Thomaz Wood Jr.*
Jornalistas fazem um tour virtual pelos centros de dados da Google.
Foto: ©AFP / Karen Bleier
Adorno e Horkheimer consideravam a cultura popular uma fábrica para
produção de bens padronizados, destinados a gerar prazeres fáceis e
domesticar as massas. Pode-se imaginar o que pensariam sobre as mais
salientes indústrias criativas dos nossos tempos, organizadas em torno
da moda, da propaganda e dos videogames.
O fato é que a criatividade vem ganhando palco, plateia e subvenções
federais. E conquistou também a atenção do mundo corporativo. Afinal,
ela está no centro dos processos de concepção de inovações, é capaz de
parir novos produtos, originar novos negócios e gerar vultosos lucros
para as empresas.
Estudiosos do tema associam a criatividade ao estado de “fluxo”, uma
condição de total imersão na atividade criativa, caracterizada por uma
postura de entrega, pela automotivação e por um estado de perda da
autoconsciência. Neurocientistas têm realizado investigações com
instrumentistas de jazz e de outras formas musicais nas quais a
improvisação é dominante. Segundo as pesquisas, durante períodos de
improvisação criativa, há mudanças significativas na atividade cerebral.
Em certas condições, ações espontâneas ocorrem sem a interferência de
atividades de supervisão e controle. No cérebro, como nas empresas, a
criatividade não parece conviver bem com capatazes.
Os estudos indicam ser a criatividade uma condição mental
específica, na qual a atividade cerebral se reconfigura. Tal condição
permite à experiência interior e subjetiva do artista dar origem ao
estado de fluxo, que por sua vez produz uma atividade ou um resultado
criativo, algo novo, verdadeiro, único.
Teresa Amabile, professora da Harvard Business School, investiga há
décadas temas como criatividade individual, produtividade e inovação.
Seus estudos focam as características dos profissionais talentosos e as
condições ambientais necessárias para a criatividade se desenvolver.
Organizações com estruturas hierarquizadas, culturas organizacionais
coercitivas, chefes centralizadores e ambientes nos quais os
profissionais lutam entre si minam o trabalho criativo. Até aqui,
nenhuma novidade! A dificuldade é entender por que tantas empresas
insistem em extrair criatividade e inovações de funcionários sufocados
por modelos organizacionais rígidos e por chefes obcecados pelo
controle.
Curiosamente, mesmo companhias que supostamente vivem da criatividade
a tratam aos socos e pontapés. Uma pesquisa realizada por Alexandre
Romeiro, da FGV-Eaesp, orientado por este escriba, revelou a dura
realidade dos trabalhadores criativos. O autor entrevistou profissionais
de agências de publicidade, um caso exemplar de criatividade a serviço
das forças do mercado. As declarações colhidas ajudam a explicar o jogo
de pressões que impele a criatividade e, paradoxalmente, a restringe.
Romeiro aprofundou a trilha de pesquisa aberta por Amabile,
observando três fatores condicionantes da criatividade: a natureza
coletiva do trabalho, a pressão do tempo e a tensão entre a inovação e a
aceitação. O trabalho coletivo geralmente estimula a interação
criativa. No entanto, quando há competição excessiva entre pares e
grandes egos entram em conflito, então a criatividade sofre. A pressão
do tempo, um recurso sempre escasso, estabelece desafios e impele o
trabalho criativo. Contudo, o desafio perene de fazer mais com menos, as
múltiplas tarefas simultâneas e o permanente estado de caos das
empresas aumentam a transpiração e limitam a imaginação. A criatividade
viceja quando há espaço para o autor experimentar e trilhar novos
caminhos e inovar, produzir algo inédito. Entretanto, esbarra
frequentemente no conservadorismo, na inapetência para o novo, em chefes
conservadores e em clientes temerosos de ferir os padrões e contrariar
os bons costumes.
Nas agências de propaganda, provavelmente em outros setores também, a
criatividade vive na corda bamba. Romeiro constatou a precarização da
experiência criativa, pela organização (ou falta de organização) do
trabalho. Os vilões são a competição predatória entre profissionais e
entre equipes, o peso da burocracia, a má gestão do tempo e a ação
destemperada de capatazes. Ser criativo, mesmo em uma época que
supostamente celebra a inovação, continua a ser uma atividade incerta,
arriscada e frequentemente frustrante.
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* Thomaz Wood Jr. escreve sobre gestão e o mundo da administração.
thomaz.wood@fgv.br
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-criatividade-sitiada/?autor=14
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