Edgar Morin “mudou o meu modo de entender a vida, a cultura de uma maneira mais ampla”. Foram com estas palavras que o professor Edgard de Assis Carvalho (foto) iniciou a sua exposição, intitulada “O itinerário do pensamento de Edgard Morin”, no sábado, 13 de abril, nas dependências da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, em Curitiba. Para um público de mais de 120 pessoas, incluindo militantes de movimentos sociais e eclesiais, além de professores universitários, do ensino médio e de acadêmicos, Carvalho apresentou as principais intuições presentes em “O Método”, de Edgar Morin. Essa iniciativa inaugurou um Ciclo de Estudos que o Cepat/CJ-Cias, em parceria com a Pastoral da PUCPR, realizará ao longo dos próximos meses.
Edgar Morin possui uma obra gigantesca, trafegando por várias áreas do saber. São mais de 70 livros escritos, só os seis volumes de O Método já somam mais de 2.500 páginas de uma densa contribuição para o entendimento dos atuais desafios contemporâneos. Segundo Carvalho, um ciclo de estudo sobre o método deste autor é sempre um empreendimento de grande fôlego. O conjunto de sua obra busca entender o sentido da vida, da natureza, da ética.
Ao contrário da maioria dos intelectuais, que separa a vida das ideias, Morin sempre buscou ligar, integrar e não separar essas duas dimensões em seu itinerário intelectual. Sua formação sociológica não o impediu de transgredir as fronteiras disciplinares, fortemente rígidas no meio universitário. Inclusive, para Morin o intelectual é aquele que ousa sair da competência disciplinar, daí o seu amor pela literatura, cinema, artes, além do seu ingresso nas indagações da filosofia, biologia molecular, cibernética, entre outros. Em sua produção, multidisciplinaridade e transdiciplinaridade não são meros modismos discursivos, como alguns as incorporaram, mas condição para o saber, contribuindo para a superação dos limites impostos pelas classificações cartesianas.
Aqui, cabe uma rápida exposição, bastante incipiente, a respeito de algumas ideias de Morin, que estão presentes nos seis volumes de “O Método”, muito bem referenciadas pelo professor Edgard de Assis Carvalho:
Método I: A natureza da natureza
Neste volume, Morin reestabelece a dialogia entre a ordem e a desordem, abordando a temática da natureza. O mundo vivo é composto pela ordem, desordem, interação e organização. A natureza é viva e é necessário ter claro que o ser humano é parte dela, não está separado. A dualidade cartesiana não é capaz de explicar a unidade complexa da natureza. Morin retoma o tema da physis, no sentido grego, entendendo-a como uma espiral, em que o uno e o múltiplo caminham juntos, um está no outro. Daí, a necessidade de não simplificar, mas saber entender a complexidade das coisas.
Método II: A vida da vida
Aqui, o autor irá se debruçar sobre a teoria dos ecossistemas. Eles são vivos e integram a organização biológica no cosmológico. O mundo da vida está inserido no circuito da tetralogia: ordem, desordem, interação, organização.
Método III: O conhecimento do conhecimento
Para Morin, o fragmento é a barbárie do pensamento, assim, é preciso se livrar dessa camisa de força da fragmentação. O conhecimento joga luzes sobre os buracos negros, ainda insondáveis pelo ser humano. Ninguém sai impune de uma leitura, de um estudo. O conhecimento é uma modalidade de reorganização da consciência. É preciso levar em conta que, além de racional, lógico e dedutivo, o ser humano também é mítico, imaginário, sonhador.
Um alerta: o pior inimigo do conhecimento é a sua cristalização num paradigma. Para Morin, o pensamento complexo não deve se tornar um paradigma, pois poderia se restringir a preceitos, bases e fórmulas prontas que engessam o pensamento.
Método IV: As ideias
O mundo das ideias são as noosferas. A ideia é uma ideação do mundo sensível. O ser humano não deve se fechar num conjunto duro de representações, pois este paralisa o conhecimento. Os grandes pensadores sempre foram transdisciplinares, não ficaram engessados.
Método V: A humanidade da humanidade
Identidade é um conceito armadilha, podendo gerar intolerância. Identificar-se implica em se reconhecer como o outro, quando há uma radicalização nesta identificação, corre-se o risco de se criar ilhas de identidades, fronteiras de raça, de classe, etc. Para Morin, assim como o indivíduo está dentro da sociedade e de sua espécie, a sociedade e a espécie também estão dentro do indivíduo.
O autor também aponta para o quadrimotor: ciência, técnica, indústria (comércio, mercado) e Estado. Estes são responsáveis pela criação de muitos dos atuais mitos contemporâneos. O mundo contemporâneo não é o mundo da técnica, mas da grande técnica, que gerou imensas desigualdades. Vale à pena conferir as 12 perguntas que Morin faz aos leitores, e a si próprio, no final deste volume.
Método VI: Ética
Este é o menor volume de todos. Inicialmente, Morin não pensava em escrevê-lo, mas acabou se decidindo. A ética não possui área, daí a incongruência das diversas tentativas de éticas particulares, restritas. Para o autor, todo ato ético é um ato de religação com o outro. Como tudo o que é humano, a ética também possui as suas incertezas e contradições. É necessário refletir a respeito da autoética, da socioética e de uma antroética.
Esses seis volumes não precisam ser lidos de forma linear, pois todos estão intimamente entrelaçados. De modo geral, Morin estabelece uma guerrilha contra a fragmentação e a ampliação que faz do conceito de cultura contribui para isto. Cultura é a práxis humana em ação, assim, o cultural está imerso na economia, na política e nos demais âmbitos onde o ser humano atua, toma decisões, acontece, etc.
Ao final de sua fala, o professor Edgard de Assis Carvalho deixou a todos uma palavra de esperança. O importante é “não perder a força da esperança”. Mesmo com todos os problemas da vida universitária, Carvalho considera que “a universidade é uma esperança e a resposta que vem dos estudantes é muito estimulante”. Grande tradutor das obras de Morin, recentemente traduziu mais uma de suas obras: “A via para o futuro da humanidade”, publicada pela editora Bertrand Brasil. De fato, Morin é um intelectual de grande fôlego, como bem lembrou Carvalho, “mantém-se aos 92 anos como um garoto de 70”.
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Texto de Jonas Jorge da Silva - Cepat/CJ - Cias e fotos da Pastoral da PUCPR.
Fonte: IHU on line, 15/04/2013
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