Cássio Roberto dos Santos Andrade*
Caetano, Gil e Chico são preciosidades brasileiras. Quem sai
pelo mundo se entope de orgulho ao ouvir a voz nasalada de Chico em qualquer
pedacinho habitado pelo homem, deixando todos encantados com a riqueza da arte
que este gênio já produziu.
Nos anos de chumbo, a figura magra de Caetano se agigantava
quando sua voz se erguia para cantar suas lindas poesias ou para gritar pela
liberdade. Era a encarnação perfeita do É proibido proibir.
A melodia contagiante de Gil atravessou décadas dando o tom
do bom gosto à música brasileira. Este baiano, que espelha a força da cultura e
da intelectualidade negra, de tão coerente com as demandas democráticas,
emprestou seu prestígio ao governo Lula como ponte a ligar o Povo ao Poder.
Por isso há um choque ao vê-los defender que suas biografias
só possam ser escritas se houver autorização e participação nos lucros. Não se
pretende discutir as questões legais, que serão decididas pelo Supremo e se
resumem a duas linhas: há o direito à intimidade e à livre manifestação do pensamento
e da cultura que devem ser harmonizados. O que causa perplexidade é a posição
assumida por aqueles que simbolizaram a luta máxima pela liberdade. É como se
Martin Luther King mandasse uma mensagem do além em defesa da desigualdade
racial.
Uma nação se forma com a preservação de tudo o que é
produzido pelo seu povo, gerando uma identidade no pensar, no sentir, no agir.
Aqueles que se destacaram na produção dessa cultura devem ser estudados, pois
representam as camadas que vão se sobrepondo a formar a estrutura, o elo, o
sentimento comum que cimenta a essência de um país.
O artista vale pela arte que produz, mas necessita que ela
seja reconhecida pelos seus apreciadores. Há um valor relevante que advém da
curiosidade que o artista consegue atrair para si, o que o faz se expor
constantemente ao encontro dos holofotes.
Os grandes criadores também vivem do dinheiro do público,
valorando-se conforme a capacidade de atrair o interesse coletivo. A vida, a
formação intelectual, o caráter, os caminhos e descaminhos de todos eles fazem
parte da história do Brasil. Tudo isso, diga-se de passagem, diariamente
retratado pela imprensa sem qualquer autorização para publicar. Naturalmente
que, se houver ofensa à honra ou inverdades danosas, há os instrumentos criminais
e de reparação financeira, que vigoram desde a idade das pedras.
Pesquisar, escrever, editar, publicar, divulgar são
atividades penosas daqueles que passam anos trabalhando sobre determinado tema.
É por demais mesquinho querer receber pelo trabalho alheio. Pior ainda é
impedir que se revelem fatos de vidas tão extraordinárias. Mas se ainda assim
quiserem censurar alguma passagem, que risquem este capítulo sombrio, que só
veio apequenar a biografia de quem sempre teve a grandeza de levantar o cálice
da liberdade, sem nunca aceitar um cale-se.
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* Cássio Roberto dos Santos Andrade, procurador
do estado de Minas Gerais, é professor de direito do UNI-BH.
Fonte: Jornal do Brasil, 24/10/2013
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