseau: “Só consigo meditar quando caminho. Minha mente só
trabalha junto com minhas pernas”. À obra (publicada postumamente) que
resume muito de sua biografia e de sua filosofia, Rousseau deu o título
de "Os devaneios do caminhante solitário" (Lês rêveries du promeneur
solitaire). Os dez capítulos são denominados promenades (caminhadas).
Finalmente,
temos um termo analisado tanto pelo poeta francês Charles Baudelaire
(1821-1867) como pelo escritor alemão Walter Benjamin (1892-1940).
Trata-se de flâneur, que vem do verbo flâner, vagar (em
português temos o galicismo flanar). O flâneur, do qual Benjamin era um
exemplo, vagava por Paris, observando o que se passava a seu redor, num
claro desafio à moral burguesa então vigente, que via isso como
vagabundagem. Uma vagabundagem da qual resultaram, contudo, textos
admiráveis.
Caminhar, como diz o escritor americano contemporâneo Gary Snyder, é a grande aventura.
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Fonte: http://luzecalor.blogspot.fr/
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