quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A culpa é dos inimigos

Marcos Coimbra*

Será que algum político acredita mesmo que sua cantilena sobre os “inimigos” e “as motivações eleitorais” funciona? Será que imagina que convence uma população tão acostumada a conviver com a corrupção como fenômeno habitual? (…) Na verdade, nada funciona quando se é pego com a boca na botija. As pessoas falam por falar, querendo se convencer de que estão ainda vivas.

Sempre que um político é denunciado por fazer algo errado, a primeira resposta que ele dá é que tudo não passa de “intriga da oposição”. Do grande ao pequeno, do presidente da República ao vereador do interior, todos repetem a mesma coisa. Quando a acusação é de corrupção, aí que eles se agarram a ela com unhas e dentes.

Nela, o conteúdo do que está sendo denunciado passa a ser secundário. Mais importante se torna a “motivação” do denunciante. Sua intenção é que mereceria avaliação, não aquilo que afirma.

Às vezes, ela é usada com o argumento da aproximação do “período eleitoral”. Nessa versão, a denúncia se explicaria pela hora em que ocorre. É como se bastasse lembrar que determinada eleição está prestes a acontecer para desqualificar o que é cobrado do denunciado.

Esse modo de reagir não é privilégio de democracias imaturas como a nossa. O noticiário internacional vive cheio de situações parecidas, mostrando que elas independem do grau de consolidação e de institucionalização de um sistema político.

É tentador dizer, em função disso, que o mal é dos políticos, esse tipo de gente tão peculiar. Em qualquer lugar do mundo, eles seriam iguais.

Talvez, mas existem aspectos da questão que são próprios a cada país, que nada, portanto, têm a ver com os atributos universais do gênero humano. No Brasil de hoje, por exemplo, ela tem particularidades bem relevantes.

Não se vive sem custo a falta de democracia por longos anos. Mesmo que já estejam distantes, ainda está presente em nossa cultura algo que se poderia chamar de “desconfiança básica” em relação aos políticos, uma suposição, compartilhada por muitas pessoas, de que, quem sabe, eles seriam dispensáveis. Em países cuja trajetória não foi marcada por tantas interrupções autoritárias, manifestações como essa são raras. Aqui, lamentavelmente, nem tanto.

Nossas instituições, aos olhos do cidadão comum, não são capazes de enfrentar os problemas que o funcionamento do sistema político provoca. Se a natureza humana faz com que sentimentos como a cobiça e a ambição de enriquecer, por exemplo, surjam entre os políticos, o desafio não é impedir que ocorram, mas responder com rapidez a cada vez que se manifestam. O grave é que ninguém acredita que o sistema consegue isso.

Ao longo dos últimos anos, foram realizadas inúmeras pesquisas sobre a corrupção e o modo como é percebida pela opinião pública. Afinal, ela é uma das características mais marcantes de nossa realidade política pós-redemocratização, com momentos de intenso drama (incluindo um impeachment presidencial) e outros de pura comédia pastelão. Em 2005, passamos quase um ano às voltas com o tema.

Será que algum político acredita mesmo que sua cantilena sobre os “inimigos” e “as motivações eleitorais” funciona? Será que imagina que convence uma população tão acostumada a conviver com a corrupção como fenômeno habitual?

Até o eleitor mais ingênuo sabe a diferença que existe entre a luta política do dia a dia e uma denúncia para valer. A começar pela reação do denunciado: se a acusação é “normal”, ele nem insinua que é “intriga da oposição”. O argumento só é invocado em desespero de causa, quando o mundo está desabando.

Na hora em que a eleição de fato começa, os eleitores esperam que o tom das campanhas suba, especialmente com acusações contra o candidato que está na frente. Eles estão vacinados contra elas e sabem que têm que ouvi-las dando-lhes o devido desconto. Antes desse momento, defender-se dizendo que “as próximas eleições são as culpadas” não cola.

Na verdade, nada funciona quando se é pego com a boca na botija. As pessoas falam por falar, querendo se convencer de que estão ainda vivas.

*Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
FONTE: http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/ 02/12/2009

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