Os alemães, enquanto identidade nacional,
ou as populações de língua
alemã, em um contexto mais cultural, têm uma ligação histórica muito
forte e antiga
com os brasileiros e o Brasil.
Historiador gaúcho, Rodrigo Trespach se debruça sobre a história da imigração alemã para escrever seus livros. O último deles, O lavrador e o sapateiro,
remonta, por meio da tradição oral, um pouco do que foi a colônia alemã
de Três Forquilhas. Para tal feito, ele nos mostra duas histórias: uma
delas é a de dois imigrantes alemães, um lavrador e outro sapateiro, que
após virem para o Brasil falidos, inventam uma história sobre serem
descendentes da realeza alemã. A outra é sobre uma troca de esposas que
foi feita entre dois colonos, o negócio ainda envolveu uma porca, uma
gamela e um saco de batatas. O historiador nos mostra, de maneira
legítima, a origem e o passado de uma das imigrações mais impactantes
para o país.
O lavrador e o sapateiro é uma obra que remonta o passado da imigração alemã. Como você chegou a esse tema?
O lavrador e o sapateiro é uma obra que remonta o passado da imigração alemã. Como você chegou a esse tema?
Me
dedico ao tema desde o meu primeiro livro, Passageiros no Kranich. E
antes disso levei quase dez anos pesquisando para publicar o trabalho.
Foi um projeto pessoal, de interesse familiar, não tinha ideia de
escrever e publicar livros, isso foi uma conseqüência natural. O
Lavrador e o sapateiro é o resultado de todos esses anos de contato com
histórias da imigração alemã, mas não é só isso, além das histórias o
livro faz reflexões sobre a memória e sua relação com os relatos orais e
a literatura.
Qual a importância de retratar a imigração alemã para os brasileiros?
Os alemães, enquanto identidade nacional, ou as populações de língua alemã, em um contexto mais cultural, têm uma ligação histórica muito forte e antiga com os brasileiros e o Brasil. Muito maior do que o popularmente se imagina ou a mídia costuma apresentar. 255 mil alemães vieram como colonos para o Brasil. É um número considerável de pessoas que ajudaram a construir o que somos hoje como país. Então, há muitas histórias comuns entre alemães e brasileiros. Essas histórias precisam ser contadas, com todos os seus erros e acertos. Acho que a Segunda Guerra, de certa forma, deixou essa relação histórica um pouco apagada, infelizmente. O brasileiro associa a presença alemã hoje quase que somente a Oktoberfest, um legado que nem veio com os imigrantes. A relação histórica Brasil Alemanha é muito maior do que isso.
Você propõe como recorte a colônia alemã de Três Forquilhas, qual é a sua relevância para a história da imigração alemã no Brasil?
Três Forquilhas, assim como São Leopoldo, fez parte do primeiro projeto organizado pelo governo imperial brasileiro para criar colônias agrícolas no país, baseadas no minifúndio, com mão de obra livre. Mas a história dela é totalmente diferente de São Leopoldo, que é muito mais conhecida e badalada. Do ponto de vista prático, Três Forquilhas não deu certo. Ao menos não deu ao governo a resposta que São Leopoldo deu em um espaço curto de tempo. E por uma série de fatores ela foi marginalizada pela historiografia da imigração; quase que esquecida. Até 20 anos atrás havia muito pouca coisa publicada a seu respeito, a maioria dos historiadores não se detinha muito no assunto. Por que escrever sobre algo que não deu certo? Hoje se pensa diferente, há uma tentativa de entender o processo histórico sem preconceitos.
Qual é a peculiaridade da colônia? Qual é o diferencial dela em relação às outras fundadas no Brasil?
O governo dividiu os colonos em dois grupos, conforme o credo. Três Forquilhas é o nome que se deu à colônia protestante (evangélicos luteranos). O grupo católico formou outra colônia, um pouco afastada. Esse é um procedimento que não ocorreu em muitos outros lugares. Esse é um diferencial importante, já que o projeto de imigração nunca diferenciou os credos, apenas exigia que os colonos fossem cristãos. Agora, o império era oficialmente católico e aos protestantes não se permitia exteriorizar sua fé. As igrejas, por exemplo, não podiam ter torres ou cruzes.
Como você buscou se utilizar da tradição oral para fazer um retrato histórico?
Normalmente os historiadores oralistas trabalham com temas modernos; o período da ditadura no Brasil, a luta sindical, sobreviventes do holocausto, etc. O espaço de tempo entre o fato histórico narrado e o historiador é relativamente pequeno. Segui um caminho um pouco diferente, porque o espaço de tempo é bem maior; os colonos alemães chegaram ao litoral gaúcho em 1826. Além das entrevistas com os descendentes – a memória coletiva, trabalhei com os relatos orais que foram publicados entre as décadas de 1950 e 1990 por três pastores luteranos que atuaram na região, Augusto Ernesto Kunert, Ernesto Fischer e Elio Eugenio Müller. Os três escreveram contos e narrativas históricas sobre a colônia com base no contato e nas experiências que tiveram com os netos e até com filhos de alguns dos primeiros colonos.
Para você, um historiador, além da questão da menor credibilidade documental, qual seria o maior desafio de lidar com a tradição oral?
A história oral é mais bem vista hoje do que há 20 anos. Mas ainda existe, sim, por parte de alguns historiadores, preconceito e certo dilema quanto à utilização da oralidade como documento, principalmente devido às discussões acerca da técnica e da metodologia. A subjetividade seria o grande problema. Mas o documento escrito também é subjetivo. O que se escolhe por no papel é subjetivo. As histórias que lembramos não são representações exatas do passado, mas nuances dele. São lembranças que se ajustam às nossas aspirações atuais. E a tradição oral é o processo pelo qual essas histórias são transmitidas de uma geração à seguinte. É justamente este processo de transmissão, ligado à experiência subjetiva, o algo a mais nos relatos orais. Costumo dizer que a História é formada de eventos peculiares, mesmo que, às vezes, pouco conhecidos e, na maioria das vezes, sem uma justificativa racional.
Qual você acredita que seja a importância dessas histórias orais para a formação da identidade da região?
O imaginário popular é a própria identidade de uma comunidade. Na criação dos mitos está a base na qual a sociedade se sustenta; o que ela acredita ser o certo e o errado, o que seria o ideal e o abominável. Acho que O lavrador e o sapateiro abordou bem isso. As duas histórias escolhidas para a reflexão sobre a tradição oral exemplificam a formação dessa identidade.
Qual seria a influência desses mitos na literatura brasileira, principalmente na que vem proveniente do Rio Grande do Sul?
É interessante. A literatura busca na história a fonte e a base para sua liberdade de expressão, e a história, ao contrário, tenta desmascarar o mito criado pela literatura. É uma relação entre o real e o imaginário e que, às vezes, o leitor não sabe diferenciar; ele simplesmente vive a história. A imigração alemã foi tema para grandes escritores gaúchos. Ela foi retratada por Viana Moog, em Um rio imita o Reno, por Josué de Guimarães, em A ferro e fogo, por Assis Brasil, em Videiras de cristal, e até mesmo pelo Erico Veríssimo, em O tempo e o vento; para mencionar alguns.
Na atualidade, como você vê a influência desse passado de colonização alemã no Brasil?
Alguns núcleos alemães no Brasil são realmente muito fortes, alguns mantiveram a língua alemã quase como língua única até bem pouco tempo. Mas tudo está relacionado ao processo histórico pela qual passaram. Em alguns núcleos a presença alemã foi quase que apagada. Outros mantiveram e continuam a explorar essa identidade alemã até hoje. Para os primeiros, as novas gerações é quem têm procurado resgatar o passado. É uma busca por uma identidade própria em um mundo cada vez mais globalizado, uniforme. Uma influência muito grande que vem desde os tempos da imigração é a presença da igreja luterana. É uma história que é própria, apesar de a igreja ser aberta a todos os brasileiros e estar presente mesmo onde não houve presença germânica, ela ainda hoje é associada aos descendentes de alemães. Isso foi trazido pelos colonos.
O Brasil é o país da diversidade, por conta de seu passado de imigrações. Que característica você enxerga nos brasileiros que podem ser atribuídas à influência alemã no país?
O Brasil é um país continental, nem todos os estados tiveram a presença alemã. E mais do que a etnia, o que conta é como e com que propósito os colonos se estabeleceram. Apesar das dificuldades iniciais, os alemães fizeram parte de um projeto de povoamento, ganharam terras, sementes, ferramentas e subsídios para criarem os primeiros núcleos, não há como compará-los com etnias ou culturas que não tiveram o mesmo privilégio. Partindo dessa ideia, muito do que se vê hoje no país quanto à desigualdade social está ligado a esse processo histórico, daí que nos estados do sul, com forte presença germânica a educação, por exemplo, é melhor do que no nordeste, onde o processo de formação foi de exploração das populações locais. As causas e as consequências dessas políticas imigratórias são bastante complexas. Não somos um povo homogêneo. Acho que é isso que faz o Brasil ser um país tão interessante culturalmente.
Qual a importância de retratar a imigração alemã para os brasileiros?
Os alemães, enquanto identidade nacional, ou as populações de língua alemã, em um contexto mais cultural, têm uma ligação histórica muito forte e antiga com os brasileiros e o Brasil. Muito maior do que o popularmente se imagina ou a mídia costuma apresentar. 255 mil alemães vieram como colonos para o Brasil. É um número considerável de pessoas que ajudaram a construir o que somos hoje como país. Então, há muitas histórias comuns entre alemães e brasileiros. Essas histórias precisam ser contadas, com todos os seus erros e acertos. Acho que a Segunda Guerra, de certa forma, deixou essa relação histórica um pouco apagada, infelizmente. O brasileiro associa a presença alemã hoje quase que somente a Oktoberfest, um legado que nem veio com os imigrantes. A relação histórica Brasil Alemanha é muito maior do que isso.
Você propõe como recorte a colônia alemã de Três Forquilhas, qual é a sua relevância para a história da imigração alemã no Brasil?
Três Forquilhas, assim como São Leopoldo, fez parte do primeiro projeto organizado pelo governo imperial brasileiro para criar colônias agrícolas no país, baseadas no minifúndio, com mão de obra livre. Mas a história dela é totalmente diferente de São Leopoldo, que é muito mais conhecida e badalada. Do ponto de vista prático, Três Forquilhas não deu certo. Ao menos não deu ao governo a resposta que São Leopoldo deu em um espaço curto de tempo. E por uma série de fatores ela foi marginalizada pela historiografia da imigração; quase que esquecida. Até 20 anos atrás havia muito pouca coisa publicada a seu respeito, a maioria dos historiadores não se detinha muito no assunto. Por que escrever sobre algo que não deu certo? Hoje se pensa diferente, há uma tentativa de entender o processo histórico sem preconceitos.
Qual é a peculiaridade da colônia? Qual é o diferencial dela em relação às outras fundadas no Brasil?
O governo dividiu os colonos em dois grupos, conforme o credo. Três Forquilhas é o nome que se deu à colônia protestante (evangélicos luteranos). O grupo católico formou outra colônia, um pouco afastada. Esse é um procedimento que não ocorreu em muitos outros lugares. Esse é um diferencial importante, já que o projeto de imigração nunca diferenciou os credos, apenas exigia que os colonos fossem cristãos. Agora, o império era oficialmente católico e aos protestantes não se permitia exteriorizar sua fé. As igrejas, por exemplo, não podiam ter torres ou cruzes.
Como você buscou se utilizar da tradição oral para fazer um retrato histórico?
Normalmente os historiadores oralistas trabalham com temas modernos; o período da ditadura no Brasil, a luta sindical, sobreviventes do holocausto, etc. O espaço de tempo entre o fato histórico narrado e o historiador é relativamente pequeno. Segui um caminho um pouco diferente, porque o espaço de tempo é bem maior; os colonos alemães chegaram ao litoral gaúcho em 1826. Além das entrevistas com os descendentes – a memória coletiva, trabalhei com os relatos orais que foram publicados entre as décadas de 1950 e 1990 por três pastores luteranos que atuaram na região, Augusto Ernesto Kunert, Ernesto Fischer e Elio Eugenio Müller. Os três escreveram contos e narrativas históricas sobre a colônia com base no contato e nas experiências que tiveram com os netos e até com filhos de alguns dos primeiros colonos.
Para você, um historiador, além da questão da menor credibilidade documental, qual seria o maior desafio de lidar com a tradição oral?
A história oral é mais bem vista hoje do que há 20 anos. Mas ainda existe, sim, por parte de alguns historiadores, preconceito e certo dilema quanto à utilização da oralidade como documento, principalmente devido às discussões acerca da técnica e da metodologia. A subjetividade seria o grande problema. Mas o documento escrito também é subjetivo. O que se escolhe por no papel é subjetivo. As histórias que lembramos não são representações exatas do passado, mas nuances dele. São lembranças que se ajustam às nossas aspirações atuais. E a tradição oral é o processo pelo qual essas histórias são transmitidas de uma geração à seguinte. É justamente este processo de transmissão, ligado à experiência subjetiva, o algo a mais nos relatos orais. Costumo dizer que a História é formada de eventos peculiares, mesmo que, às vezes, pouco conhecidos e, na maioria das vezes, sem uma justificativa racional.
Qual você acredita que seja a importância dessas histórias orais para a formação da identidade da região?
O imaginário popular é a própria identidade de uma comunidade. Na criação dos mitos está a base na qual a sociedade se sustenta; o que ela acredita ser o certo e o errado, o que seria o ideal e o abominável. Acho que O lavrador e o sapateiro abordou bem isso. As duas histórias escolhidas para a reflexão sobre a tradição oral exemplificam a formação dessa identidade.
Qual seria a influência desses mitos na literatura brasileira, principalmente na que vem proveniente do Rio Grande do Sul?
É interessante. A literatura busca na história a fonte e a base para sua liberdade de expressão, e a história, ao contrário, tenta desmascarar o mito criado pela literatura. É uma relação entre o real e o imaginário e que, às vezes, o leitor não sabe diferenciar; ele simplesmente vive a história. A imigração alemã foi tema para grandes escritores gaúchos. Ela foi retratada por Viana Moog, em Um rio imita o Reno, por Josué de Guimarães, em A ferro e fogo, por Assis Brasil, em Videiras de cristal, e até mesmo pelo Erico Veríssimo, em O tempo e o vento; para mencionar alguns.
Na atualidade, como você vê a influência desse passado de colonização alemã no Brasil?
Alguns núcleos alemães no Brasil são realmente muito fortes, alguns mantiveram a língua alemã quase como língua única até bem pouco tempo. Mas tudo está relacionado ao processo histórico pela qual passaram. Em alguns núcleos a presença alemã foi quase que apagada. Outros mantiveram e continuam a explorar essa identidade alemã até hoje. Para os primeiros, as novas gerações é quem têm procurado resgatar o passado. É uma busca por uma identidade própria em um mundo cada vez mais globalizado, uniforme. Uma influência muito grande que vem desde os tempos da imigração é a presença da igreja luterana. É uma história que é própria, apesar de a igreja ser aberta a todos os brasileiros e estar presente mesmo onde não houve presença germânica, ela ainda hoje é associada aos descendentes de alemães. Isso foi trazido pelos colonos.
O Brasil é o país da diversidade, por conta de seu passado de imigrações. Que característica você enxerga nos brasileiros que podem ser atribuídas à influência alemã no país?
O Brasil é um país continental, nem todos os estados tiveram a presença alemã. E mais do que a etnia, o que conta é como e com que propósito os colonos se estabeleceram. Apesar das dificuldades iniciais, os alemães fizeram parte de um projeto de povoamento, ganharam terras, sementes, ferramentas e subsídios para criarem os primeiros núcleos, não há como compará-los com etnias ou culturas que não tiveram o mesmo privilégio. Partindo dessa ideia, muito do que se vê hoje no país quanto à desigualdade social está ligado a esse processo histórico, daí que nos estados do sul, com forte presença germânica a educação, por exemplo, é melhor do que no nordeste, onde o processo de formação foi de exploração das populações locais. As causas e as consequências dessas políticas imigratórias são bastante complexas. Não somos um povo homogêneo. Acho que é isso que faz o Brasil ser um país tão interessante culturalmente.
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Reportagem por:
Renata Vomero /
09/10/2013
Fonte: http://www.revistadacultura.com.br/
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