Sistema confere a robô de limpeza a capacidade de “saber” onde está e de “planejar” tarefas
Robôs
utilizados para a limpeza de residências e escritórios são comuns nos
Estados Unidos, onde podem ser comprados por preços acessíveis (entre
300 e 600 dólares) até em supermercados. Embora facilitem a vida dos
consumidores, esses equipamentos poderiam ser ainda mais eficientes,
caso tivessem a capacidade de se localizar em ambientes internos sem
nenhuma ajuda extra e executar, de forma planejada, tanto o seu
deslocamento quanto o cumprimento das tarefas para as quais foram
projetados. Sistema desenvolvido para a tese de doutorado do cientista
da computação Paulo Gurgel Pinheiro, defendida no Instituto de
Computação (IC) da Unicamp, incorpora tais funções a esses objetos de
desejo de muitos brasileiros. A tecnologia está sendo analisada pela
norte-americana iRobot, uma das maiores do setor no mundo, e pode ser
adotada já na próxima série de robôs a ser lançada pela empresa no
mercado.
Pinheiro começou a pesquisar na área da robótica ainda no
mestrado. Na ocasião, ele já havia escolhido como tema de investigação a
questão da localização de robôs móveis, uma das mais exploradas pela
ciência por causa da sua importância para a resolução de outros
problemas. “A localização é fundamental porque constitui pré-condição
para estabelecer a melhor trajetória para que o robô cumpra a sua
missão”, explica. De acordo com o pesquisador, resolver o problema da
localização autônoma em ambientes internos não é uma tarefa trivial,
como pode parecer. Tanto é assim que os robôs comerciais ainda não
dispõem desse atributo.
Estes, ao serem ligados, aspiram a sujeira
(poeira, cabelo, migalhas de pão etc) do chão do cômodo onde estão.
Como não são capazes de se localizar, passam automaticamente para outro
ambiente, sem planejar a missão. Desse modo, se forem eventualmente
transportados para outro ponto da casa ou escritório durante a limpeza,
eles não perceberão a mudança e continuarão trabalhando como se
continuassem no espaço original. Ou seja, não são capazes de fazer
inferência sobre onde estão. Graças ao sistema de localização concebido
por Pinheiro, essa limitação foi superada. Ao incorporar a tecnologia
aos robôs comerciais, por meio de um prosaico pen drive,
Pinheiro conseguiu fazer com que eles se tornassem muito mais
eficientes, pois passaram a identificar rapidamente em que ponto da casa
ou escritório estão.
Nos testes que fez, durante temporada de
estudo que cumpriu nos Estados Unidos, na Universidade de Minnesota, no
contexto de um doutorado sanduíche, o pesquisador constatou que o
sistema tornou a inteligência artificial presente nos robôs, digamos,
ainda mais inteligente. O sistema funciona mais ou menos assim.
Imagine-se que a tecnologia concebida por Pinheiro já tenha sido
incorporada aos equipamentos comerciais. Ao comprar uma unidade no
supermercado, o consumidor baixará um programa para poder transferir o
mapa da casa (planta baixa) para a memória do robô.
Ao ser ligado,
este levará dois dias para “aprender” qual é o padrão da residência:
número de cômodos, número de moradores, qual espaço é mais sujo e qual
pessoa suja mais. “Depois de cruzar todas as informações, ele planejará o
melhor traçado e a melhor forma de limpar. Além disso, o robô estará
sempre reconhecendo novos padrões e se adaptando a eles”, garante
Pinheiro. Na prática, isso significa que o robô terá a capacidade de
identificar onde está e traçar o melhor caminho para cumprir sua missão,
sem ficar andando aleatoriamente pela casa. Ademais, se for carregado
por uma pessoa ou animal de estimação para outro espaço, ele perceberá a
mudança e voltará ao ponto de origem para dar continuidade à tarefa.
Esse aspecto é importante porque otimiza o trabalho e reduz o consumo de
energia.
O robô também decidirá, com base no padrão identificado,
qual cômodo limpar primeiro e qual deixar por último. “Esse é um
aspecto fundamental. Numa residência onde vivem pai, mãe e um
adolescente, é muito provável que os adultos acordem mais cedo. Então, é
o quarto dos pais que o robô limpará primeiro, deixando o do filho para
depois. Baseado nesse mesmo modelo de decisão, o equipamento poderá
deixar para limpar a cozinha à noite, visto que nesse horário não é
conveniente estar nos quartos, pois os moradores estarão dormindo”,
exemplifica o autor da tese.
As vantagens não param por aí,
garante Pinheiro. Caso a rotina da casa seja alterada, o robô também
perceberá a mudança e se adaptará a ela. “Um exemplo é a chegada de mais
um morador. O sistema reconhecerá essa presença e adotará um novo
padrão de limpeza, visto que passará a considerá-la nas suas tarefas”,
enfatiza o cientista da computação. Os equipamentos convencionais
conseguem subir um pequeno degrau e não se detêm quando encontram um
tapete pela frente. Além disso, se estão no topo de uma escada, param
para evitar acidentes. Com o sistema de localização desenvolvido pelo
pesquisador da Unicamp, esses aspiradores de pó robotizados vão ainda
mais longe.
O pesquisador explica que o software confere aos
equipamentos a propriedade de não confundir pessoas e objetos com uma
parede, por exemplo. “Nós criamos um modelo ao qual demos o nome de
mundo mágico probabilístico. Ele utiliza padrões arquiteturais e de design,
que levam em consideração dados como quantidade de portas e paredes e
área total do ambiente, de modo a condensar informações que possam ser
redundantes, comprimindo o mapa original do ambiente em um mapa menor e
mais otimizado. A partir da representação da casa ou escritório, o robô
entende e aprende os padrões arquitetônicos de cada cômodo
separadamente. Esse mesmo mundo mágico também faz com que ele diferencie
pessoas e objetos dentro de um modelo probabilístico”, pormenoriza.
Explicando
de maneira simples, o equipamento enxerga tudo como uma nuvem cinzenta
de probabilidades. O robô então se aproxima para checar se o que está
identificando é uma pessoa, uma mesa ou uma parede. “Se a pessoa ou
animal de estimação se movimenta, ele desconsidera e desvia. Se o objeto
fica fixo, ele desvia, mas registra na memória como um obstáculo que
estará presente nas próximas vezes em que passar por aquele ponto”, diz
Pinheiro. Uma das vantagens desse sistema, conforme o pesquisador, é que
ele pode ser adaptado a diversos tipos de robôs, que trabalham com
diferentes modelos de sensores, dos mais simples aos mais sofisticados. O
trabalho desenvolvido por Pinheiro foi orientado pelo professor Jacques
Wainer, do IC da Unicamp, e coorientado pelo professor Stergios
Roumeliotis, da Universidade de Minnesota. Pinheiro contou com bolsa da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Sistema de localização está sendo adaptado para cadeiras de rodas
O
software de localização desenvolvido pelo pesquisador da Unicamp não se
aplica somente a robôs de limpeza, como já dito. Ele também pode ser
utilizado em outros equipamentos robotizados, para o cumprimento de
tarefas que podem ser consideradas mais nobres. É o que Paulo Gurgel
Pinheiro está testando no momento, no contexto do pós-doutorado que
realiza na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da
Universidade, sob a orientação do professor Eleri Cardozo. Os
pesquisadores estão adaptando o sistema a cadeiras de rodas que serão
destinadas a pacientes com traumas neurológicos que tenham provocado
perda total ou parcial das habilidades motoras.
“Como o
programa consegue fazer um robô se localizar autonomamente em qualquer
ambiente da casa, o paciente só precisará se preocupar para onde deseja
ir, e a cadeira robótica descobrirá onde ela está e como chegar até o
ponto desejado, fazendo o melhor trajeto possível. A escolha dos pontos
de destino pode ser feita por pacientes com graves limitações físicas,
mesmo por aqueles que consigam movimentar apenas os olhos para acionar
os comandos, que poderão estar disponíveis num menu, na tela de um
tablet”, antecipa o pesquisador.
Nesse caso, o procedimento será o mesmo em relação aos robôs de limpeza. Bastará que o usuário conecte o pen drive
com o sistema na cadeira para que ela receba os dados do programa.
“Como o sistema é capaz de se localizar sem ajuda externa, mesmo que o
paciente seja levado involuntariamente para outro ambiente, a cadeira
reconhecerá a nova localização e voltará ao ponto de origem sozinha. Ou,
então, seguirá dali até o destino final. Ademais, a cadeira também
poderá funcionar como um robô convencional. Nesse caso, imaginemos que a
pessoa está na cama e quer receber o café da manhã. Bastará que ela
acione o comando para que o veículo vá até a cozinha. Lá, outra pessoa
colocará a refeição em um suporte e a cadeira tratará de levá-la ao
quarto, a despeito do surgimento ou não de um novo obstáculo”, antevê
Pinheiro.
Conforme o cientista da computação, embora as pesquisas
em robótica ainda estejam em fase inicial no Brasil, já há ótimos
profissionais trabalhando na área no país. “O que mais diferencia o
trabalho daqui com o que é feito nos Estados Unidos, por exemplo, é o
nível de financiamento, que lá é muito maior. Desse modo, os resultados
surgem muito mais rapidamente por lá. Em termos comerciais, a diferença é
gritante. Enquanto os norte-americanos podem comprar robôs, como os de
limpeza, em supermercados a preços acessíveis, aqui eles são raros e
muito caros. Um dos meus objetivos em trabalhar com robótica no Brasil é
contribuir para despertar o interesse dos estudantes de graduação para
esse ramo da ciência, de modo a fazer com que as facilidades geradas por
ele possam ser futuramente incorporadas ao nosso dia a dia”, pondera.
Publicação
Tese: “Planning for Mobile Robot Localization Using Architectural Design Features on a Hierarchical POMDP Approach”
Autor: Paulo Gurgel Pinheiro
Orientador: Jacques Wainer
Coorientador: Stergios Roumeliotis (Universidade de Minnesota)
Unidade: Instituto de Computação (IC)
Financiamento: Capes
Autor: Paulo Gurgel Pinheiro
Orientador: Jacques Wainer
Coorientador: Stergios Roumeliotis (Universidade de Minnesota)
Unidade: Instituto de Computação (IC)
Financiamento: Capes
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Texto: Manuel Alves Filhos
Fotos: Antoninho Perri
Edição de imagens: Diana Melo
Fonte: http://www.unicamp.br/unicamp/ju/579/inteligencia-ampliada
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