segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Dez dicas para uma boa redação (não só no Enem)

Paulo Ghiraldelli*

Dica 1. Não inicie como quem não se dá importância. Por exemplo, “Muito se tem dito sobre …” ou “Não pretendo aqui exaurir o assunto …”. Também não inicie como quem vai explicar tudo que não vai fazer, isso é desanimador e pode não sobrar espaço para o que você vai fazer – ou iria fazer! Por exemplo: “Não se trata de…”. Inicie com elementos taxativos, curiosos, capazes de em uma fisgada levar o leitor a se engajar na leitura. Por exemplo, você vai escrever sobre pesquisa a respeito de água em Marte. Tendo ou não água em Marte, comece com algo do tipo “Há água em Marte. Pode haver vida …”. É claro que, em vários casos, terá de relativizar depois.

Dica 2. Não faça frases longas. Deixe isso para o Saramago (que eu não leio). Também não abuse no tamanho dos parágrafos. Há quem faça muitos parágrafos, usando aquele estilo que permite mesmo quase que uma frase em cada parágrafo. Esse estilo não é para qualquer um. Não aconselho.

Dica 3. Escreva com o seu repertório, com o seu vocabulário. Caso ele não seja rico, paciência. Escreva com o que tem, deixe para depois ler mais e adquirir um vocabulário maior. Não tente não repetir palavras, como a professora da escola básica ensinou. Pode repetir. O segredo é não repetir de um modo que, lendo em voz alta, você sinta que incomodou. Hoje em dia, por influência do inglês, repetimos mais do que no passado. Não gosto daquele truque de substituir Marx por “o autor de O Capital”, para não repetir o nome “Marx”. É um recurso infantil.

Dica 4. Escreva de uma vez só. Bem, ao menos a versão final, deve escrever de uma vez só. As paradas mudam o estilo da escrita, os tempos dos verbos etc. Somente escritores bem treinados pegam um texto que estava na gaveta há algum tempo e reiniciam no mesmo tom e estilo.

Dica 5. Não cite autores importantes para dizer coisas que você ou qualquer um pode dizer. Para usar uma frase ou um pequeno trecho de um autor, escolha algo que é relevante, algo que é original dele. Mas não cite por citar, o trecho utilizado deve vir por necessidade do texto.  Evite aquele estilo de tese velha (mesmo que esteja escrevendo algo parecido com tese), em que o autor prima por nunca escrever, apenas ir de citação em citação, de destaque em destaque.

Dica 6. Cuidado com os vícios gramaticais. Todos nós temos e todos nós, mesmo os profissionais da escrita, adquirirem outros mais tão logo corrigiram os que incomodavam. Há autores veteranos que, sabe-se lá por qual razão, começam a escrever com um ou dois erros e vão embora com isso. Corrigidos, ficam paralisados, não sabendo como que puderam cair naquele erro. É que não era um erro, ou melhor, era sim um erro, mas algo que se tornou um vício imperceptível.

Dica 7. Não abuse de vírgulas. Há regras para tal, mas se você foi bem alfabetizado, a melhor regra é a da respiração, que lhe dá a pausa “natural”. Leia em voz alta e então corrija as vírgulas.

Dica 8. Não escreva sobre o que não sabe. Escrever sobre o que não se sabe é um dom. Mas é um dom que chateia demais! Há pessoas que deixam a pena correr, que falam de tudo, mas não falam do assunto que escolheram. Afinal, o que tinham para dizer sobre aquele assunto cabia em um bilhete. Use o Twitter ou o Facebook em caso de ter apenas ideias esparsas. Texto bom é antes de tudo texto informativo sobre o assunto proposto. Isso também vale para o texto ficcional. Descrições de ambiente, divagações e outros recursos que antes chamávamos de “encher linguiça”, mostram um escritor vazio. Quando um tema geral lhe é desconhecido, e cai sobre sua cabeça como imposição, então você pode pensar sobre ele e encontrar em seu interior o modo de abordá-lo que lhe é conhecido, familiar. Pegue por aí.

Dica 9. Não faça do esquema “introdução-desenvolvimento-conclusão” uma camisa de força. Tal esquema é pobre, é realmente para quem não tem nenhuma experiência com a leitura e a escrita. Serve para quem realmente é um iniciante. Mas, logo que possa saia disso.

Dica 10. Saiba distinguir gêneros narrativos. Um ensaio tem semelhança com um artigo, mas não é um artigo. Uma tese é uma tese. Um aforismo é um aforismo. E por aí vai. Cuidado com isso. Muitos jovens só leem textos científicos, os de sua área de estudo, e não conseguem construir uma narrativa própria para “contar algo”. Aprenda a “contar uma história”, a “contar algo”. Lembre-se que pode sim escrever na primeira pessoa, alternando com a primeira do plural quando quiser engajar o leitor. Não é necessário escrever no impessoal, mesmo que seja filosofia!
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* Paulo Ghiraldelli, 56, filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
Fonte: Blog pessoal: http://ghiraldelli.pro.br

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