O escritor grego Níkos Kazantzákis foi um dos grandes
romancistas do século 20,
autor das obras ‘Testamento a El Greco’
e ‘A
vida e as proezas de Aléxis Zorbás’.
(foto: Μουσείο N. Καζαντζάκη/
Kazantzakis Museum – CC BY 3.0)
Tradução fiel para o português e reedição do livro
‘Testamento a El Greco’, do grande romancista grego do século 20, serão
feitas graças à arrecadação de fundos em
site de financiamento coletivo.
Por: Isadora Vilardo
A era digital permite tanto o contato com as mais avançadas
tecnologias quanto a reanimação de antigos desejos. Essa aparente
contradição deu ao romance Testamento a El Greco, do grego
Níkos Kazantzákis (1883-1957), a chance de ganhar uma tradução mais fiel
para o português e nova edição no Brasil: os recursos para o
relançamento vieram de uma operação de crowdfunding, realizada
por um sítio na internet especializado em doações. Todos os custos da
reedição do livro no país serão bancados por futuros compradores e
outros interessados.
Crowdfunding é o financiamento coletivo de um projeto, seja
ele filantrópico, cultural, político ou outro. Existem alguns sítios
especializados nessa atividade, e volta e meia alguma campanha de
arrecadação desperta grande interesse. Foi o caso do livro de
Kazantzákis, conhecido ainda pelo romance A vida e as proezas de Aléxis Zorbás (1946), que deu origem ao filme Zorba, o grego
(1964). A iniciativa da editora Cassará atraiu, no Brasil, muitos
apaixonados dispostos a financiar o relançamento, e a arrecadação já foi
concluída.
O livro foi originalmente traduzido por
Clarice Lispector em 1975 e
se tornou uma
das obras de maior
influência na vida de Hilda Hilst
De onde surgiu tanto interesse por esse livro? Uma possível resposta,
além do fato de ter sido escrito por um dos grandes romancistas do
século 20, autor de A última tentação de Cristo (1951) e outros
títulos, está nas personalidades que marcam sua história no Brasil: foi
originalmente traduzido por Clarice Lispector (1920-1977) em 1975 e se
tornou uma das obras de maior influência na vida de Hilda Hilst
(1930-2004).
A ideia de republicar Testamento a El Greco com nova
tradução surgiu quando a editora Bárbara Cassará conheceu um grupo de
estudiosos e interessados na cultura helênica. “Publicamos uma tese
brasileira sobre Kazantzákis e percebemos, pelo público, que as pessoas
não gostam simplesmente desse autor – são apaixonadas”, diz ela.
A editora recebeu também a notícia de que já existia uma tradução do
livro, feita a partir do original grego, e decidiram levar adiante a
republicação. Mais tarde, mesmo não se confirmando a possibilidade de
usar a tradução pronta, o projeto foi mantido com a participação de
outra tradutora, Lucília Soares Brandão, doutora em ciências da
literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e fundadora do
Centro Cultural Níkos Kazantzákis.
Obra rara
A história do livro no país tem aspectos curiosos. A tradução já
publicada, com a assinatura de Clarice Lispector, uma das mais
conceituadas escritoras do século 20, é hoje muito rara e chega a custar
R$ 300 em sebos na internet. Na época, vários escritores importantes
faziam traduções, sob pseudônimos, para complementar a renda, mas não há
como afirmar que não houve motivação pessoal da autora.
Outra importante escritora relacionada ao livro, Hilda Hilst declarou muitas vezes que o Testamento
foi responsável por uma mudança radical em sua vida. “Com Kazantzákis,
Hilda aprendeu principalmente a ser um escritor de ofício”, revela o
jornalista Gutemberg Medeiros, que foi amigo da escritora.
Presenteada com a edição francesa do livro, Hilda Hilst começou a se
questionar sobre a vida que levava a partir da filosofia contida nele, e
isso a motivou a construir a Casa do Sol, na fazenda do pai, em
Campinas (SP), onde passou a viver até sua morte. Ali, ela escrevia e
lia todo o tempo, construindo sua reconhecida obra, que inclui ficção,
poesia, crônicas e dramaturgia.
Para Kazantzákis, a felicidade reside no ato de criar. Segundo ele, e
autores anteriores a ele, o ser humano não é feliz por ser assombrado
com a certeza de sua morte – uma barreira intransponível, pois não há
como nos tornarmos imortais. Para o escritor, só é possível superar essa
angústia por meio do ato criador, que rompe o limite da mortalidade.
“Qualquer criação permite isso, não necessariamente a artística, e um
exemplo é o ato sexual”, diz Lucília Brandão. Para a tradutora, é essa
filosofia que torna esse escritor memorável. “É uma ideia que perpassa
todos os seus livros, independentemente da história contada em cada um”,
explica.
Para Kazantzákis, o ser humano não é feliz
por
ser assombrado com a certeza de
sua morte – uma barreira intransponível.
E só é possível superar essa angústia
por meio do ato criador
No entanto, o momento criador é efêmero. O ser humano logo retorna à
noção de que é mortal. E precisa buscar novamente esse momento do ato
criador, para encontrar a felicidade real, e no momento presente.
“Kazantzákis coloca inclusive em dúvida se há um momento após a vida –
sua busca é principalmente pela felicidade nesse mundo material”, afirma
Lucília. “É naquele momento, quando você está imbuído do que vai criar,
que ultrapassa a vida efêmera e atinge a eternidade.”
O romance, embora não seja autobiográfico, narra o caminho do
escritor em busca do ato criador. Ao assumir o desafio de verter o livro
do grego para o português, Brandão sabia que a tarefa não seria fácil.
“Quando se traduz, se interpreta”, resume. “Ao passar de uma língua para
outra, busca-se a palavra que mais se aproxima daquilo. Mesmo que se
encontre uma muito parecida, já se deturpou [o sentido] e, ao traduzir
uma tradução, são duas deturpações”, analisa, referindo-se à tradução de
Clarisse Lispector, baseada na versão francesa.
Um equívoco de tradução, segundo Brandão, aconteceu com o título do livro no Brasil, Testamento a El Greco.
Segundo a nova tradutora, a ideia do título em grego é a de ‘prestar
contas’ a alguém. “E, embora o autor fale de El Greco no livro, no
original a prestação de contas não é especificamente ao pintor, mas ao
grego, no geral”, diz.
Uma tradução literal do título seria Relatório para o grego,
mas esta e outras decisões da tradução, ainda em andamento, não foram
tomadas. “O lançamento está previsto para junho de 2014”, explica
Bárbara Cassará, editora e idealizadora do projeto. “Com certeza, depois
do sucesso da arrecadação, estamos otimistas com a publicação da obra.”
---------------------------------
Isadora Vilardo
Fonte: Ciência Hoje On-line
---------------------------------
Isadora Vilardo
Fonte: Ciência Hoje On-line
Nenhum comentário:
Postar um comentário