Carol Abdelmassih*
Sempre tive um apreço especial por frases de impacto, aquelas meio
auto-ajuda, que como um soco no estomago, nocauteiam e conseguem
alcançar em cheio seu ponto fraco. A Insustentável Leveza do Ser é isso
para mim: a cada página, uma exposição de um fragmento da minha alma em
uma prosa fácil, simples e bela ao mesmo tempo.
O Amor. O amor e toda a bagagem (positiva e negativa que ele traz) é o
ponto crucial da história. O enredo é simples: quatro personagens, dois
homens e duas mulheres, que em determinados pontos da trama se cruzam.
Um triângulo amoroso, muitas traições e um amor perdido. Um prato cheio
para uma história tipicamente “novela mexicana”, com muito drama, brigas
e discussões; não é o caso dessa história. A trama amorosa é um plano
de fundo para uma reflexão muito mais elaborada, muito mais existencial.
É através do amor e seus desdobramentos que Milan Kundera busca
penetrar no cerne das mais belas e pontuais questões da existência
humana: “Quem sou eu?” “De que formas sou responsável por tudo que
vivi?” “Sou capaz de trair a minha própria natureza, ir contra meus
instintos?”.
Tomas é um médico tipicamente mulherengo, que após um divórcio
agressivo, passa a se envolver apenas em relações superficiais e
fugazes. Até que conhece Tereza, uma garçonete que por impulso vem a seu
encontro em Praga após um breve contato. Nesse instante começa a
principal história de amor do livro. Tereza sofre loucamente com as
traições de Tomas, que por sua vez sofre por ver Tereza sofrer, mas não é
capaz de parar com os encontros amorosos extraconjugais. Uma das
personagens desses encontros amorosos é Sabina, uma artista
‘’libertina’’, que não se prende a valores morais e não vê problema
algum em ter Tomas como amante. O quarto elemento da história é Franz,
que em determinado ponto do enredo começa um caso com Sabina, que não
tem mais nenhum tipo de ligação com Tomas.
Se pudéssemos simplificar a história, eu diria que Kundera buscou
jogar com a dualidade da natureza feminina: o amor, a fragilidade, a
“Madonna” é personificada em Tereza, enquanto a porção sexual, vibrante,
ameaçadora, a “Medusa” é encarnada pelo personagem de Sabina.
Tomas é uma reflexão sobre como não podemos enganar e ir contra nossa
própria natureza. O sexo é parte intrínseca do ser, necessidade básica e
indiscutível. Tomas não consegue lidar com seus impulsos de
necessidade, o que o faz sofrer, pois vê Tereza, objeto de seu AMOR
definhar por conta disso.
Franz é a representação do amor masculino, do amor sonhador. Por mais
que Sabina lhe tenha feito sofrer, é a ela que Franz dedica todos os
passos de seu caminho. É um sonhador, idealizador e persistente. Repousa
na persona de Franz o dom da esperança.
Ao longo de toda a história o autor lida com a questão das escolhas
feitas, e como sempre saberemos apenas o resultado de UMA combinação de
escolhas sucessórias. “Tomas repete para si mesmo o provérbio alemão:
einmal ist keinmal, uma vez não conta, uma vez é nunca. Poder viver
apenas uma vida é como não viver nunca.” Nossa vida nada mais é do que o
resultado de acasos e escolhas que asfaltam nossa estrada, de forma
orgânica e aleatória, fazendo nosso caminho se cruzar com outros
incontáveis caminhos.
A Insustentável Leveza do Ser nada mais é do que o alcance da plena
liberdade. Não ter com que se preocupar, não ter a quem dar satisfações,
não ter nada que lhe prenda em lugar algum. Vemos então que o PESO,
conceito considerado negativo a priori, é mais do que necessário, é
indispensável para dar sentido à vida. Nossa história, nosso caminho,
nossas relações são o fardo que carregamos, o nosso peso; sem história,
sozinhos, nada somos. Somos tão leves e livres como uma pluma a planar
nos céus. A natureza humana necessita de peso para estar consciente de
sua própria existência.
E por que tudo isso me tocou de tal forma? Pois bem...li e reli o
livro 3 vezes. Todos os dias abro em páginas aleatórias e leio trechos
esparsos. Cada dia me emociono mais. Esse livro me fez perceber que
carregamos dentro de nós cada um desses personagens: Sabina, Tomas,
Tereza e Franz me compõem, cada um com um peso e medida, cada um à sua
maneira. Somos um e somos tantos, que diversas vezes nos perdemos, e
cada vez que releio o livro, reencontro um pedaço de mim.
"E, de novo, veio-lhe à cabeça uma idéia que já conhecemos: A
vida humana só acontece uma vez e não poderemos jamais verificar qual
seria a boa ou má decisão, porque, em todas as situações, só podemos
decidir uma vez. Não nos é dada uma segunda, uma terceira, uma quarta
vida para que possamos comparar decisões diferentes.(...)”
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* Estilista.
foto: Thatiana Passi
Fonte: http://lounge.obviousmag.org/pluralismos/2013/10/
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