Rodrigo Menezes*
Em
1966, um ano após se tornar o ditador comunista da Romênia, Nicolae
Ceausescu declarou ilegal o aborto. "O feto é propriedade de toda a
sociedade", afirmou ele. "Qualquer um que evite filhos é um desertor que
vira as costas às leis da continuidade nacional."
Declarações
tão grandiosas faziam parte do dia-a-dia do regime Ceausescu, pois seu
plano-mestre - criar uma nação digna do Novo Homem Socialista - era uma
ode à grandiosidade. Ceausescu construiu palácios para uso próprio
enquanto perseguia e negligenciava o povo. Ao abandonar a agricultura em
prol da industrialização, obrigou boa parte da população rural a se
mudar para prédios sem calefação. Nomeou para cargos públicos 40 parentes, inclusive a própria mulher, Elena, que exigiu 40 moradias e um
farto estoque de peles e jóias. A Sra. Ceausescu, conhecida
oficialmente como "a melhor mãe que a Romênia poderia desejar", não
esbanjava instinto maternal. "Os vermes nunca se satisfazem, não importa
quanta comida recebam de nós", disse ela quando os romenos se
revoltaram contra a escassez de gêneros provocada pela má administração
do marido. Em casa, gravava as conversas dos filhos para se assegurar de sua lealdade.
A
proibição do aborto por Ceausescu visava a alcançar um de seus maiores
objetivos: fortalecer rapidamente a Romênia através de um boom
demográfico. Até 1966, a Romênia praticara uma das políticas mais
liberais do mundo com relação ao aborto. Essa era, com efeito, a
principal forma de controle de natalidade vigente, com cinco abortos
para cada nascimento com vida. Agora, praticamente da noite para o dia, o
aborto estava proibido, salvo para as mães de mais de quatro filhos e
as ocupantes de cargos graduados no Partido Comunista. Proibiram-se, ao mesmo tempo, todos os métodos anticoncepcionais e a educação sexual. Agentes federais sarcasticamente apelidados de Polícia Menstrual abordavam regularmente as mulheres em seus locais de trabalho para submetê-las a testes de gravidez. Uma mulher que passasse muito tempo sem engravidar era obrigada a pagar um alto "imposto de celibato".
Os
incentivos de Ceausescu produziram o resultado desejado. Um ano depois
da proibição do aborto, o índice de nascimentos na Romênia dobrou. Esses
bebês nasceram em um país onde, a menos que se pertencesse ao
clã Ceausescu ou à elite comunista, a vida era miserável. Tais crianças,
porém, acabariam tendo uma vida especialmente miserável. Comparadas às
crianças romenas nascidas apenas um ano antes, as hostes nascidas após o
banimento do aborto viriam a se sair pior sob todos os aspectos
possíveis: levariam piores notas na escola, teriam menos sucesso no
mercado de trabalho e mostrariam, também, mais propensão a se tornar
criminosas.
A
proibição do aborto vigorou até Ceausescu finalmente perder o controle
da Romênia. No dia 16 de dezembro de 1989, milhares de pessoas foram
para as ruas de Timisoara protestar contra o seu regime corrosivo.
Muitos manifestantes eram adolescentes e estudantes universitários. A
polícia matou dezenas deles. Um dos líderes da oposição, um professor
quarentão, disse mais tarde que fora instigado a protestar, apesar do
medo, pela filha de 13 anos. "O mais interessante é que aprendemos com
nossos filhos a não temer", disse ele. "A maioria tem entre 13 e 20
anos." Poucos dias depois do massacre de Timisoara, Ceausescu discursou
em Bucareste para 100 mil pessoas. Novamente, os jovens mostraram sua
força. Silenciaram Ceausescu aos gritos de "Timisoara!" e "Abaixo os
assassinos!" Sua hora chegara. Ele e Elena tentaram fugir do país com $1
bilhão, mas foram presos, julgados sumariamente e, no dia de Natal,
executados por um pelotão de fuzilamento.
De
todos os líderes comunistas depostos nos anos próximos ao colapso da
União Soviética, apenas Nicolae Ceausescu enfrentou uma morte violenta.
Não se deve esquecer que sua queda foi precipitada em grande medida pela
juventude da Romênia - boa parte da qual, se o aborto não houvesse sido
proibido, jamais teria nascido.
A
história do aborto na Romênia talvez pareça uma maneira estranha de
começar a contar a história da criminalidade americana nos anos 90. Mas
não é. De uma forma significativa, a história romena do aborto é o
avesso da imagem da história da criminalidade americana. O ponto de
encontro de ambas foi aquele dia de Natal de 1989, quando Nicolae
Ceausescu aprendeu da maneira difícil -com uma bala na cabeça - que sua
proibição ao aborto tivera implicações muito mais profundas do que supunha.
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Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner, Freakonomics, págs. 119-121.
Filme romeno sobre a experiência do aborto na clandestinidade
* Filósofo.
Fonte: http://emcioranbr.wordpress.com/2013/10/27/onde-foram-parar-todos-os-criminosos/
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