Noemi Jaffe*
Com todos os componentes, a linguagem, a tipografia e até o design
gráfico da capa correspondentes a uma investigação policial, o livro
"Quem Matou a Criatividade?", de Andrew Grant e Gaia Grant (com dr.
Jason Gallate) - e por algum motivo inexplicável diversos livros de
autoajuda são escritos por vários autores -, promete conduzir o leitor
pelos meandros de uma apuração: quem foi o assassino, quais foram os
locais do assassinato e as possíveis causas da morte da criatividade.
Mas que o leitor não fique decepcionado apenas com os elementos próprios
de um investigador de polícia, pois o livro vai além. Ele também
oferece soluções para que não haja mais assassinatos. Que alívio!
Bem, vamos para os assassinos e os locais da morte da criatividade: o
controle, o medo, a pressão, o isolamento, a apatia, a mentalidade
estreita e o pessimismo são os responsáveis. Os lugares onde os
assassinatos ocorrem são: o escritório do chefe, a sala da diretoria, as
finanças ou a contabilidade, as salas dos executivos, a pesquisa e
desenvolvimento (aqui não sei se é a sala de pesquisa ou se é a própria
pesquisa), as vendas e marketing (idem), a cafeteria, a sala de aula ou o
espaço de leitura e, pasmem, o playground.
As etapas necessárias para que não ocorram mais mortes são: a
liberação, a iniciação, a motivação e a transformação. Como? Com
liberdade, coragem, independência, abertura, paixão, flexibilidade e
positividade. E onde? Você por acaso teve a ousadia de achar que os
locais são algo como a casa, a praça ou a rua? Não, de forma alguma! Que
falta de criatividade! Os locais são exatamente os mesmos da etapa
anterior: a sala do chefe, os escritórios etc.
Se você ainda não percebeu, a investigação rigorosa sobre o
assassinato da criatividade tem, por objetivo máximo e por que não
dizer, único, recuperá-la para fins de melhor rendimento criativo do
executivo.
Paradoxo fundamental número um da ausência de criatividade: quando se
ambiciona a criatividade, ela costuma se retrair. Paradoxo fundamental
número dois: quando se deseja utilizar a criatividade para fins
específicos e utilitários, ela se ofende e se retrai. Ela não está
interessada em ser direcionada. E, finalmente, paradoxo número três:
ela, a criatividade, não existe em si mesma. Não é algo que se obtenha,
como uma propriedade. Ela e o indivíduo são os mesmos, em permanente
fluxo e mutação.
Que se queira proceder à análise da desaparição da criatividade nos
negócios como uma investigação policial já é, em si mesmo, um
assassinato da imaginação. Que ainda se classifiquem as causas e os
locais e se proponham soluções, acima de tudo com vistas a um melhor
aproveitamento profissional da criatividade, eu diria que é a própria
proposta de extermínio do sujeito criativo.
Enquanto os livros de autoajuda, as empresas e os executivos não
entenderem que a mente não é um arquivo dividido em gavetas e escaninhos
e que as habilidades humanas não são classificáveis nem investigáveis
como os autos de um inquérito, não haverá reparo possível para a
anestesia geral do comportamento. Enquanto a criatividade for
compreendida como algo que serve a uma finalidade - especialmente
visando ao lucro -, ela (que não existe por si mesma) não se
manifestará. E não se engane. Se ela aparecer, se o livro funcionar, é
porque ocorreu o fracasso criativo. O sucesso da criatividade como
resultado é a sua derrota.
"Quem Matou a Criatividade? O Assassino Está por Perto".
Andrew Grant e Gaia Grant (com dr. Jason Gallate).
Trad.: Silvio Floreal de Jesus Antunha.
Saraiva, 312 págs.,
R$ 34,90
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* Noemi Jaffe é doutora em literatura brasileira pela USP e autora de "Quando Nada Está Acontecendo" (Martins Editora)
E-mail: noejaffe@gmail.com
Fonte: Valor Econômico on line, 18/10/2013
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