domingo, 13 de outubro de 2013

Só vale se for bem feito

Aos 63 anos, Serginho Groisman, apresentador e torcedor fanático do Corinthians, sabe muito bem separar as horas de trabalho na Rede Globo com o tempo de lazer. Sim, televisão é muito importante, mas ir a cinema, shows, jogos de futebol e ler tem o mesmo peso que o trabalho. Seu interesse pela comunicação foi despertado pelo cinema, quando, ainda na infância, ele pedia à mãe que o levasse às sessões da tarde para que pudesse tornar mais real o sonho de entrar na tela e viver as histórias das películas. Na juventude, a vocação de comunicador cultural começou a se firmar no Colégio Equipe, no qual ele organizou shows dos maiores nomes da música popular nos anos 1970. Naquele período, deu incontáveis caronas em seu fusquinha para ídolos e acumulou histórias com nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Cartola e Nélson Cavaquinho, que ele pretende contar em livro ou documentário. Hoje, lembra sem saudades dos tempos de repressão, quando chegou a usar o nome falso de Nelson para viver um dia na clandestinidade contra o regime militar.

Formado em jornalismo, sua segunda opção acadêmica (a primeira era o cinema, além de ter iniciado os cursos de direito e de história), tem mais de 30 anos de carreira, na maior parte trabalhando com um público jovem. Serginho escolhe como a maior mulher da TV brasileira a apresentadora Hebe Camargo, a quem ele credita sua ida para o SBT, nos anos 1990. Entre os ídolos masculinos, o criador do clássico bordão “Fala, garoto” elege empatados entre Abelardo Barbosa, o Chacrinha, e Silvio Santos, seu ex-patrão e de quem ele, por curiosidade, chegou a puxar os cabelos na primeira conversa que tiveram.

Serginho, que participou de passeatas durante a ditadura na década de 1970, enxerga diferenças entre os protestos daquele tempo e as manifestações que ocorreram neste ano, algumas delas, inclusive, contra a TV Globo, onde trabalha há 14 anos. Sem traçar planos para o futuro, ele mesmo diz preferir usar o clichê “o que estou fazendo agora quero fazer bem feito”, sem deixar de alertar que a televisão precisa se reinventar para sobreviver.

Você coordenou o centro cultural do Colégio Equipe nos anos 1970 e tem vontade de fazer um documentário ou livro que trace um perfil do que foi aquela época. Em que pé está esse projeto? Ele está parado. Ou melhor, não é que está parado. Ele teve dois inícios. O problema todo é que não existe nada documentado em áudio e vídeo. Eu gravava em áudio, que se perdeu. Em imagem, só vai ter foto, todos os alunos tiravam foto naquela época, tinha até uma aula de fotografia. Então é mais possível que vire um livro, se bem que o documentário, apesar de não ter os vídeos, há o depoimento dessas pessoas que ainda estão vivas, que participaram lá. Tem Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos, Hermeto Pascoal, o primeiro show do João Bosco, primeiro show do Gonzaguinha, da Elba Ramalho, do Fagner. A ideia é pegar esses anos 1970 e não ficar no Equipe; mostrar o que acontecia no Brasil e que refletia lá. Lembro que teve o ato na Igreja da Sé, pelo Vladimir Herzog, o ato ecumênico, feito pelo Dom Paulo [Evaristo Arns] e pelo [Henry] Sobel. A gente saiu do Equipe em uma passeata. Lembro do dia em que o Allende caiu e como isso refletia na escola, de quando vários alunos foram pegos dentro da sala de aula e torturados. Então, a ideia é fazer um panorama dos anos 1970 a partir dessa coisa cultural e política. Dentro do Equipe, tinha os caras que iriam fundar o PT, os playboys, os maconheiros e LSDs...  Como eu navegava lá, me deu um pouco desse respeito que eu tenho com as diferenças, sabe? Tenho muito claro que foi lá que aprendi a conviver com pessoas que pensavam diferente, mas que sabiam também conviver entre elas no mesmo espaço.

E você vê isso com os jovens de hoje? A questão dos anos 1970 era um pouco diferente, porque você só tinha duas possibilidades, não tinha outra: ou você era a favor ou você era contra a ditadura. Acho que hoje tem uma fragmentação muito grande, muito melhor do que viver em uma ditadura, quando um cara amigo seu pode sumir. Eu mesmo vivi momentos de andar com uma trouxinha de roupa, porque todos os meus amigos da escola tinham sido presos e eu ainda liderava, coordenava um centro cultural que passava filmes que não podia passar. Me remeto a esse tempo como uma referência de um início. Claro que, antes disso, eu estudava em um colégio judeu que não estimulava a discussão, e ia sozinho atrás das passeatas, porque eram publicadas no jornal antes do AI-5: “Amanhã vai ter passeata na Praça da República”. E, em uma dessas passeatas, encontrei um amigo que não encontrava há muito tempo. Ele perguntou se eu não queria entrar na clandestinidade, me deu um endereço e fui lá. Primeiro, falaram que meu nome era Nelson, por motivos de segurança, e aí fomos panfletar e perguntei que grupo que era, e eles disseram que não podiam falar. Então disse: “Não quero saber!” Existiam 200 grupos, não sabia se era guerrilha armada, se era um grupo de discussão, não sabia nada. Fiquei um dia só, como Nelson.




Em relação ao papo com o jovem, mudou alguma coisa desde quando você começou?
 
 
 

Tenho dois modos de ver isso. Um, que é aqui [no programa]. E outro, que é nas palestras que faço. São coisas muito diferentes. Aqui é um programa de televisão, em que procuro fazer com que eles sejam protagonistas, mas você tem uma limitação de assunto, tem música... E nas palestras é quando converso com as pessoas. Nunca vou lá e falo, sempre converso, pergunto. Engraçado, ainda não fiz nenhuma palestra depois dessas manifestações, mas já antes tinha uma preocupação com a corrupção na política brasileira, tinha uma indignação grande, porque sempre se falou que o Brasil é o país da impunidade. Acho que muitos congressistas levaram isso ao pé da letra e acharam que nunca ia acontecer nada, sabe? E um pouco dessa explosão é um pouco dessa indignação. Um pouco, não, muito, é uma indignação, as pessoas falam “ah, mas não tem foco”. Tem, é uma indignação, dizendo que não está bom. “Mas o que vocês querem?”, a gente sabe o que não quer, isso já é tão importante quanto o que querer. Agora, claro, vai fragmentar: tem gente que quer uma coisa mais pacífica, outros querem algo mais violento, vai começar a se tratar setorialmente também, toda hora... São os professores, os metroviários, os caminhoneiros, as pessoas falam “dessa mobilização gigante eu posso participar, também é do meu interesse”. Elas estão se organizando.

Muito se comentou que há bastante tempo não se viam manifestações desse vulto no Brasil, o povo acordando. Como você enxerga os protestos de hoje?
Achei genial. Sempre que tem uma situação política crítica no Brasil o jovem vai à rua, foi assim com a ditadura, foi assim com o impeachment do Collor, foi antes com as Diretas, tem um motivo muito claro. O que aconteceu foi uma combustão, uma explosão, como se tivesse explodido do nada, tinha um fato, que era [a tarifa do] ônibus, e aquilo acendeu uma chama. Nada ainda é totalmente claro, até para quem sai às ruas. Dessas manifestações apareceram a Mídia Ninja, que é um modo diferente de fazer uma comunicação dentro dos conflitos.

Você vê muita diferença entre a juventude de hoje e a de antes?
Deu uma melhorada, mas acho que ainda falta ler mais. Gostaria que se lesse mais, mas se avançou muito. Por exemplo, na consciência ecológica melhorou muito, coisas de que não se falava antes, se pensa e fala hoje. Fiz durante 12 anos um programa chamado Ação, sobre ONGs, e aprendi que existe um estado paralelo ao Estado. São pessoas fazendo coisas legais porque querem fazer e que a gente não sabe, em lugares que a gente também não imagina. Algumas ficam mais conhecidas, como Afroreggae, mas tem gente fazendo coisas sem parar no Brasil.


Dentre essas organizações, houve manifestações contra a própria Globo. Como você viu esses protestos?
Acho que tem duas coisas. Uma, que é realmente você ver que tem grandes mídias, não é só a Globo, tem jornal, revista... A outra coisa é subestimar um pouco a capacidade do brasileiro, você não pode também achar que só a televisão faz a cabeça de um povo. É um pouco difícil falar, trabalhando aqui, sobre a legitimidade ou não. Por exemplo, a saída do Caco Barcellos para as ruas [durante a cobertura das manifestações], tendo que se esconder [quando ele foi cercado e hostilizado por muitos manifestantes], sabendo quem ele é, quer dizer, você começa a misturar muita coisa. Uma grande televisão, assim como um grande jornal, é feita de posturas diferentes. Não sei por que acham que existe um grande ser pensante, que manda você fazer determinadas coisas. Sempre lutei pela minha liberdade de trabalho, e isso encontro aqui; qualquer coisa que seja exibida dentro do Altas Horas é de total responsabilidade minha, total. Agora, não posso responder por outras coisas, por outras atitudes, mas vejo aqui um esforço de comunicação, sinto isso. Vejo um jeito de uma TV sumir, que é o controle remoto; as pessoas têm um poder muito forte em relação a qualquer coisa. Você deixa de ler um jornal, ele acaba, você deixa de ver a televisão, ela acaba.

Como você encontra tempo para fazer as coisas fora do programa, como peça com Gerald Thomas, livro e filme sobre o Corinthians?
Tempo você arruma. Todo dia venho aqui [à Globo]. Dirijo o programa, cuido de tudo que você possa imaginar, mas não vivo só isso aqui. Televisão é importante para mim, é uma coisa que faço com dedicação, mas tenho a minha vida fora, senão vou ficar totalmente alheio a tudo. Não concebo um apresentador de televisão desinformado. Comecei em TV bem depois do que muita gente, mas me considerei mais informado, trouxe para cá um pouco dessa experiência de leitura, de cinema, de vivência que uma pessoa normal tem. As pessoas acham muito anormal você fazer televisão e gostar de ler, de ir ao cinema.

Então, para você é só um trabalho...
Tem gente que não considera assim, que acaba vivendo só isso, começa, às vezes, muito jovem na TV. Se você começar muito jovem e ficar só nisso, vai perder a vida, vai perder informação, porque a TV é o veículo mais superficial que existe para informação. É superficial, ela não pode aprofundar. Então, você vê qualquer telejornal, ele vai te manchetar, vai apresentar, mas, se você quiser se aprofundar, tem que ir no jornal, na internet, saber os detalhes, ninguém pode viver só de televisão.

E como você vê o futuro da televisão? O Boni declarou que um caminho seria apostar na interatividade, algo que você já faz há anos, interagindo com o público presente no seu programa e também com o telespectador...
Acho que tem um caminho aí que é meio inevitável. A gente fala em assistir TV, mas a gente não necessariamente assiste à TV, cada vez você assiste menos televisão, isso já tem um significado. E a própria TV hoje passa outras coisas. Antes, você comprava o aparelho e assistia à televisão, hoje você vê filme, pode entrar na internet, passa foto, é um objeto que ainda é chamado de TV. Acho que o caminho institucional terá uma fragmentação. A TV precisa se reinventar mesmo, precisa estar mais atenta ao que acontece em todos os sentidos: culturais, políticos e tecnológicos também para ficar antenada. A gente está falando do futuro, mas a televisão ainda é muito forte, ela ainda entra muito na casa das pessoas. Então, o futuro vejo realmente como uma conversão para tudo, vejo a terceirização das produções vindo muito forte também, mas a televisão, do jeito que ela é, ainda é muito forte estruturalmente.

Talvez uma das mudanças mais significativas seja a tecnologia. O que, para você, essas mudanças trazem de bom e de ruim para a televisão?
Atrapalhar, eu não vejo, só vejo ajudar. De uns 20 anos para cá, você tinha que carregar uma fita de exibição com as duas mãos. Hoje, você leva em um cartão, existe uma facilidade de transmissão. Hoje, o repórter está na rua e usa o iPhone para transmitir. Existem até mídias alternativas que usam, dentro das manifestações, toda uma tecnologia. O que vejo é que hoje qualquer pessoa tem acesso à produção, você pode produzir com telefone, com um canal do YouTube, você pode produzir um filme e colocar em uma mostra, está mais acessível. Mas, ainda assim, a grande produção está dentro da televisão, com recursos, atualizações dessa tecnologia, o próprio aparelho vai entrando nessa fase. A gente vive em um mundo em que o iPhone dura um ano, se você quiser estar sempre trocando de aparelho. A TV já tem a 4K, que é uma tecnologia que você entra na tela, pelo menos a gente acha isso hoje (risos), daqui a dez anos já vai achar obsoleto. Não vejo a televisão perdendo para a tecnologia.

E como surgiu o seu interesse pela comunicação?

Na minha infância, só tinha TV aberta.Então, me lembro muito da dramaturgia, do Sítio do Picapau Amarelo, de seriados. E foi muito mais com cinema. Meus pais adoravam, então, o meu domingo era todo de cinema. De manhã era no centro da cidade, vendo Tom & Jerry, à tarde ia para um cinema que tinha rodada dupla, com intervalo pra comer um sanduba de mortadela com groselha. E eu morava perto de outro cinema, chamado Cine Paris. Pedia para minha mãe ir à tarde com o cinema vazio, para ficar sentado, vendo a tela. Na televisão, eram os seriados Rintintim, Guerra nas estrelas, Túnel do tempo. Lembro de ter ido ao primeiro programa Jovem Guarda. Depois, fui ao auditório de alguns programas, do Chico Buarque, da Elis com o Jair Rodrigues, O fino da bossa, e fui espectador de alguns deles. Já adorava muito música também. E mesmo na televisão, graças aos meus pais, eu assistia a muitos filmes mais antigos, dos anos 1930, 1940.


Ele foi tão forte que me matriculei para fazer Cinema na Faap, mas naquele ano não teve gente suficiente para compor uma classe, então fui para o Jornalismo, que era minha segunda opção. E não tinha aquela coisa de “ah, quero fazer TV”, nunca quis muito isso. Quando comecei a pensar em comunicação, pensei primeiro em jornalismo, que, para mim, era jornalismo impresso. Televisão era uma coisa que eu não unia muito ao jornalismo, unia ao entretenimento.

Dizem que, com o passar dos anos, a pessoa começa uma corrida contra o tempo. Hoje, aos 63 anos, o que você faz com mais pressa e o que faz com mais calma? Tem uma coisa engraçada, nunca tive ambições materiais, “preciso comprar um barco antes de morrer”. Nunca tive um projeto assim. O que vou falar é um puta clichê: o que estou fazendo agora, quero fazer bem feito!

Tem muita gente que considera o Silvio Santos o maior nome da TV brasileira, entre os homens. Entre as mulheres, muita gente diz que foi a Hebe. Quem você escolheria como maiores nomes do país?
Acho que foi a Hebe. Tive uma sorte de conviver com ela nos últimos anos. Ela, na verdade, é a responsável pela minha ida para o SBT. Porque eu estava com o Matéria Prima, na TV Cultura, e recebi um convite muito estranho, que era assim: “Vem fazer o Programa da Hebe, mas não é participar, vem fazer o programa com a Hebe”. Levei a plateia, levei o Ultraje [a Rigor], e o programa dela ficou sendo o meu, no horário dela. Ela disse: “Ele trouxe plateia, vai comandar o programa comigo”. Não entendo realmente até hoje o que aconteceu. Ela falou que o convite foi dela, mas que alguém do SBT já tinha visto e queria testar, não sei. Um, dois anos depois, eu estava lá. Ela fez uma coisa que você não faz, que é trazer outro programa e dizer: “Faz aqui o seu programa”. Entre Silvio e Chacrinha, acho que aí dá empate, porque são modos diferentes, personalidades muito legais e diferentes. O Silvio é um dono de televisão que faz televisão, então ele também é o patrão de pessoas que fazem televisão, a relação é diferente para quem trabalha no SBT, você vê o Silvio como artista, mas também como o patrão. A minha relação com o Silvio Santos era anual, às vezes mais do que isso, para conversar. Lembro a primeira vez em que ele me chamou, e eu não conseguia deixar de prestar atenção no cabelo dele. E falei: “Olha, tô olhando o teu cabelo, sou um espectador teu”. E ele pediu para eu puxar o cabelo dele, um negócio muito louco...

E não era peruca, como muita gente diz?
Muita gente diz, mas não era, isso eu garanto (risos). Em 1990 não era.

Você gostaria de falar para outra faixa etária que não o jovem?
Mas eu falo! Esse programa não é só para o jovem, ele é feito com uma plateia jovem. Todas as idades assistem, senão, não estaria no ar. Ele [o jovem] ainda não tem chefe, não tem editor. Esse jovem vai fazer a pergunta mais absurda que você possa imaginar, porque não tem essas amarras com ninguém, não tem esses compromissos que a gente começa a ter.

Você se diverte com as perguntas inusitadas?
Gosto. São perguntas que qualquer bom jornalista deveria fazer e não faz. Têm 200 exemplos de coisas que as pessoas falam. Com a Roberta Close, a primeira pergunta de uma menina foi: “Como foi cortar o seu ‘bilau’ e como que tá sua ‘xereca’”? A primeira. Para o Collor, a primeira foi: “Você não se envergonha de ter roubado?”. O fato de ter essa plateia tem essa coisa do inesperado, sabe? Claro que não estou aqui glorificando uma plateia que às vezes é redundante, enfim, como é próprio de certa idade. Tem programas bons e ruins também.

E seu contato com os jovens te faz se sentir mais jovem?
Não, é um contato que acontece uma vez por semana, não saio na balada, não fico me vestindo nem procurando saber quais são as gírias. Tenho esse contato que é quase jornalístico, é uma coisa de intermediar uma plateia, não é uma coisa de viver a juventude e falar: ah, sou jovem!
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Reportagem por: Lucas Nobile / Entrevista: Lucas Nobile e Clariana Zanutto   /   02/10/2013 
Fonte: Revista cultura. 

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