terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Santos e pecadores

JOÃO PEREIRA COUTINHO*

Não se pode transformar o aquecimento global em uma nova religião

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SOU ALTAMENTE suspeito. Aquecimento global? Talvez exista. Cientistas vários garantem que o mundo aqueceu 0,5ºC desde 1975. Não duvido. Como não duvido que o mundo arrefeceu entre 1940 e 1975. Como não duvido que aqueceu entre 1920 e 1940. Como não duvido que arrefeceu, e arrefeceu brutalmente, entre os séculos 17 e 18. Como não duvido que aqueceu no século 11, proporcionando um período de verdadeira explosão demográfica, econômica e técnica na Idade Média que só seria repetida com a Revolução Industrial. E daí?

Variações climatéricas fazem parte da nossa história na Terra. Aliás, da nossa Pré-História. A questão está em saber se o aquecimento global é produto da ação humana e, em caso afirmativo, se repousa nas mãos dos homens a chave para salvar a nossa vida coletiva.

Acompanho os debates. Leio com interesse. Pondero. Uma única certeza: não existem certezas. E é literalmente impossível avaliar a real contribuição do homem para as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera (a natureza, por exemplo, é responsável pela maior parcela de emissões).

A juntar a tudo isso, alguns cientistas garantem que a atividade solar, variável em sua intensidade cíclica, tem uma palavra sobre o assunto. E não é de excluir que a estabilização da temperatura desde o início do presente século (um desconfortável mistério que tem dividido a comunidade científica) seja resultado direto dessas variações. Que fazer?

Um conselho: não transformar o aquecimento global em nova religião da humanidade. Não é fácil, eu sei: com o declínio das teologias tradicionais no Ocidente cristão, os homens sempre se apressaram a preencher o vazio ideológico com causas redentoras.

O marxismo foi uma delas, com a sua promessa de substituir o reino de Deus pelo reino do Proletariado.

Com a falência da utopia vermelha, veio a utopia verde. E com vantagens: o aquecimento global oferece, em linguagem "científica", algumas das pragas bíblicas mais entranhadas na consciência comum. Basta ouvir os catastrofistas para imaginar glaciares que derretem, águas que sobem. Só falta mesmo Noé e a arca.

O meu conselho final seria deixar para a ciência uma discussão que é sobretudo científica. Acontece que a ciência dá sinais de manipulação e fraude. No momento em que o mundo se prepara para discutir o futuro do clima em Copenhague, o sistema informático da Universidade de East Anglia foi atacado por "hackers" que divulgaram na internet cerca de mil e-mails e 3.000 documentos da reputada Unidade de Pesquisa do Clima.

Esclarecimento prévio: a Unidade de Pesquisa do Clima de East Anglia é o centro nevrálgico da discussão climatérica atual. É com base nas suas "pesquisas" e "projeções" que o aquecimento global entrou na agenda política das Nações Unidas e dos 192 países que se irão encontrar na capital da Dinamarca.

Infelizmente, as revelações são assustadoras (para dizer o mínimo).

Lendo os e-mails, cuja autenticidade não foi desmentida, encontramos "cientistas" que, em nome da sua "cruzada" (uso o termo no sentido próprio), manipulavam os dados para garantir um quadro de indesmentível aquecimento; que recusavam o acesso de outros cientistas às suas investigações (alegando, por vezes, perda ou destruição de dados); e que conspiravam para impedir a publicação de ensaios "céticos" sobre o aquecimento global em revistas da especialidade.

Todos sabemos que os cientistas não são santos, como dizia Marcelo Leite nesta Folha. Fato. Mas existe uma diferença entre não ser santo e pertencer à família Soprano.

E agora? Agora, o mundo prepara-se para reunir em Copenhague e garantir uma redução de 50% nas emissões de CO2 até 2050, tendo como referência os valores anteriores a 1990.

Não vale a pena repetir as consequências econômicas desastrosas que uma medida dessas teria para todos os envolvidos, e em especial para os países em vias de desenvolvimento: o uso de energias mais caras e "limpas" condenaria largas parcelas da humanidade a novos ciclos de pobreza, fome e doença.

O problema é mais básico e urgente: confrontados com um escândalo científico dessa proporção, qualquer decisão política e econômica sobre o aquecimento global antropogênico não pode ser tomada com base em falsidades.

Antes de limpar o mundo, o mundo deveria exigir que os cientistas limpassem as suas cabeças primeiro. P.S. O colunista vai de férias em dezembro. Regressa dia 5 de janeiro.
*Colunista da Folha - jpcoutinho@folha.com.br  
FONTE: Folha online - 01/12/2009

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