quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Guerras de Obama

Newton Carlos*


O ex-presidente Bush, dos Estados Unidos, é um impetuoso. Ele próprio atribui a si tal condição. Já seu sucessor, Barack Obama, é metódico, evita tomar decisões enquanto não as considera suficientemente amadurecidas. Isso ficou mais uma vez claro com o cuidado dispensado à montagem de nova estratégia para o Afeganistão. Como candidato, ele se disse convencido de que o eixo central da luta contra o terrorismo está no Afeganistão; não no Iraque, onde os Estados Unidos têm tropas em número muito maior e é campo de luta com maior intensidade. Houve inclusive mudança de regime à força, com a derrubada da ditadura de Saddam Hussein, sem que o terrorismo sofresse abalo significativo em suas matrizes. Bin Laden continua à solta. Mas Obama não revelou o que faria se eleito.

No poder, tornou-se necessária uma definição. Os generais americanos se redobraram em pedidos de mais tropas. No âmbito do governo, formaram-se facções. A secretária de Estado, Hillary Clinton, e o chefe do Pentágono, Robert Gates, assumiram a defesa do envio de mais soldados, em combinação com ações “efetivas” (benfeitorias civis, não bombardear velhos, mulheres e crianças, treinar e equipar forças locais) de contrainsurgência, o velho sonho de conquista de mentes e corações que se tornou pesadelo no Vietnã. O governo afegão que acabe com a corrupção e treine de modo adequado suas forças de segurança. Os Estados Unidos ficariam com os encargos militares, mas contando com retaguarda segura e não mais tendo de sustentar um governo corrupto e impopular colocado em palácio por eles. Já o vice-presidente Joe Biden manifestou-se contra o reforço militar. Não é solução adequada, disse ele.

Não seja um presidente “de guerra”, pediu em carta aberta a Obama o cineasta e ativista político Michael Moore, realizador de documentário ganhador do Oscar. Mostra imagens históricas, de Bush sem saber o que fazer diante dos atentados de 11 de setembro. A iniciativa de Moore tem forte repercussão em segmentos importantes da base popular de Obama. O próprio presidente americano ficou contra “soluções velhas” em discurso na convenção de 2008 do Partido Democrata. Referiu-se, embora sem citá-lo, ao fato de que o envio de mais tropas (500 mil ao todo) não impediu o desastre no Vietnã. Também há um comportamento cada vez mais hesitante de aliados importantes. Caso da Inglaterra, que tem o segundo maior contingente no Afeganistão e também no Iraque. A Alemanha ignorou o pedido dos Estados Unidos de mais soldados e procura deslocar para áreas seguras os que estão lá.

Mais de 70% dos americanos consideram que não há como triunfar militarmente no Afeganistão, embora o contingente do país já seja 12 vezes maior do que o número de guerrilheiros islâmicos. O próprio primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, entrou em campo, manifestando falta de confiança sobre uma retaguarda segura no Afeganistão. Ampla maioria dos ingleses ficou contra os envios de tropas já feitos e sobretudo de despachos de mais tropas. Brown falou claramente de corrupção no governo afegão, criação dos americanos. As insatisfações invadem âmbitos oficiais. Um ex-embaixador da Inglaterra na ONU declarou que a invasão do Iraque foi ilegal porque não teve o aval do Conselho de Segurança. Um ex-secretário-geral da ONU já tinha dito o mesmo, mas agora se trata de manifestação com tons de oficialidade.

Mais soldados serão mais alvos, disse um comandante talibã. Os guerrilheiros islâmicos, no entanto, fizeram circular pela internet uma declaração dizendo que eles não são ameaça ao Ocidente. Querem apenas retomar o poder no Afeganistão, de onde foram expulsos pelos americanos por acobertarem Bin Laden e sua Al Qaeda. Agora tratam de dissociar-se dos responsáveis pelos atentados de 11 de setembro, sem abaixar a crista. Especialistas do Ocidente dizem que a ameaça real está no Paquistão, onde os talibãs contam com cobertura em áreas tribais onde tropas do governo paquistanês travam guerra cruenta, mas invisível. O Paquistão tem armas nucleares e há insegurança quanto aos que as controlam. O presidente passou ao primeiro-ministro a autoridade para empregá-las. Formalidade inútil. Os controladores de fato são os militares, que já transaram com guerrilheiros islâmicos em luta contra a Índia na Cachemira.
*Jornalista
FONTE: Correio Braziliense online - 02/12/2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário