Luiz Felipe Pondé*
O silêncio, às vezes, é um dos maiores indicativos de maturidade de uma civilização
Hoje quero falar de dois sintomas que marcam nossa época. O primeiro
sintoma é a falação ruidosa de nosso mundo; o segundo é a ideia de que o
mundo sofre porque não nos amamos e que tudo se resolveria se nos
abraçássemos e parássemos de sermos gananciosos.
Fala-se demais hoje. Todos têm opinião. Até jovens de 20 anos são
chamados a dar opinião sobre o mundo e a sociedade, quando mal sabem
arrumar o quarto. E quando se elegem crianças de 25 anos como arautos da
sociedade (adulto que faz isso, o faz, normalmente, para ter discípulos
fiéis e fanáticos, ou porque é bobo mesmo), o resultado é que acaba se
pensando que o mundo começou, como diz um amigo meu muito esquisito, em
"Woodstock".
Quando se pensa isso, acaba-se imaginando que o problema do mundo é
mesmo aprendermos que "all you need is love"... Infelizmente, a
humanidade é mais complicada do que pensa nossa vã inteligência
woodstockiana. Contra essa visão infantil da realidade (este é o segundo
sintoma do qual falei acima), proponho a leitura da obra do grande
crítico norte-americano Edmund Wilson. Vou a ele já; antes, quero voltar
ao problema do ruído mais especificamente (o primeiro sintoma do qual
falei acima).
Somos um grande mundo ridículo e falastrão. Decorrente dessa falação, um
ruído infernal toma conta do dia a dia. O silêncio, às vezes, é um dos
maiores indicativos de maturidade, não só de uma pessoa, mas de uma
civilização.
Estou falando isso por conta de um breve ensaio que caiu na minha mão
esses dias, parte integrante do volume "Best American Essays 2013",
editado por Cheryl Strayed.
O ensaio ao qual me refiro foi escrito pela prêmio Nobel Alice Munro e
chama-se "Night". Nele, a autora conta a operação que fez quando criança
para tirar o apêndice e uma "coisa do tamanho de um ovo de peru". Munro
compara o comportamento atual diante de casos como o dela e o
comportamento de seus pais na época. A conclusão é que hoje se falaria
como o diabo do risco que ela corria na época. Mas, ao contrário, pouco
se falou do assunto, "respeitando o medo" sem falação. Conta Munro que,
nessa época, ela dormia num beliche com sua irmã mais nova (moravam numa
espécie de granja), e que numa noite olhou para a irmã e pensou em
sufocá-la.
A partir daí, não conseguia mais dormir, pensando no ímpeto que tivera
de matar sua irmã. Numa das manhãs seguintes a suas noites de insônia,
encontrou com seu pai, todo vestido chique, saindo de casa de manhã
muito cedo. Contou para ele o que pensara e o horror que sentira.
Seu pai simplesmente lhe disse que esquecesse aquilo e que essas coisas
passam. Depois, adulta, lembra como o modo simples de falar do pai a
acalmou profundamente. A pequena Alice nunca mais teve insônia.
Na sequência, a prêmio Nobel comenta que nunca perguntara ao pai para
onde ele ia tão cedo e tão elegante. Perguntou-se se ele ia ao banco
renegociar a dívida da família ou ver a mulher que amava, mas com quem
não podia ficar porque amava sua família... Silêncio. Nem uma linha de
rancor. Hoje, escreveriam uma tese sobre como seu pai poderia ter sido
um homem desatento ou, quem sabe, infiel. Ao lembrar do seu pai no
momento do reconhecimento em que recebera o prêmio, Munro pensa em como
ele teria ficado orgulhoso de sua pequena filha insone.
Nessas horas, tenho saudade do passado e lamento como nos transformamos
em adolescentes barulhentos que se levam demasiadamente a sério.
O segundo autor que quero comentar é Edmund Wilson, um dos últimos
críticos literários, segundo Paulo Francis, a enfrentar a literatura sem
se esconder atrás de grandes teorias abstratas (que se querem
"concretas").
No volume editado por Francis pela Companhia das Letras em 1991, "Onze
Ensaio - Literatura, Política, História", esgotado, aparece sua "visão
de mundo": a história é um longo processo através do qual as
civilizações se devoram, criando e destruindo, em círculos, indo para
lugar nenhum. Concordo.
Pura coragem intelectual, que tanto faz falta hoje, nesta época de
líderes adolescentes que creem em Woodstock como modelo de sociedade.
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* Filósofo. Prof. universitário. Escritor.
Fonte: folha on line, 22/10/2013
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