Raquel Rolnik*
No ano passado, a inauguração do shopping JK Iguatemi, na Vila
Olímpia, foi vetada pela Justiça porque as obras viárias exigidas pela
prefeitura quando da aprovação do projeto não tinham sido concluídas.
Recentemente, uma decisão judicial determinou que um shopping que
está sendo construído na avenida Paulista, com inauguração prevista para
o segundo semestre de 2014, não poderá funcionar sem que sejam
realizadas obras para mitigar seus impactos na região.
Há pouco tempo, também, a imprensa noticiou o início das obras de um
megaempreendimento na zona sul, que inclui torres residenciais e
comerciais, hotel e… mais um shopping.
Para além da guerra jurídico-administrativa em torno dessa questão, a
pergunta que não quer calar é: São Paulo quer e precisa de mais
shoppings?
A cidade tem, de acordo com a prefeitura, 44 shoppings. Eles podem ser construídos em qualquer região que permita uso comercial.
Mas hoje, como são considerados “polos geradores de tráfego”, a
aprovação dos projetos requer uma avaliação específica por parte da CET
(Companhia de Engenharia de Tráfego), que pode exigir contrapartidas
para mitigar impactos no trânsito, como a construção de passarelas, o
alargamento de vias etc.
Mas quem vive próximo ou precisa passar diariamente por algum desses
empreendimentos, mesmo com suas obras mitigadoras, comprova a tese de
que nesses locais o trânsito e a mobilidade… pioram! Quem se lembra dos
dias felizes da avenida Pompeia antes da ampliação do shopping Bourbon?
Com raras exceções, a lógica dos shoppings é a do modelo de
mobilidade por automóvel: chegar de carro, deixá-lo em um estacionamento
e usufruir de um espaço que concentra opções de compras, serviços,
gastronomia e atividades culturais.
A não cidade, fingindo ser cidade, segregada: com raríssimas
exceções, os shoppings simplesmente destroem a continuidade do tecido
urbano, descaracterizando e matando as ruas ao redor.
Em princípio, a legislação urbana reconhece e acolhe esse modelo, e
apenas exige a ampliação do espaço de circulação dos automóveis.
Mas, se São Paulo quer hoje migrar para um novo modelo de mobilidade,
baseado no transporte coletivo e em modos não motorizados–pés e
bicicletas–, podemos continuar construindo shoppings?
Em Manhattan, Nova York, região de alta densidade residencial e
comercial, os shoppings são simplesmente proibidos. No zoneamento da
cidade, em áreas mistas –de comércio e residências– que correspondem à
maior parte das áreas da ilha, as zonas comerciais estão demarcadas para
ocuparem apenas a primeira faixa das quadras, com profundidade máxima
que varia entre 30 e 60 metros. Ainda assim, não podem ocupar toda a
frente das quadras.
A implicação dessa limitação não é somente urbanística. Restringindo o
tamanho máximo de espaço comercial em boa parte da cidade, Nova York
protege os pequenos comerciantes e controla o quanto o comércio pode
tomar conta de áreas residenciais.
Estamos em plena revisão do plano diretor e zoneamento da cidade de
São Paulo, momento mais que propício para rediscutirmos o modelo de
cidade que queremos.
Em nome das ruas, da multiplicidade de pequenos comércios, da cidade
que quer se mover a pé, de bicicleta e por transporte coletivo, chega de
shopping!
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* Raquel Rolnik é urbanista, professora da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e
relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à
moradia adequada.
** Publicado originalmente no site da Folha de S. Paulo e retirado do site Mercado Ético.
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